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Ponte da Crimeia e mensagem ao G7: as prováveis razões da ofensiva russa à Ucrânia

Especialistas consideram que recente bombardeios levam selo do recentemente nomeado comandante chefe, o general Sergei Surovikin
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Pelo segundo dia consecutivo, nesta terça-feira (11), embora com menos quantidade e intensidade que na segunda-feira, a Rússia seguiu bombardeando a capital Kiev e outras cidades da Ucrânia com mísseis e drones com artefatos explosivos, em pelo menos dez regiões do país, de acordo com as informações que foram chegando durante o dia. 

Os porta-vozes oficiais russos já não falam de “resposta” pelo “atentado terrorista” contra a estratégica ponte da Criméia – que o presidente Vladimir Putin atribuía aos “serviços secretos” ucranianos – e tampouco confirmam se os bombardeios são parte da estratégia de tentar destruir a infraestrutura crítica das cidades ucranianas para levar um estado de desespero à população civil, que começa a se ressentir dos sérios problemas no abastecimento de água, luz e gás, além das frequente sirenes antiaéreas ao longo de dia e da noite. 

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Há especialistas que consideram que os bombardeios massivos levam o selo do recentemente nomeado comandante chefe das tropas que participam na “operação militar especial”, o general Sergei Surovikin, que recebeu o título de Herói da Rússia por deixar em ruínas a cidade de Idlib, na Síria. 

Mas outros analistas acreditam que se optou por continuar com os bombardeios por duas razões: uma, enviar a mensagem aos líderes do G7, reunidos de emergência para condenar as ações da Rússia, no sentido de que o Kremlin não se preocupa com as duras críticas – tampouco o silêncio de países que acreditava estarem ao seu lado – que está recebendo pela exibição do músculo bélico que começou na segunda-feira. Nesse sentido, o porta-voz presidencial russo, Dmitri Peskov, antecipou que a Rússia “conhece muito bem o propósito desta cúpula do G-7, é muito fácil de prognosticar: a confrontação vai continuar”. 

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E a outra, desmentir os rumores que circulam há semanas, de que estão acabando os mísseis de alta precisão X-101/X-555, que são lançados de aviões tipo TU-95MC, e Kalibr, de submarinos. Também se especula que se encontram perto do limite em que já não se poderia usá-los na guerra com a Ucrânia devido a ser necessário manter uma reserva para um eventual enfrentamento com um rival mais poderoso. 

Anotam que o exército russo está empregando drones com bombas Shahid-136 (Suicida), comprados do Irã, para compensar os severos problemas que está tendo para receber modernos mísseis de alta precisão, sem dizer os hipersônicos, por levarem microchips e outros componente eletrônicos fabricados em outros países que deixaram de chegar em razão das sanções dos Estados Unidos e seus aliados. Possui, em troca, ainda muitos mísseis antigos fabricados na União Soviética que estavam armazenados e, de fato, os está lançando sobre alvos ucranianos, embora sua precisão deixe muito a desejar. 

Yevgueni Popov, apresentador do programa 60 minutos da televisão pública russa e deputado do partido oficialista Rússia Unida, afirmou na segunda-feira que o míssil que caiu sobre uma pracinha com jogos infantis não era um “alvo” do exército russo e, se ficou destruída, foi por culpa do exército ucraniano que “o desviou até aí” para culpar a Rússia. 

Em outros canais de TV, foi dito algo parecido sobre os projéteis que destruíram edifícios residenciais, um museu, pontes e outros “alvos” civis, enquanto nesta terça-feira o general Igor Konashekov, o porta-voz castrense, reportou que “todos os alvos que se haviam planejado, entre eles, mandos militares e enlaces de comunicações do exército inimigo, foram destruídos”

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O governo da Ucrânia reconheceu nesta terça-feira que “os bombardeios massivos de segunda-feira afetaram 29 objetivos de infraestrutura crítica”, como a rede de eletricidade de Leópolis que deixou sem luz um terço dessa cidade fronteiriça com a Polônia, e que estão tratando de reparar o antes possível.  

O porta-voz das forças aéreas do exército ucraniano, Yuriy Ignat, informou que até às 15 horas de Kiev, a Rússia havia lançado nesta terça-feira 28 mísseis de cruzeiro e 13 drones Shahid-136 na capital e nas regiões de Zaporíjia, Vinitsa, Leópolis, Ivano-Frankovsk, Dniepropetrovsk, Jmelnitsky, Mykolaev, Rovno e Odessa.

Por sua vez, Andriy Yermak, chefe do escritório da presidência ucraniana, deu a conhecer que foi operado um novo intercâmbio de prisioneiros e publicou fotos do grupo de 32 oficiais e soldados do exército que não puderam ser libertados, sem precisar sob que condições se deu a troca, ainda não comentada pela parte russa.

