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Sanções, migração e petróleo: como relações com Venezuela impactam eleições nos EUA

Ações de política exterior que se articulam com a doméstica são um recurso habitual como tática para chamar atenção e ganhar alguns pontos nas pesquisas
Diego Sequera
Missão Verdade
Caracas

Tradução:

Logo após a chegada de Biden à Casa Branca, as relações entre a Venezuela e os Estados Unidos pareciam relegadas a uma letargia passivo-agressiva. Agora com o pano de fundo da grande desordem global, o que se pode inferir dos diferentes acontecimentos, ações e decisões na matéria, com sua respectiva extensão regional, que poderiam estar ganhando forma?

Uma enumeração tão caótica quanto o panorama talvez possa articular algumas ideias com algum sentido.

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1. Meio ambiente e ansiedade

Inflação e preço do combustível; desigualdade obscena e crescente; democratas declarando mobilização geral depois da sentença da Suprema Corte contra Roe vs. Wade (a lei federal que torna legal a interrupção da gravidez), (pelo menos parte dos) republicanos chamando às armas depois da busca do FBI no resort pessoal de Donald Trump na Flórida; todos contra Vladimir Putinsupremacismo branco MAGA, reacionário, retrógrado, a ditadura migratória, contra o privilégio branco, etc., tudo empacotado pelas supostas “guerras culturais” de ambos os lados onde tudo se torna existencial, e vem à luz como um aparente combate entre o bem e o mal, segundo o lado que se escolha.

A metáfora habitual é comparar a campanha eleitoral a uma corrida de cavalos, em todos os ciclos eleitorais deste tipo, mas neste caso, como diria um comentarista, uma que “se parece mais com uma corrida fabricada em que cada cavalo está em betametasona e a corrida está em sua quarta bilionésima volta”.

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Segundo o monitor AdImpact, neste ciclo de campanha até final de setembro ambos os lados gastaram 6.4 bilhões de dólares em publicidade para todos os postos em todos os níveis da disputa (governos, congresso, senado e locais) em televisão, rádio e chamadas digitais. Calcula-se que no dia das eleições, em novembro, a cifra chegará a 9.7 bilhões, superando as jornadas eleitorais de 2018 (também de meio mandato) e 2020 (presidenciais).

Este ambiente sobrecarregado, saturado de spots políticos em torno de um número específico de tópicos, já diz muitas coisas sobre a urgência e a necessidade de manter um estado de tensão e atenção, voltando a instalar-se a etiqueta de “as eleições mais importantes de nossas vidas”.

Esse ambiente de aparente mobilização extrema, onde se pretende caracterizar o caráter decisivo da jornada do voto de 8 de novembro, obedece muito pouco às necessidades ou problemas que afligem o votante médio, independentemente da eleição e do estado em que viva.

O caldo de cultivo narrativo habilita a possibilidade de que os atores políticos empreguem um sem número de elementos performáticos que chamem a atenção nas ondas televisivas ou os bits em redes sociais para pôr supostos pontos sobre supostos is.

Um exemplo: enviar voos ou ônibus repletos de migrantes latinos de estados receptores (Flórida, Texas) ao coração emblemático de estados democratas como um carregamento de venezuelanos da Flórida à ilha de Martha’s Vineyard, em Massachussets, para transformá-los em manifesto político e ao mesmo tempo demonstrar uma mão dura e resoluta para enfrentar o problema. Tal como fez o governador e aspirante à reeleição na Flórida, Ron De Santis.

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Ações de política exterior que se articulam com a doméstica são um recurso habitual (Pelosi em Taiwan), como tática para chamar a atenção e ganhar alguns pontos nas pesquisas. Nestas eleições, fica claro, o caso da migração venezuelana está desempenhando um papel destacado, e o custo em prejuízo a vidas migrantes é irrelevante se o efeito político for eficaz.

