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SP: médicos foram contratados em esquema suspeito de fraude em Hospital de Campanha

Áudio exclusivo indica como um empresário omitiu informação de médicos que trabalharam na linha de frente da Covid-19; MPT investiga denúncias
Julia Dolce
Agência Pública
São Paulo (SP)

Tradução:

Vital Passos Junior, um dos três sócios gerentes da empresa OGS Saúde, pede que alguns profissionais de saúde do Hospital de Campanha do Anhembi, na zona norte de São Paulo, se aproximem para ouvi-lo melhor. “Esse procedimento que vou explicar serve como uma facilidade para vocês não terem que se preocupar com nada do ponto de vista burocrático, administrativo, tributário e fiscal”, diz.

O registro em áudio foi feito por uma médica que atua no hospital criado temporariamente na cidade de São Paulo para atender pacientes com Covid-19, local administrado por duas organizações sociais, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), responsáveis por contratar, em março, a empresa de Passos Junior.

No mesmo áudio, o empresário e médico explica aos presentes que o modelo de contratação é colocar os profissionais no quadro societário da empresa, e que isso seria uma “exigência dos contratos” com as Organizações Sociais de Saúde (OSS).“É para que vocês possam receber o valor de vocês, o valor pelo trabalho de vocês, líquido, na conta de vocês, e isso já é absolutamente isento de qualquer tributação”, reforça.

A questão é que esse formato de contratação poderia indicar a chamada “intermediação de mão de obra”. Uma fraude, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT). O termo é utilizado para se referir às empresas de fachada criadas para beneficiar seus sócios com contratações que não respeitam as leis trabalhistas ou não se responsabilizam pelos contratados. Para o MPT, os médicos são empregados, não sócios.

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A reportagem apurou que essa “intermediação” da OGS Saúde pelo Iabas e pela SPDM incrementou o quadro societário da organização em cerca de 400 “novos sócios” nos primeiros meses da pandemia.

Para o MPT, o próprio fato de esses profissionais de saúde terem ingressado nessa sociedade para atender a uma demanda de trabalho temporário indica a tentativa de driblar encargos trabalhistas.

Segundo Victor Vilela Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), que também denunciou estes fatos ao MPT, a falta de direitos trabalhistas na contratação em hospitais de campanha deixa os profissionais da saúde sem respaldo jurídico em casos de adoecimento ou doenças ocupacionais.

Vários procedimentos abertos pelo MPT

O MPT de São Paulo tem quatro procedimentos abertos para investigar esse suposto esquema de contração nos hospitais de campanha da cidade. O Simesp pede o reconhecimento do vínculo empregatício dos médicos.

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Apesar de a reforma trabalhista ter legalizado a terceirização de atividades-fim e o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido, em 2015, que a gestão de OSS em hospitais públicos não configura uma terceirização e que podem contratar outras empresas – o caso das chamadas “quarteirizações” –, tanto o Simesp quanto o MPT argumentam que a contratação não pode ser feita na informalidade. “Isso não quer dizer que a forma de vínculo de trabalho pode simplesmente ser chutada como está sendo agora. Ela não garante ao empregador que ele se exima de qualquer tipo de responsabilidade em relação aos seus empregados”, explica Dourado.

As quarteirizações chegaram a ser questionadas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das OSS, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em 2018. No relatório final da CPI, os deputados limitaram a quarteirização para no máximo 50% dos funcionários empregados pelas OSS. Em fevereiro deste ano, pouco antes da pandemia, a Alesp abriu uma nova CPI com foco nesses contratos de quarteirizações. “São contratos celebrados por essas entidades [OSS], muitas vezes à margem da lei, sem critérios claros, com bastante teor vago e pouca fiscalização”, afirmou, à época, o deputado relator, Edmir Chedid (DEM).

Com a informalidade das contratações, desde a inauguração do Hospital de Campanha do Anhembi médicos têm denunciado a falta de retaguarda trabalhista no caso de adoecimento por Covid-19.

Na última quinta-feira (16), a prefeitura anunciou que irá fechar uma das alas do hospital por falta de demanda. As OSS – caso do Iabas e da SPDM – e as empresas contratadas – caso da OGS Saúde – negam até mesmo ter conhecimento do número de profissionais que adoeceram ou vieram a óbito. “Guardada as devidas proporções, a forma de vínculo dos médicos tem sido apontada como a mais precária de todos os outros profissionais. E, analisando em termos de Brasil, frente à pandemia, também temos um dos números mais elevados de mortes entre profissionais de saúde”, afirma o presidente do Simesp.

