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Porto Rico: Com a colônia em bancarrota

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

A suprema definição está ao nosso alcance.

Rubén Berríos*

Rubén Berríos, discursou no parlamento de Porto Rico
Rubén Berríos, discursou no parlamento de Porto Rico

Em 18 de janeiro de 2017, o presidente do Partido Independentista Portorriquenho (PIP), Rubén Berríos, discursou no parlamento de Porto Rico (equivalente às assembleias legislativas estaduais brasileiras) sobre o projeto de lei, atualmente em tramitação no senado local, que convoca um plebiscito para decidir o estatuto da ilha. Porto Rico é um território dependente dos Estados Unidos desde 1898, quando os estadunidenses ocuparam-no na guerra contra a Espanha. Desde então, a ilha ficou com uma definição ambígua para seu status, chamado de “estado livremente associado”, mas sem ser um estado pleno da federação norte-americana, nem um país independente. Na prática, é um estatuto colonial, em que Washington substituiu Madrid como metrópole, e não permite que os porto riquenhos tenham soberania, moeda própria, diplomacia nem forças armadas.
O projeto, chamado de PS 51, esbarra em insistências dos que defendem a continuidade do status colonial, chamando a ingerência de Washington no processo, e em divergências entre os próprios movimentos de separação, entre os que querem apenas mais autonomia e os que pedem a independência completa. No discurso, o líder do PIP lembrou o conceito de “suprema definição”, formulado pelo nacionalista Pedro Albizu Campos (1891-1965), para quem o dilema da ilha era escolher entre ser “jíbaros” (porto riquenhos) ou “ianques”.
A seguir, Diálogos do Sul reproduz a íntegra do pronunciamento de Berríos no senado de Porto Rico:
Senhor presidente do Senado, senhor presidente da Câmara, senhores porta-vozes, senhores e senhoras senadores e deputados:
Acompanham-me no dia de hoje a vice-presidente do PIP, a companheira Maria de Lourdes Santiago, e o presidente-executivo do PIP, o companheiro Fernando Martín.
Hoje, para mim, é um dia de júbilo. Posso dizer com satisfação que ontem à noite retifiquei esta fala para excluir a exigência da libertação do patriota Oscar López Rivera como parte da definição de independência que detalharei para os senhores mais adiante.
A libertação de Oscar constitui, além de um ato de justiça, uma fonte de esperança. Se houver unidade entre propósito e persistência, um povo pode conseguir tudo. Vieques [N. do T.: antiga base militar dos EUA em Porto Rico, retirada em 2003 após anos de protestos] já tinha apontado o caminho, e agora a libertação de Oscar confirma isso.
Por décadas, o objetivo estratégico do Partido Independentista Portorriquenho para antecipar o advento da independência foi o de promover a “suprema definição”, antecipada desde os anos 1930, por Pedro Albizu Campos.
O colonialismo prevaleceu em Porto Rico porque essa vem sendo – até agora! – a vontade dos Estados Unidos ao considerar inaceitáveis tanto a independência como a estatalidade [tornar-se estado da União norte-americana]. O colonialismo prevaleceu por desígnio imperial.
Por sua vez, o momento da “suprema definição” só chegará quando os Estados Unidos se virem forçados a enfrentar o problema do status de Porto Rico. Contribuir para esse objetivo deve ser o norte do projeto diante dos senhores. Uma nação tão heterogênea e complexa como os EUA enfrenta seus grandes problemas de política pública quando entram em crise. Não enfrentam a menos que tenham de fazê-lo. Na medida em que Porto Rico não é percebido como um problema crítico para os EUA, triunfa o imobilismo, ou seja, o colonialismo.
Hoje, com a colônia em bancarrota econômica, política e social (repudiada por nosso povo, impugnada internacionalmente, regida por uma Junta Federal de Controle Fiscal e desenganada pelo próprio governo dos EUA, que a criou) a “suprema definição” está a nosso alcance. No contexto da situação atual, de que padece a nossa pátria, é mais evidente que nunca a relação entre o status de inferioridade política e a sua incapacidade para promover um verdadeiro desenvolvimento.
Não podemos deixar esta oportunidade passar.
Para isso, às vésperas do plebiscito proposto neste projeto de lei, é necessário um diálogo construtivo que possibilite a participação no mesmo de todos nós que aspiramos à descolonização.
Proponho apresentar aos senhores várias propostas dirigidas a modificar o PS 51 de tal forma que possa ser aceitável por todos nós que acreditamos na descolonização.
Antes disso, devo enfatizar que o projeto tem o grande mérito de estabelecer claramente que nenhuma forma de colonialismo pode ser considerada como alternativa e de agrupar inicialmente a independência e a livre-associação como as duas modalidades do que melhor se deve intitular “soberania própria” ou “soberania nacional porto riquenha”. Já basta de ambivalências. Não existe um direito natural a ser colônia como alguns parecem pretender. É preciso que definir.
Devo acrescentar, ainda, que, constitucionalmente, o Congresso dos Estados Unidos só tem à disposição dois mecanismos, duas rotas, para superar a condição colonial de um de seus territórios: ou o integra como estado ou se desfaz do território. Neste projeto, pede-se ao povo de Porto Rico que se expresse sobre essas duas rotas. O Congresso, por sua vez, pode então desfazer-se do território reconhecendo a soberania nacional de Porto Rico, seja na independência ou na livre-associação. Por isso, ambas devem estar agrupadas como fórmulas de soberania nacional porto riquenha frente à alternativa da integração como estado. Esse é o caminho para a “suprema definição”.
Vamos analisar agora as deficiências que o projeto contém e que devem ser corrigidas.
Refiro-me, em primeiro lugar, à forma limitante e insuficiente em que se define a independência. A seção correspondente deve ser alterada para atender essa deficiência. Tal emenda deve ser orientada pelos seguintes parâmetros:

