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Peru: para derrubar Castillo, fascistas querem fazer crer que ele não tem capacidade moral

Argumento não tem respaldo na Constituição do país. Não é de se estranhar que certos representantes do Peru Livre colaborem com esse propósito
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Em mais alguns dias poderia entrar no debate oficial um pedido de vacância da Presidência da República.

Extraoficialmente, no entanto, a direita recalcitrante já a havia proposto logo que Pedro Castillo foi proclamado Presidente. 

Para aqueles que a propõe, não importam os motivos; o que conta são os votos dos congressistas, os 87 requeridos.

Portanto, a vacância é, para eles, um tema político, estranho às causas previstas pela Constituição e sua interpretação. 

Comprovo. 

A Constituição vigente dispõe que “A Presidência da República fica vaga por: 

1 – Morte do Presidente da República.
2 – Sua permanente incapacidade moral ou física, declarada pelo Congresso.
3 – Aceitação de sua renúncia pelo Congresso.
4 – Sair do território nacional sem licença do Congresso ou não regressar no prazo fixado.
E 5 – destituição, após haver sido sancionado por alguma das infrações mencionadas no artigo 117 da Constituição”. Neste caso, após o julgamento político, com provas, acusação e defesa, segundo o artigo 89 do Regulamento do Congresso da República.

Nos outros casos de vacância, não há julgamento político, apenas constatação de que os fatos causadores dela se produziram: a morte se constata com o atestado de óbito ou a declaração judicial de falecimento, a renúncia com o documento que a contém, a saída do território nacional sem licença do Congresso com o certificado deste, a ausência de retorno ao país com o certificado da Direção de Migrações e a incapacidade física permanente com os certificados expedidos pelos funcionários médicos competentes.

Quanto à incapacidade moral, a coisa se complica. 

O artículo 89: a do Regulamento do Congresso da República, que trata da vacância por incapacidade moral ou física, não precisa a maneira de comprová-las. Pelo contrário, abunda em determinar o número de votos requeridos para a apresentação, admissão e aprovação do pedido de vacância, o que quer dizer que não interessam as provas, mas só a votação. Em outros termos, a vacância por incapacidade moral ficou tipificada como um assunto de decisão política.

Para precisar como deveria ser tratada, deve-se indagar qual é a origem dessa expressão e como poderia ser definida, já que não há uma definição legal dela. 

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Os constituintes de 1993 não criaram esta causa de vacância. Sua primeira versão aparece na Constituição de 1839 com o seguinte texto: 

“Art. 82 – Quando vagar a Presidência de República por morte, pacto atentatório, renúncia ou perpétua impossibilidade física ou moral…”

As constituições de 1856, 1860 e 1920 repetiram quase textualmente esta declaração. Na de 1933 se disse: 

“Art. 144 – A Presidência da República vaga, além do caso de morte: 1 – Por permanente incapacidade física ou moral do Presidente declarada pelo Congresso; 2 – Por aceitação de sua renúncia; 3 – por sentença judicial que o condena pelos delitos enumerados no artigo 150; 4 – Por sair do território da República sem licença do Congresso; e 5 – Por não se reincorporar ao território da República vencida a licença que lhe tenha sido concedida pelo Congresso”.

Este texto passou com algumas modificações às Constituições de 1979 e 1993. 

Argumento não tem respaldo na Constituição do país. Não é de se estranhar que certos representantes do Peru Livre colaborem com esse propósito

Presidência do Peru
Dentro de mais alguns dias poderia entrar a debate oficial um pedido de vagância da Presidência da República.

Como se pode observar, nos artigos transcritos não figura a incapacidade mental, que pode ser tanto ou mais grave e inabilitante que a física. O que aconteceu é que no século XIX e nas primeiras décadas do XX, a expressão incapacidade moral designava a incapacidade mental, expressão que recém começou a se generalizar depois disso. 

Na língua francesa, de grande influência no século XIX e em grande parte do XX, o termo moral significa “que concerne aos costumes, aos hábitos e sobretudo às regras de conduta admitidas e praticadas em uma sociedade”; e, além disso, que é a atividade de consciência, o “Relativo ao espírito, ao pensamento (oposto ao material, ao físico)”. (Dictionnaire Petit Robert). 