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Áudio exclusivo indica como um empresário omitiu informação de médicos que trabalharam na linha de frente da Covid-19; MPT investiga denúncias

Fotos Públicas: José Cordeiro/SPTuris
Hospital de Campanha do Anhembi, implantado na zona norte de São Paulo

Largados à própria sorte

A médica Renata*, que trabalha no Hospital de Campanha do Anhembi, relata que é “cada um por si” lá dentro. “É muito grave, nunca teve testagem, não tem controle, medida de temperatura quando entramos, contato de suporte”, reclama.

Ela conta que, se o médico pegar Covid-19, fica à própria sorte. “Se tiver reserva financeira, se sustenta, tomara que por 15 dias apenas, e que não precise ficar entubado por 60 dias igual vários colegas já ficaram”, diz.

Afastar-se por conta própria foi a medida tomada pelo plantonista Iuri José Almeida da Silva, de 28 anos, que ficou duas semanas isolado do Hospital de Campanha do Anhembi ao apresentar sintomas como febre e perda do paladar. “Infelizmente, é algo que tem deixado de ser exceção para se tornar regra [falta de resguardo com profissionais doentes]. O médico é visto como um profissional autônomo, ele depende da força de trabalho dele para continuar recebendo. Não é o ideal, mas é o que tem acontecido. O tempo que eu fico sem trabalhar eu fico sem receber”, afirma.

Silva, que é residente em outro hospital, continuou recebendo a bolsa da residência enquanto estava doente. Outros profissionais, que vieram de outros estados para trabalhar temporariamente no hospital de campanha, não vivem a mesma situação.

Hospital Municipal de Campanha do Anhembi foi inaugurado em abril. Foto Edson Lopes Jr / Secom

Em um comunicado recebido pelos profissionais médicos durante o chamamento inicial para preenchimento das vagas do Hospital de Campanha do Anhembi, havia o compromisso de que, se adoecessem, a “gestora irá dar todo o suporte, atendimento (sic) assim como avisará a familia (sic). Os plantões que assumiu serão cancelados. Tenho direito a algum seguro? Infelizmente não”, dizia o texto. Mas o problema é que nem a OGS Saúde, nem o Iabas se comprometeram com tais cuidados apresentados no documento.

Curiosamente, o chamado aos médicos foi enviado por outras duas empresas contratadas pela OGS Saúde – RD Med Online e Alphamed Tais –, o que se aproximaria de uma “quinteirização”. Ou seja, responsáveis unicamente por abrigar um grande número de contatos de médicos de todo o país, a RD Med Online e a Alphamed é que enviaram, em grupos de WhatsApp, o contrato de trabalho aos médicos interessados.

“A empresa tem os deveres de prestar assistência e a responsabilidade em caso de adoecimento”, afirma o procurador Rodrigo Castilho, coordenador da Procuradoria de Fraude Trabalhista do MPT-SP. O procurador explica que a empresa deveria pagar os 15 primeiros dias de afastamento dos profissionais e, depois, eles receberiam pelo INSS.

Dourado avalia que a principal ilegalidade com a contratação dos médicos como foi feita nos hospitais de campanha é não considerar seu vínculo empregatício. “Eles não são sócios, eles trabalham para essa empresa. Há uma relação hierárquica e subordinação muito clara. Isso é um vínculo de trabalho”, completa o presidente do Simesp.

O plantonista Eduardo*, que trabalhou no Hospital de Campanha do Anhembi, conta que os questionamentos sobre o que aconteceria em caso de adoecimento eram frequentes entre os médicos contratados, e as respostas, sempre evasivas. “No primeiro dia vimos que não haveria garantia nenhuma. Eu achei absurdo a contratação para ser nesse nível de precariedade, um vínculo tão absurdo, um descaso”, reclama.

Eduardo trabalha como médico cooperado e PJ (pessoa jurídica) na rede particular, mas aceitou atuar no Anhembi, ao ver o cancelamento de seus plantões e redução de escalas devido às alterações de fluxos com a pandemia. Trabalhou por pouco mais de dois meses no hospital de campanha em quatro plantões por semana. “Todo trabalhador está trabalhando com medo desse nível de insalubridade grande e do total descaso da parte sanitária e de seguridade para os médicos”, diz.