  1. O voto pela independência constitui a demanda para o governo federal para começar o processo de descolonização com a transferência de soberania para Porto Rico, para que Porto Rico possa desfrutar de sua independência.
  2. A independência implica os direitos, deveres, poderes e prerrogativas dos países independentes e democráticos.
  3. Significa, além disso, o apoio à população porto riquenha (mesmo para aqueles que decidam manter a cidadania americana) e a um processo de transição desde a proclamação da independência a ser negociado com o governo dos Estados Unidos, incluindo temas como os seguintes: comércio com os EUA, direitos adquiridos, moeda, dívida pública, movimento e trânsito de pessoas e desmilitarização, além de um “Tratado de Amizade e Cooperação”, posterior ao processo de transição.

Estas considerações não são novas. Os projetos que o Congresso dos EUA considerou desde 1989 para tratar do assunto da autodeterminação de Porto Rico contemplam todos estes aspectos da transição para a independência.
Caberia, por sua vez, aos defensores da livre-associação fazer as ressalvas que creiam ser pertinentes quanto à definição de sua aspiração. Aproveito para ressaltar que em relação à livre-associação deve-se ser o mais flexível e inclusivo possível, de forma que os que a defendem estejam devidamente representados na minuta.
Há vários assuntos adicionais aos quero me referir no dia de hoje.
Reconhecendo a importância de encaminhar este processo o quanto antes, as datas propostas não devem servir de impedimento para chegar a acordos consensuais e à devida participação.
Em relação às arrecadações e gastos de campanha, é necessário garantir acesso justo e equitativo para a difusão das diversas alternativas. Para conseguir esse objetivo, podem ser estabelecidos diversos mecanismos, entre outros, limites muito estritos para as arrecadações e gastos de campanha e a disponibilidade de tempo igual para os representantes das diversas opções de status nos meios de comunicação de propriedade do Estado.
Nem é preciso dizer que, quanto a boa parte da linguagem na exposição de motivos e em algumas partes do texto, discordamos. Em todo caso, trata-se de declarações formuladas pela maioria parlamentar desde a sua perspectiva ideológica, que não tem nenhuma consequência real.
Por último, quanto à consulta ao ministro da Justiça [Attorney-General] dos Estados Unidos sobre as definições das diversas alternativas de status contidas no projeto, várias observações são de rigor.
Para o PIP, o processo de descolonização supõe não uma mera consulta jurídica ao ministro, mas uma negociação política com o Congresso, como aquela contida em nossa proposta de Assembleia de Status, já apresentada nesta legislatura. Somos conscientes de que o nosso não é o mecanismo pelo qual a maioria parlamentar optou. Ainda assim, queremos deixar claramente assentado que, para nós, a independência é um direito inalienável e, portanto, sua definição não está sujeita àquilo que o ministro da Justiça estadunidense possa opinar.
Mais ainda, quanto à consulta ao ministro da Justiça quero advertir sobre outro aspecto que creio ser de grande importância.
Não há por que supor que o ministro da Justiça esteja interessado ou comprometido com a descolonização de Porto Rico. Pelo contrário, como já ressaltei no início das minhas palavras, o colonialismo em Porto Rico prevaleceu até o presente porque essa tem sido a vontade dos Estados Unidos. Em 119 anos, nem um só governo dos EUA se afastou da política pública de manter um regime colonial em Porto Rico. Basta dizer que continuar com a permanência do território está de acordo com a cláusula territorial da Constituição dessa nação.
Existe, portanto, a possibilidade de que, ao ser consultado sobre este plebiscito, o ministro da Justiça diga que deve incluída a alternativa de relação territorial sob qualquer de seus múltiplos nomes, seja este ELA [Estado Livremente Associado], ou “ELA culminado” ou melhorado ou qualquer outro.
Essa possível opinião do ministro da Justiça, obviamente estimulada pelos colonialistas locais, seria totalmente contrária à letra e ao espírito deste projeto. Mas não seria a primeira vez que os EUA agiriam contra os interesses e a vontade do nosso povo.
O mudo já começou a falar mas não se pode descartar que comece a dizer disparates… Se for conveniente.
Como o governo de Porto Rico enfrentaria, então, tal atropelo? Essa seria a prova de fogo.
Diante de semelhante atropelo em potencial, esta legislatura deve seguir adiante com o plebiscito, excluindo qualquer alternativa colonial. Não se pode vender a dignidade e a vontade descolonizadora do nosso povo pelo prato de lentilhas de uma exígua contribuição monetária federal para tal plebiscito. Afinal de contas, se não nos fizermos respeitar, ninguém vai nos respeitar. É preciso ficar de pé para descolonizar a nossa pátria.
O PIP está na melhor disposição de favorecer um projeto que antecipe a nossa descolonização e que nos leve à “suprema definição”. Mas, para isso, como ressaltamos, o projeto sob consideração deve ser modificado.
Eu dediquei toda a minha vida à luta pela descolonização e pela independência da minha pátria, e aspiro que possamos, de uma vez e por todas, contribuir para resolver o inquietante problema do status. Mas o movimento demonstra estar andando.
Para o PIP, como sempre, o critério determinante será a antecipação da independência.
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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