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Cannabrava | Momento no Brasil é crucial: ou eles, ou nós, ou os civis, ou os militares

Os oficiais das forças armadas estão mergulhados na lama até os gorgomilos. Querem limpar a barra? Querem se livrar da imundice? Voltem para os quartéis!
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

A República, instituída no Brasil em 1889 e reiterada nas sucessivas Constituições, tem três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

As Forças Armadas não são nenhum dos três poderes, são a guarda do Estado e da Nação. 

O Estado é a administração do poder e a Nação é o povo e sua cultura mais o território com tudo que nele existe, em seus espaços circundantes:  céu, subsolo, espaço ciber, mares e oceanos.  

É o Executivo que, de acordo com a Lei, organiza a força para proteger o Estado e a Nação. Por isso, em toda Constituição o chefe do Executivo é o comandante supremo dessa força. 

Assista na TV Diálogos do Sul:

 

São as forças armadas, em geral, constituídas por três armas ou corporações, Exército, terrestre; Aeronáutica, para o espaço aéreo e espacial e Marinha para o espaço hídrico, fluvial e marítimo.

Países com tradição belicista utilizaram e ainda utilizam essas forças armadas para expandir território, conquistar novos espaços, sejam territoriais ou econômicos, com fim de expandir sua hegemonia com relação ao mundo exterior. O que muda aí é a abrangência na utilização da força, mas nada muda com relação à hierarquia dos três poderes.

É aspiração legítima dos povos: liberdade, independência, bem-estar e construção da paz. No marco dessa legitimidade travaram-se as lutas pela independência no século 19, as lutas de libertação nacional no século 20, estas não concluídas. 

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Hoje, as lutas são regidas pela contração Sul/Norte, um norte desenvolvido às custas do Sul e o Sul se organizando pela libertação, que significa, liberdade, independência e bem-estar. Esse bem-estar que só é possível em harmonia com a natureza.

O Brasil, em fins dos anos 1990, dentro dessa ideia de construção da paz, criou o Ministério da Defesa no lugar do que antes se chamava Ministério da Guerra. São dois conceitos diferentes. Guerra é sujeito ativo, guerrear, liquidar o inimigo. Defesa é diferente, é passivo, fica aqui e se tiver um inimigo que nos ameace a gente se defende. 

Defender o quê?

Defender a Nação e seu povo organizado como Estado. É por isso que a Constituição de 1988 diz que todas as instituições do Estado, no cumprimento de sua função precípua, devem ter como objetivo a defesa e o fortalecimento da Soberania Nacional. É muito importante que cada órgão da administração pública tenha transversalmente as questões da soberania e da cultura.

Não queremos guerra, mas queremos ter uma força de dissuasão para possíveis inimigos externos.

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No continente não temos inimigos. Ao contrário, todos almejam que Nossa América esteja integrada. Do outro lado desse lago chamado Atlântico, fazemos fronteira com a África, onde tampouco temos inimigos, e sim condições históricas para integração e esforço conjunto para sair do subdesenvolvimento. 

Nesse Sul global, geopolítico, não-físico, incluem-se os países asiáticos. Assim, para coordenar o desenvolvimento desse Sul global foi criado o Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Os oficiais das forças armadas estão mergulhados na lama até os gorgomilos. Querem limpar a barra? Querem se livrar da imundice? Voltem para os quartéis!

Exército Brasileiro
As forças armadas não é nenhum dos três poderes, é a guarda do Estado e da Nação.

Quem são nossos inimigos? 

O Brasil precisa parar para pensar o que ou quem verdadeiramente significa empecilho para o desenvolvimento. Quem são os responsáveis por um modelo de exclusão social e de submissão ao capital? Capital seria enteléquia não fosse movido pelos interesses hegemônicos expansionistas dos Estados Unidos. 

Nossos inimigos são aqueles que perturbam a construção da paz. Por isso, o lado bom da humanidade está sempre lutando pela paz. 

Não a paz dos cemitérios, mas a paz que se obtém dando “a cada um de acordo com sua necessidade” e onde nenhum ser humano explore o outro numa relação de abissal desigualdade. 

A paz de criança dormindo que se obtém tão somente com soberania: soberania alimentar, sanitária, cultural, científica e jurídica. Soberania Nacional é isso.

Para promover a paz a ONU foi instituída no século XX após duas guerras mundiais e infinitas guerras intestinas, localizadas e guerras de libertação contra o colonialismo, o neocolonialismo e o imperialismo. 

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A principal finalidade da ONU é promover a paz e as demais instituições multilaterais no âmbito da ONU foram criadas para, através do diálogo e respeito mútuo, solucionar problemas que perturbam a paz. 

