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Foto: Sergey Bobylev / Sputnik

Tomada de Vuhledar é “grande triunfo para Rússia” e “séria derrota para Ucrânia”

Conquista de Vuhledar é a vitória tática mais importante em Donetsk desde fevereiro, quando a Rússia assumiu o controle de Avdiivka
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A Rússia conseguiu, nesta quarta-feira (2), tomar o controle de Vuhledar, disputado ponto estratégico onde as tropas ucranianas haviam se entrincheirado para bombardear com artilharia as ferrovias próximas que a logística russa utiliza nessa área. O feito do exército russo chega após intensos combates desde março de 2022, combinados com o cerco a esta pequena cidade no sudeste da região de Donetsk.

Quando foram divulgadas imagens da bandeira tricolor russa tremulando na sede da administração de Vuhledar — cidade mineradora que antes da guerra tinha 14 mil habitantes, quase todos evacuados, salvo 107 moradores que se negaram a abandonar suas casas semidestruídas —, chegou a confirmação oficial de uma notícia que era esperada a qualquer momento desde que os combates começaram a ser travados rua a rua, há alguns dias.

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Segundo o comando militar russo, a libertação de Vuhledar custou “inúmeras baixas ao inimigo em efetivos e armamento”; para a sua contraparte ucraniana, foi “autorizada a manobra de retirada das unidades com o objetivo de preservar o pessoal e o equipamento de combate para se posicionar para futuras ações”, enquanto as tropas russas “sofreram baixas incontáveis”.

O exército russo, que tem superioridade em efetivos e armamento, conseguiu com a conquista de Vuhledar sua vitória tática mais importante em Donetsk desde fevereiro passado, quando consolidou a tomada de Avdiivka, que, por sua vez, foi o sucesso mais notável desde o fim da batalha por Bakhmut, em maio de 2023.

A perda de Vuhledar para as tropas ucranianas, na opinião de especialistas, “não é uma catástrofe, embora possa ter consequências a longo prazo” (Yuri Fiodorov), nem vai gerar “mudanças significativas nas frentes de combate” (Kiril Mijailov), e, ainda que tardia, “foi o melhor que o comando ucraniano poderia fazer ante o risco iminente de que suas tropas fossem cercadas” (Nikolai Mitrojin).

Segundo outros analistas, “não fazia sentido se apegar à defesa de um bastião mais simbólico que necessário, levando em consideração as linhas fortificadas que existem ao norte de Vuhledar, e o mais importante é que conseguiram retirar suas unidades a tempo” (David Sharp).

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Todos concordam que a importância estratégica de Vuhledar, situada em um terreno elevado que permitia monitorar um vasto território, se devia ao fato de que dali se podia atacar com artilharia a ferrovia Donetsk-Volnovaja-Mariupol, usada pela Rússia para abastecer suas tropas em Zaporizhia.

Nesse sentido, aponta Roman Svitan, coronel aposentado do exército ucraniano, a perda de Vuhledar “é uma séria derrota para a Ucrânia”, porque agora o corredor terrestre até Zaporizhia e, de lá, para Kherson e Crimeia, só poderá ser alcançado com projéteis caros e pouco numerosos dos sistemas [americanos] Himars”.

O blogueiro militar Aleksandr Kots, que publica seus relatos no jornal russo Komsomolskaya Pravda, considera a tomada de Vuhledar um “grande triunfo”, porque, segundo ele, “era a última cidade da Ucrânia no sul de Donetsk, da qual dependia toda a defesa ucraniana dessa área”.

Discordando daqueles que exageram a importância de Vuhledar, o canal Rybar, próximo a um grupo da inteligência militar russa, mas crítico do Estado-Maior do exército, ironizou: “Acontece que Konstiantinovka, Dobropolie, Pokrovsk, Selidovo, Kurakhovo, assim como Kramatorsk e Sloviansk com seus subúrbios industriais, não são zonas fortificadas. Tomá-las é fácil!”.

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Tudo indica que o exército russo tratará de avançar para a fronteira entre Donetsk e Zaporizhia, defendida pelo bastião ucraniano de Velika Novosilka, estimam os estudiosos das frentes de combate, mas não acreditam que isso possa ocorrer antes do início, no máximo dentro de um mês, da chamada “rasputitsa” (o lodo que, nessa época do ano, é formado pelas chuvas ao se misturarem com a neve).

