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Rumo ao terrorismo de Estado, Boluarte prepara a Gestapo peruana

Ao que tudo indica, primeiros a se somar a esta “polícia de segunda” serão os bandos paramilitares criados pela direita à sombra “da resistência
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

A expressão é cabal: Terrorismo de Estado. Só assim se pode aludir ao que está ocorrendo no Peru de hoje. Mas a história tem funestos e trágicos antecedentes. Vejamos.

As primeiras mostras do Terrorismo de Estado se perdem no tempo, mas no século XX podem-se localizar no regime fascista do Almirante Horty na Hungria de 1920; e na Bulgária, governada em 1923 pelo general Tzhankov. Não obstante, o dito teve conotação formal na Itália de Mussolini.

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O “Duce”, que assumiu o Governo em outubro de 1922, pressionando o rei com “a marcha sobre Roma”, utilizou esta terminologia como maneira de unir dois conceitos: Terrorismo e Estado. O episódio que o pôs em relevo teve lugar 20 meses mais tarde. Foi o assassinato do deputado socialista Giacomo Mateotti, em junho de 1924.

Este parlamentar, firme opositor do Fascismo, pronunciou na câmara uma apaixonada requisição contra Mussolini. Quando concluiu sua exposição, lhes disse àqueles que o felicitaram: “eu já fiz o discurso. Agora, cabe aos senhores preparar meu funeral”. Estava certo. 10 dias depois, foi sequestrado por um grupo de fascistas ao mundo de Américo Dumine, e depois… Seus restos foram encontrados 2 anos depois.

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Quando se produziu a foto, Mussolini negou teimosamente o delito, embora finalmente o admitiu. Para sustentar sua postura, e incapaz de explicá-la, recorreu a uma frase inescrutável: “razões de Estado”. Nunca disse o que ocultava, mas o fato ficou confirmado. O Estado tinha consumado uma ação terrorista para liberar-se de uma figura popular, mas que lhe era adversa. “Razões de Estado” impulsionaram esse ominoso assassinato. 

Daí em diante, todos os crimes do Regime Fascista tiveram essa obscura explicação: “Razões de Estado”. Foi o Estado Fascista Italiano o que introduziu o conceito e o ligou a uma prática perversa: Terrorismo de Estado.

Ao que tudo indica, primeiros a se somar a esta “polícia de segunda” serão os bandos paramilitares criados pela direita à sombra “da resistência

Foto: @JuanZapata108 via @WaykaPeru/Twitter
Polícia do Peru reprime jornalistas e cidadãos que se manifestavam pacificamente em frente ao Congresso da República, 26/07/2023

Em nossa pátria, as coisas não são sempre nítidas, nem se dirigem a alguém em particular. Projetam-se à população. Por isso o Estado, sob a administração de Dina Boluarte e Alberto Otárola, não só recebe agradecido e genuflexo o beneplácito da Casa Branca, mas também prepara uma ação fascista total. Ela se apresenta em algumas ideias básicas. 

Como as leis vigentes não lhe resultam suficientemente aplicáveis, busca interpretá-las. Na agenda que entregou ao Congresso, distorce o sentido das expressões. Assim, configura delitos que existem nos códigos, mas lhes outorga uma conotação destinada a intimidar o povo. É o caso de “resistência à autoridade”, em uma circunstância em que fazer uma “resistência” implica enfrentar a polícia e desacatá-la. A “resistência vai se converter em delito quando a população enfrentar a “autoridade”. 

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Igualmente sucede com “a perturbação da ordem pública”, que tem múltiplas motivações, mas que, no caso, aponta ao povo que “perturba a ordem”. Faz marchas nas ruas, por exemplo.

O mesmo acontece quando se fala de “injúria aos símbolos pátrios”. Colocar uma fita negra à bandeira tipifica o delito. Também mudar as cores, trocando as faixas vermelhas por negras em sinal de luta. Isso é “terrorismo agravado”.

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A isto se soma a Imprensa: exaltar as “vitoriosas ações policiais”. Elas se processam no marco de uma só ideia: A Guerra. Estamos em guerra contra a delinquência, o tráfico de drogas, o contrabando e o terrorismo. Em consequência, aqueles que caem dentro desse universo, culpados ou não, serão considerados terroristas ou criminosos de guerra. E sofrerão penas não menores de 15 anos. Seus adversários, lhes responderão no mesmo terreno. “Estamos em guerra, e em guerra atuaremos”

O pano de fundo é o mesmo, se busca preparar um bando terrorista ligado ao regime: a Polícia da Ordem e da Segurança. Pelo menos foi batizada. Pretende-se incorporar a ela pessoas que, apenas com seis meses de preparação, terão a possibilidade de usar armas, participar em ações ou até mesmo deter pessoas. Em outras palavras, outorgar ao Lumpen do Proletariado prerrogativas referentes à liberdade e à vida. 

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O sentido desta proposta se complementa com outros: devolver à polícia o Titular da Ação Penal. Isso implica converter a Parte Policial em prova. 

Assim se gestou a Gestapo nos anos de Hitler, e as SS também. Tudo indica que os primeiros a se somar esta “polícia de segunda” serão os bandos paramilitares criados pela direita à sombra “da resistência”. Também, sem dúvida, o Comando Rodrigo Franco e o Grupo Colina. Todos, que hoje gozam de impunidade, a terão definitivamente consagrada por antigos e novos delitos. Prontamente, Martha Moyano propôs já uma lei que declara “ações terroristas” os protestos contra Dina Boluarte.

A a propósito de delitos. Não se considera delito contratar venezuelanos pobres para fazê-los desfilar como Ashaninkas na Parada Militar de 29 de julho, plagiar Teses, falar os Ponchos Rojos ou enganar avessamente aqueles que estejam dispostos a comungar com rodas do moinho? 

Postas em ação estas maldades, se poderá afirmar o que é incontrovertível: Estamos frente ao Terrorismo de Estado. 

Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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