Mas, como também é possível demonstrar, todos estes subtemas no espectro do exacerbamento das “guerras culturais” (que têm uma base real na população) são apenas um pretexto para outros interesses.

Toda análise mais ou menos sóbria que acompanhe a realidade eleitoral indica que o principal tema, que atravessa estados, identidades políticas e geográficas de forma generalizada são os temas relativos ao bolso (pocketbook issues): salário, estabilidade econômica e, sobretudo, a ameaça no horizonte de uma recessão econômica.

Visto assim, toda magnificação que reproduz limites ideológicos fora de elementos materiais específicos é, precisamente, mecanismo de distração daquilo que na realidade mantém as pessoas na expectativa.

O descomunal aparato de showbusiness eleitoreiro, além de ser em si mesmo um manométrico mecanismo de economia circular é tudo menos a oportunidade na vida de eleger aqueles que atendam às necessidades e urgências de uma população bastante golpeada pelas distintas crises sucessórias.

E o que se faça e deixe de fazer com relação à Venezuela (em especial sobre sua questão migratória nos Estados Unidos), ganhou nestas últimas semanas uma importância especial, em umas eleições onde além do ruído espera-se que sejam os republicanos que ganhem na maioria das frentes, apesar de que a manobra de De Santis não teve o impacto desejado com, precisamente, o voto venezuelano do sul da Flórida.

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Missão Verdade
Enfoque em trocas e diálogos políticos têm a ver com a pressão que impõe o aumento dos preços na energia




2. O pragmático e o urgente

Para a administração Biden nem tudo é eleitoral, embora não deixe de ser uma urgência para os democratas no governo que controlam ambas as câmaras legislativas além do executivo. Apesar da etiqueta das “eleições mais importantes do universo”, dificilmente o que se faça nestas últimas semanas conseguirá mudar o foco da atenção do eleitorado, porque o foco permanecerá sobre os temas econômicos e o resultado é previsível.

De modo que nesse cálculo prático o assunto vai além das eleições de 8 de novembro; nesses termos são as presidenciais as que marcam a pauta, e o preço do combustível é um dos itens principais para assegurar – caso se perca território agora em novembro – a possibilidade de continuidade na Casa Branca.

É aqui que voltam a aparecer com mais ênfase os diálogos com a Venezuela e suas variáveis.

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Em 7 de março, o presidente Nicolás Maduro em ato público anunciou que houve uma reunião entre seu governo e uma comissão de alto nível enviada pela Casa Branca. No mesmo dia, em conferência de imprensa, a então porta-voz do executivo em Washington, Jen Psaki, confirmou o fato.

Psaki admitiu que a reunião abordou o tema energético, mas foi mais enfática em dizer que seu propósito se concentrava em assegurar “o bem estar” dos cidadãos estadunidenses detidos na Venezuela. Informou que foi tratada toda “uma gama de temas” que transitam “por distintos canais”. Depois desta visita, sem dúvida como demonstração de boa fé, foram libertados Gustavo Cárdenas e Jorge Alberto Fernández.

No dia 10 do mesmo mês, em outra conferência com os meios de comunicação, enfatizou os dois pontos antes mencionados, recomendando aos jornalistas não concentrarem-se nas conversações, com tantos temas sobre a palestra. Ajam normalmente, disse.

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Em maio, houve outros sinais. Tornou-se público que existiram novos contatos de alto nível, também com a oposição. Onde já se prefigura um alívio incipiente no regime de medidas coercitivas unilaterais. AFP outorga um (consolador) papel a Guaidó nesta solicitação, mas nenhum outro meio de comunicação confirma.

Nesse quadro, em 17 de maio, aparecem em redes simultaneamente Jorge Rodríguez e Gerardo Blyde anunciando a retomada do diálogo político. O Washington Post afirma que o propósito central da visita é restabelecer o diálogo, congelado desde outubro de 2021.