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Ministério da Defesa Russo
Putin enumerou todo um repertório de atrocidades do “regime de Kiev, que há tempo emprega métodos terroristas




Intensos contatos

O titular do Kremlin, Vladimir Putin, reuniu-se nesta terça-feira, em São Petersburgo, com o diretor geral do Organismo Internacional de Energia Atômica (OIEA), Rafael Grossi, com quem falou a portas fechadas da situação da central nuclear de Zaporíjia, que a Rússia mantém sob seu controle, e – do pouco que foi divulgado – se mostrou “preocupado” pelo risco de que possa ocorrer uma catástrofe se um míssil ou projétil do exército ucraniano impactar um de seus reatores. 

Rossi respondeu, de acordo com o breve comunicado distribuído por seu serviço de imprensa, que a OIEA fez tudo o que está ao seu alcance para evitar que se produza um acidente nuclear na central de Zaporíjia, que poderia ter consequências nefastas para toda a região. 

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Putin defendeu a necessidade de “não permitir a proliferação de tecnologia nuclear com fins militares”. Ao mesmo tempo, advogou por “não politizar em excesso tudo o que se relaciona a atividades em matéria nuclear”, assim como reiterou que a Rússia considera que todos os Estados devem ter “igual acesso aos benefícios do átomo com fins pacíficos”. 

No mesmo dia, recebeu em sua residência o presidente dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Mohamed bin Zayed Al Nahyan, o qual – além de pôr na mesa proposta para discutir de que maneira ambos países podem influir para estabilizar os preços internacionais de petróleo e gás – levou a São Petersburgo uma mensagem enfática sobre a guerra, conforme as declarações que fez na véspera seu assessor, Anwar Gargash: “Os EUA mantêm a firme posição de que a escalada da situação na Ucrânia requer uma solução urgente mediante a diplomacia, o diálogo e o respeito às normas e princípios do direito internacional”. 

O anfitrião agradeceu “os esforços de mediação” de seu hóspede que “permitiram resolver algumas questões de caráter humanitário muito complexas” e disse que conhece “sua intenção de contribuir para solucionar todas as controvérsias, entre elas a crise que tem lugar na Ucrânia”. Putin sublinhou que “isto é um fator importante que permite recorrer à sua influência para avançar para uma solução da situação”. 

Precisamente disso, conforme adiantou o porta-voz Peskov, falará Putin com seu colega turco, Recep Tayyip Erdogan, quando se reunirem “depois de amanhã” em Astana, capital do Cazaquistão (nesta quinta-feira, 13). Na terça-feira, os ministros de defesa de ambos os países falaram por telefone da guerra na Ucrânia e da saída de cereais ucranianos pelo mar Negro, temas que serão centrais nas conversões dos mandatários. 

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Nesse contexto de intensa atividade, o chanceler Serguei Lavrov soltou, em uma entrevista ao canal Rússia-1, como “simples especulação” a possibilidade de que Putin e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pudessem se reunir ao coincidir na Indonésia, nos dias 15 e 16 de novembro, na cúpula do G-20.

Embora tenha admitido que não há no momento nenhuma proposta formal, “se chegasse, estamos dispostos a estudá-la, sempre falamos que não rechaçamos esses encontros”, agregou Lavrov.


Investigações sobre ataque à ponte da Crimeia

Os bombardeios a cidades da Ucrânia foram uma reposta da Rússia ao ataque que, dois dias antes, sofreu a ponte da Criméia, estratégica infraestrutura que facilita por via terrestre todo tipo de fornecimentos à península anexada e peça chave para a logística das tropas russas em Kherson.

Assim o confirmou o presidente Vladimir Putin ao abrir a partir de São Petersburgo, por teleconferência, uma reunião do Conselho de Segurança, de acordo com o fragmento que a televisão pública transmitiu. 

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“Hoje pela manhã (segunda-feira, 10), por sugestão do Ministério da Defesa e conforme o plano do Estado Maior do exército, foi realizado um ataque massivo com armamento de alta precisão em longa distância a partir de terra, ar e mar contra alvos de infraestrutura energética, comando militar e comunicações da Ucrânia”, disse Putin. 

E advertiu: “Em caso de continuarem as tentativas de realizar atentados terroristas em nosso território, a resposta da Rússia vai ser contundente e sua magnitude dependerá do nível das ameaças que sejam criadas contra a Federação Russa. Que ninguém tenha a menor dúvida”. 

