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Três anos após rompimento da barragem da Samarco, Vera segue à espera de um novo lar

Moradora da comunidade Gesteira, em Barra Longa (MG), relata depressão do marido e descaso da empresa
Júlia Rohden
Brasil de Fato

Tradução:

“No dia 5 de novembro [de 2015] eu estava preparando a casa para receber a família e os amigos para comemorar o aniversário do meu marido, do meu filho e o meu. Nós sempre comemoramos tudo junto”, lembra Vera Lúcia Aleixo Silva, moradora da comunidade Gesteira, no município de Barra Longa (MG), às margens do Rio Gualaxo do Norte. “Por volta das 17h40, ao invés das pessoas ligarem para dar os parabéns, ligavam dando a notícia que tinha estourado a barragem em Mariana”.

Nesta segunda-feira (5), completam três anos que Vera saiu da casa onde morou por 43 anos levando apenas a roupa que estava no corpo. Ela foi uma das atingidas pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro pertencente a empresa Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton. O bolo, a cerveja e o congelador cheio de carne para a comemoração dos aniversários foram deixados para trás – assim como os móveis, documentos, fotografias e lembranças. “Vem essa lama e destrói toda a nossa vida, os nossos sonhos, nosso sossego, a nossa saúde”, resume.

Moradora da comunidade Gesteira, em Barra Longa (MG), relata depressão do marido e descaso da empresa

Brasil de Fato
Vera Lúcia Silva viu sua casa ser destruída pela lama de rejeitos de minério de ferro da barragem da Samarco / Mídia Ninja

Ao longo dos mais de 640 quilômetros que a lama percorreu são constantes relatos de moradores com problemas respiratórios e descamação da pele, além do aumento de casos de depressão. Amadeu, o marido de Vera, ficou deprimido e seu filho, Júlio César, teve manchas no corpo diagnosticadas como estresse.

O casal vive agora no centro de Mariana em uma casa alugada pela Renova, empresa criada para atuar na compensação dos impactos do rompimento da barragem, formada por representantes da Samarco, Vale e BHP Billiton, e do poder público, estadual e federal, além de entidades ambientais. “A gente quer retornar para lá, porque não adianta ficar aqui em Mariana. Se nós ficarmos aqui, meu marido morre em pouco tempo”, diz Vera. Amadeu trabalhava na roça e não tem qualquer sensação de pertencimento à cidade. Ele sente falta do campo e da criação dos animais.

O casal viu seu lar sendo derrubada pela lama, do alto de um morro. Dali, precisaram caminhar cerca de duas horas pela mata até chegar a estrada que dá acesso à Mariana. Ficaram abrigados por 42 dias na casa da cunhada até que a Renova alugou a residência temporária.

“A minha casa foi criação minha, dos meus filhos e do meu marido. E essa não é igual. Estou em uma casa que não é minha, não me sinto em casa”, relata. Vera, Amadeu e os moradores de Gesteira aguardam o reassentamento prometido pela Renova. O prazo era final de 2017, mas a empresa alegou problemas na compra do terreno. Os atingidos seguem aguardando o reassentamento.

Negligência

A aposentada reclama do descaso. Segundo ela, a Renova realiza vários estudos, mas não toma atitudes práticas. “Passei minha infância, minha juventude, casei e criei meus filhos na comunidade. Lutei para construir minha casa e no dia 5 de novembro veio esse desastre. Pela forma que a empresa nos trata, dá impressão que nós somos culpados”, afirma.

Um inquérito da Polícia Federal, apresentado em 2016, apontou que houve negligência por parte da mineradora Samarco. De acordo com o documento, houveram falhas graves de manutenção da barragem e a empresa não tomou as providências necessárias diante de problemas detectados por consultores e informados desde 2014.

“Nós não somos animais, somos seres humanos! Se a empresa sabia que podia nos afetar, deviam ter nos preparado. Eles não podiam ter deixado a gente passar por tudo o que passou”, critica Vera.

Atingidos não reconhecidos

De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o rompimento da barragem de Fundão atingiu mais de um milhão de pessoas, mas a Renova estima realizar apenas 30 mil cadastros.

Vera Lúcia era funcionária da prefeitura de Barra Longa e também atendia os vizinhos em um salão de beleza dentro da própria casa. Os atingidos que perderam sua fonte de renda recebem um salário mínimo mensal por família, mais 20% para cada dependente. O marido de Vera, trabalhador rural, recebe o salário, mas ela não. “Perdi a renda do salão, mas a empresa não reconhece” aponta, calculando que seu lucro era cerca de R$ 300 por semana.

“Como [em Mariana] vou colocar gente estranha dentro da minha casa para escovar cabelo e fazer unha? Lá eu podia botar dentro da minha casa e até sair, porque todo mundo era conhecido. Aqui é só desconhecido”, ressalta.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Júlia Rohden

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