Mas deixa entrever, sem querer querendo, outro dado: a administração Biden busca tirar vantagem de “uma janela de oportunidade que se fecha” na região às vésperas das eleições de meio mandato de novembro, antecipando-se tanto a uma possível vitória dos republicanos como à virada política para a esquerda na região (casos de Colômbia e Brasil) deixando os Estados Unidos com “menos aliados” no hemisfério.

Em junho ocorrem dois movimentos públicos. Em 9 de junho as petroleiras ENI (Itália) e Repsol (Espanha) são autorizadas a retomar minimamente os compromissos operacionais. As exportações serão utilizadas para reduzir a dívida da Venezuela com ambas.

O segundo movimento, mais sensível, ocorre no final do mês, dia 28, quando Caracas recebe James Story, embaixador virtual vindo de Bogotá e péssimo streamer, e Ben Carstens, enviado da Casa Branca para assuntos de reféns, dando sequência ao “bem estar” dos detidos. O Departamento de Estado jura por sua mãe que nada disso tem a ver com petróleo.

É um fato estabelecido que Carstens, Story e o funcionário de alto nível do Conselho de Segurança Nacional Juan González, encabeçaram as delegações desde março.

Em setembro, entre 15 e 16, Brian Nichols, secretário de estado adjunto e consequentemente o diplomata de mais alto nível do Departamento, vocifera diante do Comitê de Relações Exteriores do Senado que a paciência de Washington “não é infinita”, e que as sanções podem voltar.

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No dia seguinte foi publicado o tendencioso informe da Missão Independente de Verificação da ONU (uma para-comissão sem competências) enfatizando “a crise” em todas as suas dimensões, segundo o gosto do “ocidente coletivo”, turvando as águas e confundindo a situação, o que é respaldado também abertamente pelo próprio Nichols.

Em setembro não houve cenoura para a Venezuela, só garrote.

Commando outubro, executa-se a troca de detidos entre Caracas e Washington, surpreendendo a muitos, ao mesmo tempo em que se oficializa o reinício progressivo de operações da Chevron na Venezuela.

O Wall Street Journal (WSJ) indica que também serão liberados recursos financeiros retidos em bancos estadunidenses para a importação de alimentos, medicamentos, além de equipamentos para manutenção do sistema elétrico e bombeio de água.

Alí Moshiri, ex-gerente de alto nível da Chevron que supervisionou operações na Venezuela, disse que os 450 mil barris diários que hoje em dia a empresa exporta, em poucos meses poderiam dobrar e em um prazo de dois anos alcançar os 1.5 milhões.

Mas todos os consultados para a nota admitem que esses movimentos têm muito peso, e o enfoque em trocas e diálogos políticos têm a ver com a pressão que impõe o aumento dos preços na energia, as restrições de fornecimento no mercado global, e que o relaxamento “permitiria que múltiplos recursos nos ajudariam a diminuir os preços da energia”. E onde fala o dinheiro, não falam tão alto os direitos humanos.

Com relação ao regime de sanções ilegais dos Estados Unidos e suas atenuações, a palavra chave em todo este processo, empregada por vários porta-vozes, foi “recalibrar”. O último foi o próprio Antony Blinken em 12 de outubro último, condicionando ao “progresso” no diálogo político e aos “passos construtivos do regime”.

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Mas a urgência de avançar com maior velocidade é inegável. Ainda mais às vésperas da possível decisão da OPEP+ de instaurar um novo teto em sua produção, promovido pela Rússia e respaldado pela Arábia Saudita. Algo que, entre outras coisas, responde à tentativa do G7 de fixar o preço de aquisição de petróleo.

“Diferentemente da história energética passada, os Estados Unidos não têm nem um aliado dentro do grupo da OPEP+”, escreveu em 11 de outubro o experiente escritor e diplomata indu M.K. Bhadrakumar.