Subordinação e assédio

Exemplos de assédio sofridos pelos médicos são argumentos para a constatação da hierarquia, avalia o Simesp. É o que denuncia a plantonista Renata*, que trabalha no hospital desde a sua inauguração e afirma ter visto três outros médicos serem cortados das escalas de forma arbitrária “só porque reclamaram de alguma coisa”. As reclamações ao longo dos últimos três meses abordaram desde a falta de um ponto de hidratação para os médicos, de lanches para alimentação durante os longos plantões, de pontos de descanso, ou mesmo sobre falta de equipamento de proteção individual (EPI)

Já o plantonista Eduardo afirma que os assédios são velados e que vão munindo a autonomia dos plantonistas. “Quando começaram a faltar algumas medicações, alguns colegas reclamaram dizendo que continuariam prescrevendo, porque não caberia a eles parar de prescrever. Aí teve pressão para pararem de prescrever, sempre com a ameaça de sermos tirados da escala de plantões”, expõe.

As situações que tem vivenciado no Anhembi têm levado ao adoecimento mental do plantonista. “Há três meses que estou na luta, brigando e tentando trabalhar. Tudo isso com a família longe”, lamenta.

O procurador Rodrigo Castilho afirma que, diante do surgimento de empresas que fazem essa intermediação de mão de obra, o MPT tem atuado, evitando fraudes na legislação. Segundo o procurador, entre os requisitos para a contratação de empresas por OSS está a existência de um vínculo entre a empresa e os profissionais médicos. “Os profissionais têm que ser de fato empregados dessa empresa, não podem ser pessoas inseridas na sociedade especificamente para trabalhar nas OSS. Em uma sociedade, você precisa ter uma união de pessoas visando o fim comum, e ao final, uma divisão dos lucros e dividendos”, define.

O Ministério Público do Trabalho classificou o regime de contratação dos médicos Hospital de Campanha do Anhembi como fraudulento. Foto Marcel Casal Jr / Agência Brasil

Em resposta à Agência Pública, o Grupo OGS Saúde alegou que todos os médicos contratados permanecem no quadro de sócios, participando de todos os contratos em vigência celebrados pelos CNPJs da empresa. “Nenhum dos sócios ingressou apenas em função do contrato relativo ao Hospital de Campanha do Anhembi ou, mais precisamente, em função do combate à Covid-19”, afirma a empresa, contrariando os relatos de médicos ouvidos pela reportagem e falas do próprio sócio.

A empresa alega que ofereceu a possibilidade de os médicos continuarem integrando seu quadro societário para oportunidades futuras, mas alguns médicos que deixaram de atuar no Anhembi não sabem se ainda estão ou não vinculados à empresa.

Eduardo é um deles. O médico afirma já ter solicitado a retirada inúmeras vezes, mas sem obter respostas. A OGS Saúde informou à reportagem que o quadro societário da empresa é atualizado mensalmente, mas que a Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), responsável pela inclusão e retirada de sócios, tem atuado com expediente reduzido durante a pandemia, o que atrasou os procedimentos.

O fio das contradições

Vital Passos Junior fundou a OGS Saúde com dois colegas médicos, Guilherme Hideo Sakemi e Kauê Serdeira, em 2017.

A empresa, que possui múltiplos CNPJs e diferentes nomes fantasias, existe com o único pretexto de quarteirizar a contratação de médicos. Um desses CNPJs foi contratado pelo Iabas e outro pela SPDM para atuar na contratação de profissionais do Anhembi. Tanto as contratações das OSS como as das empresas foram feitas sem licitação, como prevê a lei emergencial da pandemia.

O áudio do início com a voz de Passos Júnior obtido pela Pública ocorreu após o primeiro plantão do Hospital de Campanha do Anhembi, em 11 de abril. A fala foi encerrada com a afirmação no mínimo contraditória de que quem não concordasse em entrar no quadro societário deveria avisar rapidamente para ser cortado da escala – “porque não existe outra maneira legal de eu pagar vocês sem que haja problema”. Mas, procurada, o Iabas negou qualquer exigência de contratação nesse formato, o que contradiz a explicação de Passos Júnior.

O plantonista Eduardo afirma que, inicialmente, a única informação dada sobre o formato de contratação dos médicos foi que ela seria feita por “prestação de serviço”. O primeiro contrato enviado para os plantonistas não informava sobre a necessidade de ingresso no quadro societário da empresa. “Avisaram da sociedade quando estávamos lá para o plantão do primeiro dia, com as escalas já feitas”, lembra.