Putin não explicou como os “serviços secretos” da Ucrânia cometeram “o atentado terrorista” na ponte da Crimeia, que as autoridades russas presumiam que era a “infraestrutura mais protegida” da Rússia, com “os mais modernos equipamentos e sistemas de detecção de bombas tanto em terra como por ar e mar”. 

O presidente da Rússia afirmou ainda: “É evidente que os autores intelectuais, os organizadores e os executores deste atentado terrorista são os serviços secretos da Ucrânia”. 

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Putin enumerou todo um repertório de atrocidades do “regime de Kiev, que há tempo emprega métodos terroristas: trata-se de 4 assassinatos de funcionários, jornalistas e cientistas tanto na Ucrânia como na Rússia, os bombardeios terroristas em cidades do Donbass que já duram oito anos e o terrorismo atômico, tendo em conta o lançamento de mísseis contra a central nuclear de Zaporíjia”.

O titular do Kremlin seguiu culpando os serviços secretos ucranianos: “mas não só isso. Também são responsáveis por três atos terroristas contra a central nuclear de Kursk, com frequência voam as linhas de alta tensão das hidroelétricas(…) e têm procurado atentar contra infraestruturas de transporte de gás, como o Fluxo Turco”. 

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Disse que não permite que a Rússia participe na investigação das explosões que danificaram os gasodutos no fundo do mar Báltico. Mas “sabemos muito bem quem se beneficiou”, afirmou.

“Deste modo, o regime de Kiev com suas ações se pôs no mesmo nível das formações terroristas internacionais, dos grupos mais odiosos. E já é impossível deixar sem resposta este tipo de crime”, concluiu Putin.

Com sua resposta – 83 mísseis, 41 derrubados segundo o exército ucraniano, e um número indeterminado de drones com projéteis, lançados nesta segunda-feira contra mais de quinze cidades, entre Kiev, Leópolis, Dnipró, Ternopol, Ivano-Frankovsk, Zhitomir, Járkov, Jmelnitski, Kremenchuk, Odessa, Poltava, Sumi e Zaporíjia –, o mandatário russo conseguiu um duplo propósito: 

Por um lado, não ficar de braços cruzados ao ordenar o que considera um “castigo exemplar” contra os que se atreveram a atacar uma “infraestrutura civil essencial para a Rússia”, sem ter que cumprir a sua ameaça de recorrer ao arsenal nuclear, o que poderia ter efeitos imprevisíveis 

E por outro, aplacar o setor mais belicista de seu entorno, cujos porta-vozes levam dias clamando nas redes sociais e telas dos televisores que já basta de aguentar “os nazistas” ucranianos e que deve-se usar armas atômicas táticas contra a Ucrânia. Casualidade ou não, um dos mais radicais, Ramzan Kadyrov, governante da Chechênia, em sua conta de Telegram se mostrou “muito satisfeito com a forma que adquiriu nesta segunda-feira a operação militar especial” e recomendou ao presidente ucraniano: “Corra para o Ocidente, Zelensky, fuja antes que seja tarde”.


Mais gasolina no fogo

A Bielorrússia, que até o momento se manteve à margem dos combates de seus vizinhos eslavos, embora por sua dependência de Moscou – na forma de uma espécie de confederação que existe mais no papel que na realidade – emprestou seu território como plataforma para os ataques da Rússia contra a Ucrânia e terá um contingente bielorrusso-russo, segundo acordaram em São Petersburgo os presidentes de ambos os países na sexta-feira (7).

Foi dado a conhecer por Lukashenko nesta segunda-feira, em uma reunião de seu Conselho de Segurança: “À raiz de que se agravou a situação nas fronteiras ocidentais do Estado a União (como se chama a confederação formal), acordamos implementar um grupo regional de tropas conjuntas da Rússia e Bielorrússia… Quando o grau de ameaças alcance o que há agora, começaremos a utilizar esse contingente”, divulgou a Belta, a agência noticiosa de Minsk. 

Nas palavras de Lukashenko, o grosso do contingente serão saldados bielorrussos, mas “logo chegarão militares russos, que serão mais de mil, seguramente”. Não especificou onde vão ser colocados essas tropas nem quais serão suas funções.

O mandatário, isso sim, está convencido de que “na Ucrânia não se fala dessa possibilidade, mas estão preparando ataques contra território bielorrusso, e não porque os ucranianos querem, mas sim por ordens de seus patrões (ocidentais)”.

Desmentiu que a Bielorrússia tenha a intenção de se somar à guerra e mandar seus soldados para combater em solo ucraniano, mas justificou a criação do contingente conjunto com a frase que se atribui a Júlio César e que ele tomou emprestada de uma hipótese de Flávio Vegécio Renato: “Se quer a paz, prepare-se para a guerra”. 

Juan Pablo Duch | Correspondente do La Jornada em Moscou.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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