Esta sequência, vista em conjunto, confirma que os intercâmbios entre o governo do presidente Maduro e a administração Biden foram muito mais dinâmicos. O ritmo exposto se explica, como não, pelo contraste que nestas situações se estabelece entre informação aberta e fechada.

E a falta de filtrações, sobretudo do lado gringo, fala talvez da seriedade de cumprir, mas mais ainda da urgência geopolítica.

Mas algo mais também parece destilar-se: além do valor político dos elementos de “primeiro plano” como a troca de presos, a necessidade aparente de eleições e diálogo político em si mesmos, fica mais claro que esses dois elementos são coberturas políticas para o problema quase existencial que aflige os Estados Unidos, posto que a Venezuela, que sem dúvida se beneficiaria, paradoxalmente está em melhores condições de esperar e jogar com os tempos e ritmos políticos.

Os matizes recorrentes neste balanço, começando por Psaki e terminando em Blinken, com o benefício da retrospectiva, vêem-se mais frágeis. Como se pôde ver, além da situação venezuelana, aqui operam a urgência energética e as próprias eleições de meio mandato nesse sentido. Trata-se dos Estados Unidos, não da Venezuela.


3. Reordenando o panorama com o que se tem: acompanhem-me para ver esta triste hipótese

Assim como na Venezuela testemunha-se um crescendo nos ritmos em matéria de modificações e ajustes, também poderia ver-se algo similar na região, sem que isto signifique que alguns leitmotivs não persistam.

Durante todo 2021, e inclusive parte de 2022, foi bastante errática a aproximação hemisférica dos Estados Unidos com a região, onde nem por isso possam excluir-se sinais notáveis. Como pano de fundo, parece que de novo o prático (pragmático?) em termos políticos parece prevalecer sobre a urgência de afirmar os elementos excepcionalistas, favorecendo os relativos à sobrevivência, para a administração Biden.

Em primeiro lugar temos a espécie de exclusão aparente de alguns funcionários e/ou paladinos proconsulares da era Trump, em um momento em que tantos deles (Iván Duque, Jair Bolsonaro?) ou se enfileiraram ou parecem postar-se rumo à porta de saída, reduzindo ainda mais a lista de incondicionais, bastante marcados e permeados por seus vínculos com a administração Trump.

Particularmente dois deles. O primeiro é o ex diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional, ex-assessor do Departamento do Tesouro (particularmente em matéria de “sanções”) e recém defenestrado do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e mayamer estrutural, Mauricio Claver-Carone.

Despedido pela junta de governadores do BID no final de setembro, Claver-Carone é acusado de ter mantido uma relação extramarital privilegiada com uma subalterna, decidindo aumentar o salário de sua staffer sentimental em 45%, segundo demonstra uma investigação da comissão ética do banco que, segundo a Reuters, começou em abril, deixando-o por fora, como guayabera Alpha-66 de Little Havana.

O outro que está sendo investigado por uma situação mais ou menos similar é, nada mais nada menos, que Luis Almagro, secretário geral da OEA e de longe o político multilateral mais ativista de todas as causas anti-americanas dos últimos tempos.

Apesar de que no encerramento destas linhas (14 de outubro), Almagro não foi destituído de seu cargo, neste caso uma exclusiva de AP (assinada pelo sempre “diligente” Joshua Goodman) publicada em 7 de outubro, expõe um detalhado “segredo de polichinelo” que já vinha há tempos vindo à tona e amadurecendo nos corredores da sede em Washington.

O affair entre Almagro e a diplomata mexicana Marian Vidaurri, que ostentava em seu perfil de LinkedIn ser “assessora principal” do escritório do secretário geral não apenas foi confirmado como um “romance duradouro e um segredo aberto por alguns de seus 600 empregados”, pelo próprio livro de memórias de Almagro publicado em 2020 e corroborado, ainda, por fotografias que a jornalista Anya Parampil publicou no site The Grayzone, onde a proximidade açucarada é registrada no aeroporto de Barajas, em Madri, e em um voo, durante uma viagem do secretário geral em 2019.