Ainda na reunião de abertura, os médicos plantonistas receberam um contrato por procuração no nome de um dos sócios da empresa. Passos Júnior explicou mais de uma vez que, como pagamento dos plantões, os médicos contratados receberiam o equivalente aos dividendos da empresa, ou seja, os lucros.

Mas o que o empresário chama de dividendo pode ser caracterizado como pró-labore em uma sociedade limitada: um valor pago aos profissionais societários que trabalham, e não apenas investem na empresa. Desse valor, legalmente são retidos pela própria empresa impostos como o INSS e o Imposto de Renda (IR).

Além desse valor, qualquer sócio deve receber a divisão correspondente dos lucros, o dividendo.

Tanto no discurso do sócio quanto no contrato entregue aos médicos, não há nenhuma menção a essa diferenciação. Segundo o procurador Rodrigo Castilho, isso poderia ser considerado “uma simulação”, ou seja, uma comprovação de que a intenção do ingresso dos profissionais na sociedade, na verdade, teria apenas fins tributários. A OGS Saúde afirmou que todos os sócios recebem os dividendos corretamente.

A informação do valor total de remuneração dos pagamentos sem os descontos, assim como quais descontos foram feitos, é outro dever previsto em lei ignorado pelo Grupo OGS Saúde, segundo o MPT. Consultados, os médicos que falaram à reportagem não foram informados do valor bruto que receberam.

Já o ganho dos sócios majoritários da empresa, disponibilizado à reportagem pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), indica – por parte apenas do contrato do Iabas – o valor de R$ 28.921,76. A SPDM informou que seu contrato com a mesma empresa, além de ter sido uma coincidência motivada pelo preço na concorrência, não previu um valor especificado para os sócios. O TCM continua analisando os contratos feitos durante a pandemia.

Em nota, o Iabas assegurou que as empresas contratadas por ela para a contratação de profissionais são responsáveis pela gestão de “seus próprios recursos humanos” e que o instituto mantém relação “contratual formal e legal” com as prestadoras de serviços. Já a SPDM informou que em sua contratação a OGS Saúde assinou um termo de adesão ao Manual de Conformidade Administrativa e de Ética da organização.

Enfermeiros estão na mesma situação, denuncia sindicato

Os profissionais médicos não são os únicos que estão sendo acrescentados em quadros societários de empresas pequenas, durante a pandemia, para receber seus salários na linha de frente.

Cerca de 80 enfermeiros do Hospital de Campanha do Anhembi também foram contratados nesse mesmo modelo, de acordo com seu sindicato. A empresa Univitta Enfermagem e Serviços Ltda., aberta em 2019, foi a escolhida pelo Iabas para contratar enfermeiros como sócios durante a pandemia.

Foi a primeira vez que uma empresa em São Paulo fez a contratação de enfermeiros nesse formato, segundo a presidente do sindicato, Elaine Leoni. Ela explica que, uma vez que a categoria apresenta uma relação de subordinação muito mais clara do que a dos médicos, o sindicato não aceita nenhuma outra forma de contratação de enfermeiros além da CLT e do concurso público. “Terceirização, prestação de serviço por cooperativa, pejotização: o sindicato entende que não é possível, no caso da enfermagem, esse tipo de relação. Não há como dizer que não há vínculo empregatício”, afirma.

O Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo também denunciou a contratação, que considera fraudulenta, ao MPT. “Todas as vezes que fizemos denúncias ao MPT no passado, até então por contratações via cooperativas falsas, sempre conseguimos que a empresa acabasse registrando os trabalhadores como contratados por prazo indeterminado CLT”, diz a presidente do sindicato. Em nota, a Univitta afirmou que nenhuma das práticas questionadas pelo sindicato e pela reportagem existe na empresa, “tais como inclusão no quadro societário da empresa”.

Terceirização de médicos cresceu 10% nos últimos anos

O modelo de contratação de médicos por sociedade em hospitais públicos vem se ampliando desde 2017, principalmente em São Paulo. Na capital, além do hospital do Anhembi, a unidade emergencial do Ibirapuera seguiu o mesmo formato. Gerido pela OS Seconci-SP, o hospital contratou quatro empresas para fazer a contratação de médicos: Valoremed Serviços Médicos Ltda., Bueno Serviços Médicos Ltda., Prime Serviços Médicos Ltda. e Imed Group. As empresas se responsabilizaram por nenhum encargo trabalhista dos médicos contratados, ou pela sua saúde.