Para a questão da fome, foi criada a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef); a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a rganização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Onudi) e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). 

Foram criadas também instituições multilaterais para regular os tráfegos aéreo, marítimo e também o de ondas hertzianas. 

O mundo é multipolar e as instituições foram criadas para dar espaço à solução pacífica das controvérsias e de maneira colaborativa construir soluções para os grandes problemas que são comuns a todos.

Por que não funciona uma máquina tão bem pensada? 

Essa é a questão essencial que atravessa os séculos. Estados dominados por oligarquias que não contente com dominar um país querem dominar o mundo. É a fome por riquezas e poder que leva à guerra. 

É a união de todos os Estados, em torno dessas instituições, que poderá nos levar a isolar as potências que teimam em expandir uma hegemonia que já era, que não é verdadeira, posto que a milenar China já é a fábrica do mundo. Mas não é só a China, é o mundo que mudou e está a exigir outro ordenamento.

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Os Estados Unidos, perdidos diante desse novo mundo, resistem, permanecem em um passado cujas glórias são apagadas pelos horrores dos genocídios. Toda guerra é tragédia, principalmente as guerras de conquista.

O mundo multilateral não aceita mais colonialismo, imperialismo, guerras de conquista. Os que estão a promover essas guerras são os reais inimigos da humanidade. 

Cuba e Venezuela resistem e precisam de nossa solidariedade

O que o governo dos Estados Unidos está fazendo contra a Venezuela e contra Cuba, por exemplo, é o avesso de tudo o que se está construindo no mundo em busca da paz e do desenvolvimento. 

A prova disso, na última assembleia-geral da ONU, a unanimidade de países condenou os Estados Unidos por sua atitude belicista, a permanente violação aos direitos humanos ao manter 60 anos de bloqueio contra Cuba e, mais recentemente, também contra a Venezuela. 

Não são apenas os cubanos e os venezuelanos que estão sendo agredidos naquilo que é mais sagrado para o ser humano: independência, liberdade, condições para construir seu próprio futuro de acordo com suas próprias ideias. É toda a humanidade que está sendo violada, contrariada. São violações a todas as instituições que se estão construindo através dos séculos de luta pela paz e o desenvolvimento.

Cuba hoje está sendo uma vez hostilizada pela grande potência. Impressiona tanta covardia. Maior potência bélica do planeta, com 300 milhões de habitantes, com dois a três milhões de homens armados, mais de 200 bases militares no mundo a sufocar uma ilha de pouco mais de dez milhões de habitantes que quer e tem todo o direito de se desenvolver em paz.

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Vinte milhões de dólares do império todos os anos para promover a subversão em Cuba. Dia 10 de julho o Biden colocou mais dois milhões para alimentar a fogueira das vaidades. É muito dinheiro, em qualquer lugar do mundo. E isso num momento em que todos os governos do mundo estão empenhados em combater a pandemia da Covid, em que urge cooperação solidária entre os Estados.  

Cuba, solidária, mandou médicos para o mundo a ajudar no enfrentamento à doença, e no esforço de vencer o vírus que já está em fase avançada de produção de cinco vacinas.

O certo seria os Estados Unidos colocarem os 20 milhões de dólares nas mãos de cientistas cubanos e também a comunidade internacional colaborar com recursos e gente de ciência para que essas vacinas, produzidas para o bem da humanidade, sejam distribuídas massiva e gratuitamente nos países mais pobres de todo o mundo, a começar pelo Haiti, destruído moral e fisicamente que está por obra de tropas de países belicistas.

País destruído fisicamente pelo terremoto e moralmente pelas tropas de ocupação. O Haiti não quer soldados, precisa de engenheiros, médicos, técnicos em todas as áreas do conhecimento humano para se reconstruir. 

Os generais brasileiros têm culpa, são responsáveis por esse caos no Haiti por terem atuado como comandantes das tropas de ocupação da ONU. Fizeram lá o mesmo estrago que estão fazendo aqui, fruto da incompetência e da incúria.

Votem aos quartéis para nos devolver a paz

Veja, toda essa digressão para deixar claro o quanto as forças armadas brasileiras se distanciaram das funções que lhes tocam constitucionalmente. Uma distorção que vem desde o Brasil Império dos Bragança, e isso estamos a demonstrar em série de artigos e diálogos na TV sobre a Questão Militar.

Só que hoje, como nunca antes, tomaram de assalto as instituições do Estado para enriquecer através do saque, do estupro à Constituição e das leis que a regulamentam, como verdadeiras tropas de ocupação a serviço do império do Norte, o verdadeiro inimigo da paz.