Para maior gáudio de quem quer ver cair Almagro, as revelações foram feitas na muito inconsequente assembleia geral da OEA em Lima, no dia 7 de outubro.

Dificilmente estas duas “revelações” de romances trabalhistas e tráfico de influência sentimental sejam uma prática isolada de ambos; obedecem antes a uma decisão consciente de “filtrar” seus casos, por meio de agências de alta circulação. Algo que corresponde mais a uma decisão de política suja para livrar-se de dois soldados de Trump remanescentes no sistema pan-americano. Uma purga com schadenfreude.

Mas isto deve ser contraposto à recente viagem de Tony Blinken no início deste mês de outubro pela América do Sul, limitando-se a três países com perfis progressistas, todos na costa do Pacífico no continente: Chile, Colômbia e Peru.

A exclusão do Brasil parece explicar-se por si só dado o contexto eleitoral, mas sem dúvida com um Lula no Planalto teria sido uma parada obrigatória, e mais pela “sintonia” progressistóide do que pelo reconhecimento do peso específico do país subcontinental na região.

De qualquer forma, uma análise das três visitas, Colômbia em 3 e 4 de outubro, Chile no dia 5 e Peru em 6 e 7, com encerramento na assembleia da OEA, mostra uma linguagem ideológica particular. Uma viagem mais convencional teria incorporado países mais tradicionalmente na órbita, como Paraguai, mas o interesse estava no “eixo progressista” e na fachada do Pacífico (os Estados Unidos sabem que seu melhor aliado na região é o flatulento presidente chileno).

E apesar de que nos três casos existiram variações sobre os temas de interesse, como verificar a disposição do novo governo colombiano, visita a Lima como anfitriã da OEA e Chile pelas afinidades comerciais (o turbo-ALCA bilateral em marcha desde os tempos de Bachelet) os temas comuns aos três foram a migração venezuelana e os direitos humanos.

Superficial e insípido, como o próprio Blinken, é esse o tema de fundo que brilha nesse primeiro movimento de aparente ativação da nova aproximação hemisférica dos Estados Unidos, uma vez que parecia tornar-se difícil ocultar atrás do confetti discursivo que o tema de fundo é, e continua sendo, a Venezuela.


4. A volta do Smart Power?

Até agora, esta revisão parece ir esclarecendo que Washington põe ordem em sua aproximação com a região. A própria pressa da situação global levou-o a despertar do estranho estado de dorme e acorda em que se encontrava com relação aos pontos cruciais da América Latina.

Em toda a região, incluindo a América Central e o Caribe, o esquema de interação ainda continuava marcado pela marca e os métodos (algo naturalmente vencidos) da administração Trump, com sua atuação frontal, gangsteril e da lógica primitiva de quintal.

Um a um, foram se estabelecendo nem tão sonoras reformas mas que, ao ligar-se os pontos, falam desse “recalibrar” e da exclusão de obstáculos do passado. Sob esta luz, o rapprochement com o presumido eixo progressista (com a exceção da infeliz Argentina) parece varrer e deixar debaixo do tapete qualquer vestígio do Grupo de Lima.

Parece, também, que um cômputo distinto está se estabelecendo no jogo entre as necessidades hemisféricas e a política doméstica, daí que gradualmente vão ficando fora da foto atores já estilísticamente esgotados como Almagro ou Claver Carone. Mas isto suscita uma incógnita sonora: será Juan Guaidó o próximo a desaparecer?

Em 2012, há dez anos e quando se encontrava em seu ponto máximo de glória, Hillary Clinton, naquele momento secretária de Estado da administração Obama, publicou um artigo no The New Stateman com o título “A arte do smart power”, onde repassava os desafios do momento e sua maneira de abordá-los.