Na língua castelhana, a moral tem também esses significados. O Diccionario de la Real Academia Española diz do termo moral que é o “pertencente ou relativo às ações ou caracteres das pessoas, do ponto de vista da bondade ou maldade”. 

Outro significado é: “Que não pertence ao campo dos sentidos, por ser da apreciação do entendimento ou da consciência”; e outro que é o “conjunto de faculdades do espírito, por contraposição ao físico.” 

A verdade é que a denominada incapacidade moral nas constituições indicadas designou desde sua origem a incapacidade mental. Não obstante, a nenhum dos constituintes posteriores lhe ocorreu investigar sua origem e sentido, talvez por comodidade ou também por dissimulado cálculo. 

Supondo que a Constituição vigente, ao dizer incapacidade moral, se refira à impossibilidade de ser uma pessoa de bem, o primeiro que deve ser feito é definir a moral e depois que essa pessoa está incapacitada moralmente. 

Quando ao primeiro, a definição da moral começou com o livro de Aristóteles (384 a 322 a.C.) Ética a Nicómaco e se resume em uma das definições do Diccionario de la Real Academia: caracteres ou ações da pessoa a partir do ponto de vista do bem ou do mal. Para Aristóteles o fim da moral é o bem, e este se define como virtude. 

Dizia, por isso: “Havendo, pois, duas maneiras de virtudes, uma do entendimento e outra dos costumes, a do entendimento, pela maior parte, nasce da doutrina e cresce com a doutrina, pelo qual tem necessidade de tempo e experiência; mas a moral procede do costume, da qual tomou o nome, quase derivando-o, em grego, desde nome: ethos, que significa, naquela língua, costume”. (Livro segundo, capítulo I). 

O bom costume para ele era um dever “porque bem é amor, o nosso bem e mais divina coisa é fazer bem a uma nação e a muito povos”. (Livro primeiro, capítulo II).

Ulpiano (Roma, 170 a 228) compreendeu a noção do bem da justiça da qual disse que era viver honestamente, não prejudicar outros e dar a cada qual o seu (honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere).

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Voltou a tratar da moral Kant, no século XVIII, fazendo-a depender das ideias a priori e deixando-a com um atributo da liberdade do ser humano. Seu pensamento fundamental ficou sintetizado em seu imperativo categórico: “Obra de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação Universal”. (Crítica da razão prática). 

Mas isto não era definir o bem, o que ficava liberado à concepção de cada pessoas e à sua razão. O aporte mais importante de Kant, neste aspecto, é haver separado o mundo da moral do mundo da lei. A lei é positiva, dispõe o que ela diz aparte da moral. Se o sentido da lei, se ativesse à noção de moral de cada pessoa, teria tantos sentidos como pessoas houvesse. 

A intrusão da moral na Constituição, atribuindo-lhe o significado de vida virtuosa e de bem, para decidir algo tão concreto como a vacância da Presidência de República, faz de cada congressista um juiz que decide, em teoria, segundo o critério que possa ter do bem ou do mal e do que poderia ser para ele uma vida virtuosa. 

Por lógica, se a incapacidade física não pode ser determinada pelos congressistas, tampouco poderiam estabelecer, em um caso dado, se haveria incapacidade moral. Os congressistas são políticos e suas motivações, conduta e atuação são necessariamente também políticas. As causas não importam para eles ou se podem disfarçar. A vacância fica, portanto, sujeita absolutamente aos seus interesses políticos. São juízes e parte e, com isso, o Poder Executivo fica submetido à arbitrariedade de uma maioria circunstancial de congressistas, e o país ingressa a uma instabilidade prejudicial, sobretudo econômica. E não é esta a situação que os cidadãos entendem que se dá pelo pacto social que a Constituição formaliza. 

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Passo por alto o exame pontual das desprezíveis e pretendidas causas apresentados em sua moção de vacância presidencial pelos congressistas da direita recalcitrante e seus aliados, embora seja evidente que nenhuma tem fundamento. 

Além disso, não parece já incrível que certos representantes do Peru Livre colaborem com esse propósito que é para eles como o punhal em uma cerimônia mortal de seppuku na qual estão se metendo. 

*Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru

**Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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