Embora a Rússia leve meses tentando libertar Kurakhovo, Selidovo e Pokrovsk, centrando seus ataques em Toretsk, Chasiv Yar e outros setores das respectivas frentes, os especialistas tampouco acreditam que em breve possa haver uma grande ofensiva russa contra a aglomeração urbana de Kramatorsk, Sloviansk e os arredores de ambas as cidades, devido ao fato de que teriam que avançar dezenas de quilômetros em terreno aberto, o que torna tanques, veículos blindados e outros veículos pesados alvos fáceis para a artilharia e drones.

2 anos da anexação de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia

Nesta segunda-feira (30), ao comemorar o segundo aniversário da anexação de quatro regiões da Ucrânia – Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia – o presidente da Rússia, Vladimir Putin, responsabilizou as elites do Ocidente por converter o país vizinho eslavo em “sua colônia, uma ponta da lança contra a Rússia”.

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Em uma mensagem gravada em ocasião da efeméride, Putin acusou os Estados Unidos e seus aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de “instigar a hostilidade contra tudo que é russo, enviar mercenários e assessores e preparar o exército ucraniano para uma nova guerra para lançar, como fez na primavera e no verão de 2014, uma operação punitiva no sudeste” daquele país.

Para o titular do Kremlin, “a evolução dos acontecimentos, quando vemos que o regime de Kiev fixou como objetivos não apenas o Donbass (Donetsk e Lugansk), mas também outras regiões da Rússia, demonstra plenamente a necessidade e validade da operação militar especial (OME), seu caráter genuinamente libertador”.

O líder russo, após agradecer aos seus compatriotas pela “coesão e espírito patriótico” que demonstram ao apoiar a campanha bélica na Ucrânia, concluiu: “a verdade está do nosso lado, cumpriremos todas as metas fixadas”.

Coincidindo com o aniversário, e como mais de dois anos e meio após intensos combates a Rússia ainda não controla a totalidade do território das quatro regiões anexadas e repelir as tropas ucranianas que se instalaram na região russa de Kursk em 6 de agosto, Putin ordenou ao Ministério das Finanças “atender todas as necessidades do exército em 2025”, segundo se lê no texto explicativo que acompanha o projeto de orçamento para os próximos três anos, entregue na última segunda-feira à Duma (Câmara dos Deputados Federal).

Por este motivo, o documento, que os legisladores começarão a revisar em primeira instância em 24 de outubro, ao invés de reduzir o gasto militar em 2025 como estava previsto, estabelece que voltará a aumentar, até alcançar um novo recorde na história pós-soviética da Rússia.

O Ministério das Finanças destina ao capítulo “Defesa Nacional” (logística e armamento, salários de oficiais e soldados, assim como apoio à indústria militar) 13,5 trilhões de rublos (o equivalente a R$ 750 bilhões), 6,3% do produto interno bruto russo.

O gasto militar e o destinado à Segurança Nacional – que inclui o Ministério do Interior, FSB (Serviço Federal de Segurança), Guarda Nacional, Comitê de Instrução, Procuradoria e outras agências de inteligência – alcança 41% do total do orçamento federal (7,9% do PIB) e, novamente, supera em 2,5 vezes o gasto social (3%), educação (0,7%) e saúde pública (0,9%).

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Mas a quantidade que será consumida pela campanha militar na Ucrânia não é conhecida com exatidão, já que a parte secreta do orçamento federal corresponde a 31,5%, aproximadamente o mesmo que o gasto militar.

Além disso, foi publicado também na segunda-feira, no portal de informação legal do governo russo, o decreto presidencial que busca incorporar ao exército russo 133 mil conscritos, entre 18 e 30 anos, convocados para cumprir o serviço militar obrigatório durante 12 meses. O documento libera dessa obrigação a quem já cumpriu esse prazo, salvo aqueles que queiram permanecer no exército mediante contrato.

A campanha de recrutamento de outono, a segunda deste ano, começou em 1º de outubro e termina em 31 de dezembro. A campanha da primavera, entre 1º de abril e 15 de julho, atingiu outros 150 mil russos.

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O contra-almirante Vladimir Tsiamliansky, diretor-geral de Mobilização no Estado-Maior do exército, prometeu que os novos conscritos não serão enviados para as zonas de combate na Ucrânia.

Apesar da promessa, as campanhas de recrutamento para o serviço militar obrigatório sempre geram inquietação na sociedade, pois muitos dos conscritos terão como destino as regiões fronteiriças da Rússia, que podem ser atacadas, como aconteceu em Kursk, ou bombardeadas, como as que se encontram no alcance operacional dos drones e mísseis ucranianos.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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