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ToggleO ministro interino das Relações Exteriores dos Talibã Amir Khan Muttaqi e o ministro de Relações Exteriores do Turcomenistão Rashid Meredov reuniram-se para discutir várias questões políticas e econômicas. Mais importante, fizeram ressuscitar o novelão já lendário que, no início dos anos 2000s chamei de Oleogasodutostão (ing. Pipelineistan): o gasoduto TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia).
Pode-se dizer que aí está mais uma virada histórica notável, na saga do pós-Jihad afegão, que começou nos idos de meados dos anos 1990s, quando os Talibã pela primeira vez tomaram o poder em Cabul.
Em 1997, os Talibã chegaram mesmo a visitar Houston para discutir o gasoduto, então conhecido como TAP (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão), como se pode ler na primeira parte de meu e-book Forever Wars.
Durante o segundo governo Clinton, um consórcio liderado pela empresa Unocal — atualmente parte da Chevron — esteve a ponto de embarcar em proposta extremamente cara (quase $8 bilhões) para bloquear a Rússia na intersecção de Ásia Central e Sul da Ásia. E também para esmagar a concorrência — o gasoduto Irã-Paquistão-Índia (IPI).
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Os Talibã foram devidamente cortejados — em Houston e em Cabul. Intermediário chave naquele momento foi o onipresente Zalmay Khalilzad, codinome “Afegão de Bush’, numa de suas primeiras encarnações, mistura de lobbyista da Unocal e interlocutor Talibã. Mas então os baixos preços do petróleo e os regateios sem fim no valor das taxas de trânsito fizeram gorar o projeto. Ao tempo do 11/9, a situação era essa.
Pxhere
Forças afegãs treinadas pelos EUA desertam para unir-se ao ISIS-Khorasan (ISIS-K)
No início de 2002, pouco depois de os Talibã serem derrubados do governo por efeito do etos de “bombardeie para democratizar”, foi assinado um acordo para construir o que ainda se conhecia como [gasoduto] TAP (sem a Índia), por Ashgabat, Cabul e Islamabad.
Mapa
Traçado do gasoduto TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia)
Conforme passou o tempo, ficou claro que o gasoduto TAPI, que atravessaria cerca de 800 km de terras afegãs e poderia gerar em torno de $400 milhões anuais em taxas de trânsito para os cofres de Cabul, jamais seria construído enquanto permanecesse refém de ambiente de guerrilhas.
Mesmo assim, há cinco anos, Cabul decidiu reviver o gasoduto TAPI e os trabalhos começaram em 2018 – sob segurança massiva nas províncias de Herat, Farah, Nimruz e Helmand, ainda em grande parte controladas pelos Talibã.
Na ocasião, os Talibã disseram que não atacariam o TAPI e, ainda mais, que cuidariam da própria segurança do gasoduto. O gasoduto seria acompanhado por cabos de fibra ótica – como a Rodovia Karakoram no Paquistão – e por uma linha de ferrovia do Turcomenistão ao Afeganistão.
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A história nunca para de pregar peças, no cemitério de impérios. Acreditem ou não, estamos hoje de volta à mesma situação em campo que lá havia em 1996.
Negócio emperrado
Se se consideram com atenção as viradas no enredo dessa saga infindável no Oleogasodutostão, vê-se que nada garante que o gasoduto TAPI seja algum dia concluído. Mas, com certeza, seria vitória quádrupla para todos os envolvidos – inclusive para a Índia – e grande passo na direção da integração da Eurásia no nodo Centro-Sul da Ásia.
É que se meteu uma cunha na engrenagem para emperrar o negócio: a cunha é o ISIS-Khorasan (ISIS-K), organização subsidiária do Daesh no Afeganistão.
Já há mais de um ano a inteligência russa sabe que os suspeitos de sempre têm garantido ajuda ao ISIS-K, pelo menos indiretamente.
Mas agora há um novo elemento, confirmado por fontes Talibã: alguns soldados treinados pelos EUA do antigo Exército Nacional Afegão estão-se incorporando ao ISIS-K para lutar contra os Talibã.
O ISIS-K, que apoia um projeto jihadista global, sempre viu os Talibã como bando de nacionalistas sujos. Antes, recrutavam-se jihadistas dos Talibã paquistaneses e do Movimento Islamista do Uzbequistão (MIU). Mas atualmente, além de ex-soldados, recrutam-se principalmente jovens afegãos urbanizados, pesadamente ocidentalizados pelo lixo mais extremado da cultura pop.
Não tem sido fácil para o ISIS-K estabelecer como consenso que os Talibã colaborariam com o ocidente – considerando que a galáxia OTAN continua a antagonizar e ou a lutar para derrubar os novos governantes de Cabul.
Também por isso, o novo discurso do ISIS-K é monomaníaco: basicamente, uma estratégia de caos, para desacreditar os Talibã, sempre insistindo na ideia de que os Talibã não conseguiriam garantir a segurança dos afegãos médios. É o que está por trás dos horrendos ataques a mesquitas xiitas e a instalações de infraestrutura do estado, inclusive hospitais.
Paralelamente, o discurso do presidente Biden dos EUA “além do horizonte”, tentando definir uma dita ‘estratégia dos EUA’ para combater o ISIS-K, não convenceu ninguém, além dos vassalos da OTAN.