O professor Mário Scheffer, docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e especialista na relação entre público e privado na saúde, explica que a contratação de médicos por formatos informais, como a pejotização, não é novidade, e sim uma prática do mercado. A contratação mediante inclusão em participação societária, de acordo com o docente, apesar de ter sua legalidade questionada, tem sido disseminada.

“Não é a prática mais comum, mas é usual. Esse modelo, especialmente, tem riscos. O médico se torna sócio de uma empresa desconhecida, as implicações não ficam claras. Mas hoje há muitos jovens ingressando no mercado e se sujeitando a esses vínculos, contratos temporários sem retaguarda trabalhista, sem cláusulas de saúde ocupacional e direitos”, explica.

Uma das preocupações do sindicato dos médicos é que, a partir dos contratos firmados na pandemia, o modelo se expanda ainda mais. Além de firmar acordo com o Iabas no Hospital de Campanha do Anhembi, por exemplo, o Grupo OGS Saúde foi contratado para contratar médicos nos hospitais municipais de Brasilândia e da Bela Vista, com leitos recém-inaugurados sob gestão do Iabas. A OGS Saúde não respondeu à reportagem se os sócios-gerentes da empresa também receberam uma fatia do valor da contratação de médicos nesses outros hospitais.

A expansão de modelos indiretos de contratação de médicos no Sistema Único de Saúde (SUS) é mensurável. De acordo com dados apresentados pelo mandato da vereadora Juliana Cardoso (PT) e pelo Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), em julho de 2017 profissionais de saúde contratados por OSS parceiras representavam 56,1% do quadro de funcionários da saúde na cidade. Em maio de 2020, a relação já havia crescido para 66%: de 86 mil profissionais da saúde, 57 mil eram contratados por OSS. Em janeiro deste ano, de 825 equipamentos de saúde pública, 605 eram gerenciadas por OSS em São Paulo, número já desatualizado.

Durante a pandemia, foram repassados mais de R$ 82 milhões somente ao Iabas para investimento e custeio no Hospital de Campanha do Anhembi. A OSS já havia recebido, no primeiro quadrimestre de 2020, o equivalente a 11% dos repasses totais da pasta de Saúde do município. A SPDM, considerada maior organização social de saúde de São Paulo, recebeu 16,35% dos repasses, valor superior a R$ 319 milhões.

Objeto de diversas denúncias desde sua criação, o Iabas é considerado pela vereadora Juliana Cardoso, membro da Comissão de Saúde na Câmara Municipal de São Paulo, “disparadamente a OS com mais denúncias de relações precárias com os trabalhadores”. Ela havia sido escolhida para gerir sete hospitais de campanha no Rio de Janeiro, mas foi acusada de participar de esquemas de desvios de recursos federais destinados ao combate da Covid-19. O pagamento de R$ 836 milhões ao Iabas para a construção dos hospitais foi suspenso após atrasos que culminaram na inauguração de apenas dois hospitais de campanha. No dia 3 de junho, a OS foi afastada da administração dos hospitais já em funcionamento.

Procurada, a Secretaria Municipal da Saúde não respondeu à reportagem sobre a existência de um processo de fiscalização dos valores empregados nas quarteirizações ou sobre se os sócios-gerentes dessas empresas recebem quantias a cada contrato fechado.

Já a Secretaria de Estado da Saúde informou que a prestação de contas para convênios e contratos de gestão firmados pela Seconci-SP no Hospital de Campanha do Ibirapuera será feita após o término do convênio com a OS.

O sindicato dos médicos entende que o fenômeno das contratações precárias é consequência das expansões das OSS. “Elas optam por contratar empresas menores para gerir a contratação de médicos, para fazer o trabalho sujo. Assim evitam problemas judiciais, que ficam todos nessa empresa quarteirizada”, analisa Dourado.

O presidente do sindicato observa que a responsabilidade pela fiscalização do tipo de contrato estabelecido entre as OSS e as empresas quarteirizadas é da prefeitura. “Todos vão se eximindo, jogando a responsabilidade para frente, e isso fica muito longe de uma prestação de contas.”

*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.

Julia Dolce | Agência Pública


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Julia Dolce

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