Os oficiais das forças armadas estão mergulhados na lama até os gorgomilos. 

Querem limpar a barra? Querem se livrar da imundice? 

Voltem para os quartéis. Façam o mea culpa, voltem para os quartéis e deixem que um governo provisório presida as próximas eleições. Podem até colocar alguns generais retirados para disputar o poder com os civis, mas em igualdade de condições. Sem as tramoias que fizeram em 2017 e 18. 

É o segundo fracasso retumbante dos militares como gestores do Estado. Dizer que a geração de generais de 1964 salvaram o país é só mais uma entre tantas mentiras. 

Alguns anos de desenvolvimento econômico se tornaram em nada com décadas de retrocesso. Retrocesso econômico, social e moral. 

Acumulando vergonha alheia ante o mundo. 

Manchetes por toda parte ridicularizando o papel dos militares num governo que assombra o mundo. Epicentro da Covid… meio milhão de mortos, podendo chegar a 800 mil até o final do ano. 

Obrigam os jornalistas a aprender uma nova escatologia diante das respostas a cada pergunta sobre as evidências de irresponsabilidade, de incúria, improbidade, peculato, roubo.

Sociedade acorda para frear as mazelas

A XP, maior das financeiras, preocupada com a situação, faz suas próprias pesquisas e tem grupo de especialistas para acompanhar o comportamento do mercado diariamente. Mercado para eles é o mercado financeiro. Nas pesquisas sobre como a sociedade avalia a gestão do governo, há uma evolução exponencial, do ótimo e bom para o péssimo.

Datafolha, Poder Data 360, dois outros pesquisadores que formam parte do establishment, considerando que nessas pesquisas de opinião 2% para cima ou para baixo é margem de erro, são todas coincidentes. 70% dos jovens sabem que ele é corrupto. O governo é péssimo. Tão ruim que a família Mesquita, proprietária do Estadão, em editorial de domingo (11), afirma que chegou a hora de derrubá-lo.

O Ministério Público aponta que a gestão do general Pazuello no Ministério da Saúde foi “gravemente ineficiente” e “dolosamente desleal (imoral e antiética)”. A CPI da Covid, por sua vez, está desnudando que, pará lá de péssimo, no que se refere à gestão da máquina governamental, principalmente na saúde, é ladrão. 

Ladrão já de per si é crime, crime de peculato, mas as sequelas do roubo é que são elas. Ao roubarem dinheiro do SUS para a compra de vacinas, ao pagarem vacinas que não foram entregues, ao não planejarem o combate à pandemia, cometem crimes contra a humanidade. 

Generais, coronéis e outros militares de alta graduação que ocupam o governo dão a impressão de que perderam completamente a compostura. Deslumbraram a tal ponto, com a possibilidade de ganhar tanto dinheiro fácil, que passaram para o desvario. Perderam o senso. Milhões que devem somar bilhões desviados para enriquecimento ilícito.

Como explicar a nota emitida pelo general ministro da Defesa, tentando incriminar o senador Omar Aziz, presidente da CPI? Junto com o general Braga Neto assinam também os comandantes do Alto Comando das forças armadas: general Paulo Sérgio Oliveira, do Exército, brigadeiro Carlos Almeida Batista da Aeronáutica e o almirante Almir Garnier Santos da Marinha. Uma nota incoerente própria de analfabetos funcionais -aqueles que não entendem o que leem. 

Tudo isso por ter o senador Omar Aziz, manifestado sua perplexidade com tanto descalabro na corporação. 

Segundo Aziz, Roberto Dias, que era diretor de logística do Ministério da Saúde, no dia 8 de julho entregou à CPI um dossiê que implica ainda mais os militares nas falcatruas aproveitando a crise sanitária. Estão cercados de sujeiras, quanto mais mexe mais aparece a imundice. 

Omar Aziz, Renan Calheiros, relator da CPI, Rodrigo Pacheco presidente do Senado, não estão se intimidando com as bravatas dos militares. Vamos ver até quando e se vão até às últimas consequências. Termina essa novela com um “répiende”, mandando esses caras de volta para o quartel e os que cometeram crimes para a cadeia.

Foi como se tivessem atiçado um ninho de vespas. 

O presidente vai a público e diz que sem urna eletrônica e apuração auditável não haverá eleição. Diz também que “caga” para a CPI do Senado. E ponto final. E continua presidente. 

Vambora… Vambora… encher as ruas para dar coragem para essa gente. Congresso e judiciário precisam se sentir apoiados pelas multidões e têm que cumprir com o dever de casa antes que eles, com as técnicas de engano o façam. O momento é crucial, ou eles, ou nós, ou os civis, ou os militares.

Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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