Desde que foi criado em 2015, o ISIS-K continua a ser financiado pelas mesmas ‘fontes’ muito suspeitas que alimentaram o caos na Síria e no Iraque. O próprio nome do movimento foi pensado para desorientar o povo, tática extraída diretamente dos manuais da CIA.
O ‘Khorasan’ histórico vem de sucessivos impérios persas, uma vasta área que vai da Pérsia e do Cáspio até o noroeste do Afeganistão – e nada tem a ver com o jihadismo salafista e os lunáticos wahhabistas que ascenderam aos altos postos do grupo terrorista. Além disso, esses jihadistas do ISIS-K têm base no sudeste do Afeganistão, distantes das fronteiras do Irã. Assim sendo, o rótulo ‘Khorasan’ não faz absolutamente sentido algum.
As respectivas inteligências de Rússia, Chinha e Irã operam a partir da evidência de que a ‘retirada’ dos EUA, do Afeganistão, como já se viu no caso da Síria e Iraque, absolutamente não é ‘retirada’, mas simples reposicionamento. O que sobra é a velha estratégica dos EUA, sem diluição, marca registrada dos norte-americanos, que sempre visou e visa a criar o máximo possível de caos, servindo-se para tanto de atores diretos (soldados que roubam petróleo sírio) e atores indiretos (o chamado ISIS-K).
É cenário autoevidente, quando se considera que o Afeganistão é o precioso elo que faltava das Novas Rotas da Seda da China. Depois da ‘saída’ dos EUA, o Afeganistão está pronto não só para se engajar plenamente na Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) de Pequim, mas também para se tornar nodo chave da integração da Eurásia, como futuro membro pleno da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) e da União Econômica Eurasiana (UEE).
Para enfrentar esses desenvolvimentos positivos, as práticas rotineiras do Pentágono e da OTAN, sua subsidiária, permanecem à espera no Afeganistão, prontas para boicotar e interromper qualquer progresso político, diplomático, econômico e de segurança que se inicie no país. É possível que estejamos entrando num novo capítulos do manual de ‘Hegemonia’ dos EUA: Guerras Clandestinas Forever.
OCX intimamente conectada
5ª-Colunistas recebem a missão de levar ao ocidente a nova mensagem do império. É o caso de Rahmatullah Nabil, ex-chefe do Diretorado Nacional de Segurança do Afeganistão (ing. National Directorate of Security, NDS), “o serviço de inteligência afegã, com íntimas conexões com a CIA,” como se lê na revista Foreign Policy.
Numa entrevista carregada com incontáveis mentiras ‘marca registrada’ do império – “lei e ordem estão em desintegração,” “o Afeganistão não tem amigos na comunidade internacional,” “os Talibã não têm parceiros diplomáticos” – Nabil, pelo menos, não faz papel de total idiota.
Ele confirma que o ISIS-K continua a recrutar, e acrescenta que ex-agentes da defesa/segurança do Afeganistão estão-se unindo ao ISIS-K porque “veem o Estado Islâmico como melhor plataforma para si próprios.”
Também acerta ao dizer que a liderança dos Talibã em Cabul “teme que a nova geração extremista de seus combatentes” venha a se unir ao ISIS-K, “que têm agenda regional.”
Rússia “fazendo jogo duplo” é bobagem. No enviado presidencial Zamir Cabulov, Moscou mantém um interlocutor de primeira classe em contato constante com os Talibã, e jamais permitiria que a “resistência” – como dizem os ativos da CIA –, fosse baseada no Tajiquistão, com agenda de desestabilização afegã.
Do Paquistão, é correto dizer que Islamabad “tenta convencer os Talibã a incluir em seu sistema tecnocratas pró-Paquistão”. Mas não “como retribuição pelo lobbying a favor de reconhecimento internacional.” É questão de responder às próprias necessidades de administração dos próprios Talibã.
A OCX é muito intimamente conectada ao que esperam, coletivamente, dos Talibã. Entre essas expectativas estão governo inclusivo e nenhum influxo de refugiados. O Uzbequistão, por exemplo, como principal entrada do Afeganistão para a Ásia Central, comprometeu-se a participar dos negócios da reconstrução.
De sua parte, o Tadjiquistão anunciou que a China construirá uma base militar de $10 milhões na Região Autônoma de Gorno-Badakhshan, geologicamente espetacular. Contra a crescente histeria ocidental, Dushanbe prometeu que a base abrigará essencialmente uma unidade de resposta rápida do Departamento Regional para Controle do Crime Organizado, subordinada ao Ministério do Interior do Tadjiquistão.
Reunirá cerca de 500 soldados, vários veículos leves blindados, e drones. A base é parte de um acordo entre o Ministério do Interior do Tadjiquistão e o Ministério de Segurança do Estado da China.
A base é uma concessão necessária. O presidente tadjique Emomali Rahmon tem um sério problema com os Talibã: recusa-se a reconhecê-los e insiste em melhor representação tadjique num novo governo em Cabul.
Pequim, por sua vez, jamais se afasta de sua prioridade absoluta: impedir, por quaisquer meios, que os uigures do Movimento Islâmico do Turquistão Oriental (ing. East Turkistan Islamic Movement, ETIM) cruzem as fronteiras tadjiques para criar agitação em Xinjiang.
Assim, todos os principais atores da OCX agem coordenadamente com vistas a um Afeganistão estável. Quanto à Think-tank-elândia norte-americana, já se sabe, a única estratégia é rezar pelo máximo caos.
*Publicado originalmente em The Cradle
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