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Foto: Ricardo Stuckert/PR

Proposta de Lula contra extrema-direita global é “basta!” à normalização da barbárie

Presidente brasileiro evidencia urgência de que as forças progressistas compreendam a gravidade de um contexto em que as direitas se radicalizam em ritmo alarmante
Juraima Almeida
Estratégia.la
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

Em 23 de abril, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011/2022-), exortou os setores de esquerda, progressistas e democráticos a organizarem-se em escala internacional para abortar o crescimento da extrema-direita. 

Lula também reafirmou seu compromisso com a integração sul-americana, e expressou seu objetivo de organizar um encontro com presidentes de governos democráticos a fim de definir uma estratégia coordenada ante o avanço desta tendência política antissocial.

O presidente brasileiro anunciou ainda que irá ao Chile em maio e que espera que seu homólogo, Gabriel Boric (2022-), convoque uma reunião com aqueles que participaram, no ano passado, de uma cúpula em Brasília em que o gigante sul-americano buscava recuperar seu papel ativo nos assuntos regionais. 

“Precisamos discutir como atua a América do Sul como bloco”, disse Lula. “Se fizermos política de aliança respeitamos as diferenças, mas façamos crescer a economia da região”.

Lula disse também que espera que “as coisas voltem à normalidade” na Venezuela depois das eleições de julho, para que “os Estados Unidos possam retirar as sanções” energéticas impostas pelo não cumprimento de certos compromissos eleitorais.

Golpes contra democracia

O apelo de Lula se dá em um momento em que políticos de extrema-direita conquistam cada vez mais espaços e querem carta de naturalidade para programas que seriam inconcebíveis há apenas alguns anos por sua incompatibilidade com os direitos humanos e os princípios democráticos. 

A extrema-direita talvez chegue ao poder pelas urnas, mas tanto quando se encontra no governo como quando é oposição opera de tal modo que solapa a democracia, cuja essência adultera e corrompe.

O Brasil é testemunha disso: o ex-presidente Jair Bolsonaro ganhou claramente as eleições em outubro de 2018, mas só depois que Lula, o favorito em todas as pesquisas, foi inabilitado [de ser candidato] por um processo penal em que não havia prova alguma contra ele. Posteriormente veio à luz a trama de juízes e procuradores corruptos que conspiraram para impedir sua candidatura, mas o dano de quatro anos de bolsonarismo é irreparável.

Na Argentina, Javier Milei (2023-) impôs desde o início de seu governo uma bateria de políticas de desmantelamento do Estado, entrega do país a capitais estrangeiros e destruição de direitos sociais sob a forma de um decreto de necessidade e urgência, mecanismo que deve ser ratificado ou derrotado pelo Legislativo ou pelo Poder Judiciário. Também tentou fazer passar uma lei que lhe transferia a faculdade de legislar, isto é, de suplantar o Congresso, em que seu partido é uma ínfima minoria.

No Equador, o multimilionário Daniel Noboa (2023-) acaba de estender a vigência do estado de exceção, com o qual restringe direitos como a livre mobilidade, a liberdade de reunião e a inviolabilidade de domicílio e da correspondência. Desde 8 de janeiro, depois de 45 dias de sua posse, as garantias individuais ficaram suspensas durante 70% de seu mandato, e continuarão assim pelo menos até meados de julho.

Em El Salvador, Nayib Bukele (2019) governou sob o estado de exceção durante 25 meses ininterruptos, e não há nenhum indício de que deseje renunciar a esta medida que lhe permite dispor a seu arbítrio da liberdade e da vida dos salvadorenhos.

O compromisso de Lula

“Meu compromisso é com a esquerda, com um Estado socialmente justo. Hoje, se olharem para a América do Sul, percebem que há um retrocesso, devido ao crescimento da extrema-direita, da xenofobia, do racismo e da perseguição às minorias com assuntos retrógrados”, disse e fez um apelo para que “os setores democráticos” se organizem.

Lula contou que falou com seus pares da Espanha e da França, Pedro Sánchez e Emmanuel Macron (2017-), propondo uma reunião com os que chamou “presidentes democratas” e que, vaticinou, pode ocorrer durante a Assembleia Geral das Nações Unidas.

Uma dúzia de presidentes dos países sul-americanos se reuniu no ano passado, com exceção do Peru, em uma cúpula que buscava retomar o diálogo regional depois do colapso da Unasul. Entre os participantes estavam Boric e o venezuelano Nicolás Maduro.

Por ora, o presidente argentino, Javier Milei, terá que esperar para encontrar-se com seu colega brasileiro. Segundo Lula, ainda não teve oportunidade de ler a carta que foi enviada via a chanceler Diana Mondino, em que solicitou uma reunião. “Não sei o que dizer, de modo que não posso responder”, disse. Adiantou que quando a leia tem interesse em que “a imprensa saiba o que pretende a Argentina e o que quer conversar com o Brasil”.

A distância entre ambos os presidentes foi estabelecida pelo argentino quando, antes de assumir, classificou o ex-dirigente metalúrgico como “comunista” e afirmou que não teria relação com esse tipo de país. Nessa linha, fontes do Governo argentino disseram que não se tratou de um pedido de audiência, e sim que a intenção é “gerar um encontro em algum fórum internacional” como no G20, que se realizará no Brasil; ou no Mercosul.

Com relação à Venezuela afirmou que “está acontecendo algo extraordinário: toda a oposição se uniu. Está lançando um candidato único, haverá eleições, haverá acompanhamento internacional, há muito interesse em querer acompanhar e se o Brasil for convidado, participará”, disse, depois de manifestar sua expectativa de que uma vez que termine o processo eleitoral o país “volte à normalidade”.

Por “normal” entendeu que “quem ganhou toma posse do Governo, quem perdeu se prepara para outras eleições, como eu me preparei depois de três derrotas aqui no Brasil”, esclareceu. “E, mais, que a Venezuela volte à normalidade para que os Estados Unidos levantem as sanções e a Venezuela possa voltar a acolher as pessoas que estão saindo do país devido à situação econômica”, disse o mandatário brasileiro.

Estes cenários semelhantes de adulteração da democracia não se dão só na América Latina, mas também em outros países onde as direitas avançam. Na Espanha, a direita levou à justiça todas as pessoas que participaram da organização do referendo independentista da Catalunha em 2017, com o que criminaliza a expressão de opiniões políticas e a identidade nacional de todo um povo. Enquanto isso, a ultradireita do Vox, que hoje governa junto com o PP em várias entidades, propugna sem pudor pela proscrição total da autonomia de que gozam as regiões.

Lula deixa claro que é urgente que as forças progressistas compreendam e cerrem fileiras ante a gravidade de um contexto em que as direitas se radicalizam em ritmo alarmante e se aliam a ultradireitas para seduzir o eleitorado e usar as instituições democráticas contra as maiorias. Uma oportunidade para forjar a unidade necessária para frear a barbárie.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Juraima Almeida

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