Afirmava a Clinton que “a nova geometria do poder global está passando a ser mais distribuída e mais difusa inclusive quando os desafios que enfrentamos tornam-se mais complexos e transversais”. O que significava que “construir coalizões de ação comum” também estão se tornando “mais complicadas e mais cruciais”.

Para tanto delineava o tipo de relação com vários lados, com variáveis a favor, mas também adversas em sua relação com a China como exemplo de que, apesar de tanta mudança, mantinham-se duas constantes. Em um mundo mais “interconectado e interdependente” tornava-se necessário uma ordem internacional mais “aberta, justa e sustentável” para promover a “paz global e a prosperidade”.

E o segundo, “que essa ordem depende da liderança econômica, militar e diplomática” dos Estados Unidos, que a “respaldou e garantiu por décadas”. Nesta nova complexidade, “já não basta ser forte. Os grandes poderes também têm que ser hábeis e persuasivos”.

Deste olhar aparentemente multidimensional onde se multiplicam rizomaticamente garrotes e cenouras, sobra pouco espaço para o tropeço histórico e o interinato representado por Juan Guaidó, a criatura menos persuasiva da história do continente.

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O império, apesar da deriva demencial e senil de Biden, tornou-se interseccional. E o interseccional, em termos de governabilidade se esmaece com a lógica corporativa do momento, o princípio ESG, de environmental (ambiental), social e governance (governança), e com sua prima irmã conceitual, o DEI: diversity, equity, inclusion.

Visto assim, é mais digerível Boric que Piñera, Lula que Bolsonaro. É, em consequência, mais rentável canalizar os esforços de mudança de regime na Venezuela, sob este guarda-chuva tópico, pela senda da alternativa eleitoral, onde a ordem já foi dada (e onde importam os mecanismos de quintal).

E dentro desta dinâmica, apesar de ver-se obrigado a ceder terreno em matéria de sanções (o que são umas quantas concessões quando a OFAC em nível planetário passou de 912 a 9.421 entidades sancionadas em 20 anos?) mas assegurando um plano distanciado das torpezas unilateralistas de Pompeo e Bolton.

Além de que com essa simples variação creem que envolvê-la em um embrulho verde e cheio de culpa branca é suficiente para aplacar as ansiedades de uma juventude mais desvairada e estúpida, cujos movimentos sociais, conscientes ou não, operam como aliados da turbo-oligarquia emergente.

A arte de gerir complexidades de dona Hillary foi acompanhada pela destruição total da Líbia. Vão juntas. Uma delas é apenas um verniz.

De todos os expedientes ativos e arrastados desde a última aventura de mudança de regime da Venezuela, o último que ainda permanece com certo grau de exigência de reorganização é o migratório, e já estamos vendo como da bolha narrativa mas nem por isso menos infernal da passagem pelo Darién agora vamos para uma política de patrocinadores, ainda que ainda não esteja completo o quadro; e já estamos vendo como atendem o excedente que tenta cruzar a pé pelos estados fronteiriços da muralha imperial.

Acrescentemos a isto que os mecanismos de diálogo e participação eleitoral não são de seus elementos planos, e sim presentes envenenados onde, como em alguns casos, como nas mobilizações contra a Onapre (uma vez atingida a verdadeira classe trabalhadora que se mexeu e deixadas no osso as estruturas das ongs reforçadas).

O esforço se concentrará, de novo, nas estruturas da sociedade civil como via para canalizar o outsider necessário, com uma nova estratégia na mensagem que pretende apoiar-se na derrota eleitoral de Barinas como base política e moral.

Estamos presenciando o retorno ao centro da ação de aproximação indireta. Uma vez que fique claro que a atualização imperial na região, com seu reflexo interno nas próximas eleições (pão para o circo) seja superado, no qual a mesma política de intervenção e mudança de regime continue, e mais agora, que a multipolaridade espreita.

Diego Sequera | Missión Verdad
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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