Donald Trump transformou a imigração em um eixo central de sua administração. Ao chegar à Casa Branca, assinou mais de 40 ordens executivas, seis delas focadas nesse tema. Seu discurso consolidou a ideia de que o deslocamento para os Estados Unidos representava uma “ameaça” à segurança nacional, reforçando a criminalização daqueles que cruzavam a fronteira.
Nesse contexto, o êxodo venezuelano foi explorado com fins políticos, tanto por Washington quanto por setores da oposição extremista da Venezuela. Essas facções promoveram discursos estigmatizantes com o objetivo de captar apoio dentro da Casa Branca e justificar medidas de maior pressão contra o país.
O relatório da organização Sures, publicado em 2021, documentou como essa narrativa se consolidou a partir de 2017, quando a ideia de um “fluxo massivo” começou a ocupar um lugar central na agenda midiática internacional.
Esse fenômeno não foi apenas impulsionado pelas sanções unilaterais, mas também pela política da administração Biden em relação ao Status de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês). A expectativa gerada por esse mecanismo incentivou muitos venezuelanos a atravessar a perigosa rota do Darién e chegar à fronteira sul dos Estados Unidos, acreditando que poderiam obter documentação com mais facilidade para permanecer legalmente no país.
O pano de fundo dessa realidade está diretamente ligado ao impacto das sanções econômicas ilegais impostas pelos Estados Unidos, que enfraqueceram a economia venezuelana e forçaram a migração.
Desde 2017, figuras como María Corina Machado, Julio Borges, Leopoldo López e David Smolansky não apenas promoveram essas decisões contra a Venezuela, mas também utilizaram o tema como uma plataforma para reforçar a ingerência estrangeira.
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Além disso, esses personagens desempenharam um papel central na construção de uma narrativa de estigmatização da migração venezuelana. Por meio de suas declarações, associaram os migrantes à criminalidade e à desestabilização regional, fornecendo insumos para as políticas de Washington e suas medidas extremas contra a população venezuelana no exterior.
As declarações desses dirigentes contribuíram para a percepção negativa em relação aos migrantes venezuelanos. Um exemplo disso ocorreu em 2017, quando Julio Borges vinculou o deslocamento de compatriotas ao crime organizado e ao terrorismo:
“Esse problema migratório, que já é um problema da região, vem acompanhado por outros problemas como o crime organizado, o militarismo, o paramilitarismo, o tráfico de drogas e até o terrorismo. De tal maneira que a Venezuela é hoje o foco da instabilidade e de tudo o que significa a degradação social, que pode ser uma doença contagiosa em toda a América Latina.”
Já em 2019, María Corina Machado projetou a presença de venezuelanos em outros países como um fator de risco:
“Para nossos vizinhos, o aumento da migração não representa apenas uma demanda insustentável por serviços básicos, mas também o risco de doenças não controladas e a infiltração de agentes do regime em ‘movimentos sociais’ que buscam provocar desestabilização.”
Essa estratégia mostrou-se eficaz para atrair a atenção de Washington, ao mesmo tempo em que serviu para legitimar políticas de perseguição e repressão contra os migrantes.
A construção e disseminação desse discurso, por um lado, justificou medidas restritivas em matéria migratória e, por outro, contribuiu para a discriminação e os abusos contra os venezuelanos em diferentes países da região.
Além do uso político, a gestão dos recursos destinados ao atendimento dos migrantes foi marcada pela falta de transparência e corrupção. No cargo de Comissionado da Organização dos Estados Americanos (OEA) para os Migrantes e Refugiados Venezuelanos, David Smolansky administrou fundos milionários sem mecanismos claros de prestação de contas, enquanto denúncias sobre o desvio da chamada “ajuda humanitária” se multiplicaram.
Como resultado, milhares de venezuelanos foram abandonados, expostos à precariedade, discriminação e violência.
Vale destacar que a agenda da administração Trump, nesse sentido, não surgiu do nada. Desde sua campanha, já havia sinais de como ele trataria a migração venezuelana. Uma análise do Axios sobre 109 discursos, debates e entrevistas de Trump entre 1º de setembro de 2023 e 2 de outubro de 2024 revelou que ele chamou os migrantes venezuelanos de “criminosos” em 70 ocasiões, enquanto, em comparação, usou o mesmo termo para se referir aos congoleses em apenas 29 ocasiões.

Esta quantificação reflete como a narrativa contra os venezuelanos foi incorporada à máquina política de Washington e alimentada por figuras como Machado e Borges, que, com seu discurso sistemático, pintaram a migração como uma ameaça para os Estados Unidos.
Este episódio é, em última instância, o produto mais acabado de sua militância política em agravo do gentílico venezuelano. Sem sua persistente campanha de criminalização, Trump dificilmente teria levado sua política migratória a tais extremos.
O testemunho da Time
O tratamento humilhante dos venezuelanos ficou evidente em 15 de março, quando os Estados Unidos deportaram 261 homens para El Salvador. Desses, 238 venezuelanos foram enviados diretamente para o Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), uma prisão de segurança máxima cuja brutalidade foi denunciada internacionalmente. Essa medida, além de expô-los a condições inumanas, evidencia a falta de garantias e o tratamento degradante que os migrantes venezuelanos enfrentam no contexto das políticas repressivas de deportação.

Não se trata de um episódio isolado, mas do desfecho de uma narrativa construída para que se encaixe na categoria predileta da Casa Branca: “ameaça”. Um conceito maleável, sempre disponível para justificar o que for necessário e, assim, impulsionar agendas de ingerência.
Em 21 de março de 2025, a revista Time publicou uma reportagem do jornalista Philip Holsinger sobre a chegada forçada de migrantes venezuelanos a El Salvador, deportados dos Estados Unidos sob acusações infundadas de pertencerem ao Trem de Aragua (TdA).
O artigo detalha como três aviões aterrissaram com 261 deportados, em sua maioria venezuelanos, considerados membros do TdA pela administração Trump e enviados sem o devido processo legal.
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Ao chegar, encontraram-se com um grande aparato militar e uma recepção caracterizada por tratamento violento e intimidador: “Não houve sangue, mas a violência tinha ritmo, como um teatro de terror”, descreveu o jornalista.
O testemunho do fotógrafo presente na operação relata a brutalidade com que os deportados foram tratados. Desde o desembarque, foram submetidos a golpes, empurrões e humilhações por parte dos guardas.
Um dos detidos, identificado como barbeiro, tentou explicar que não tinha vínculos com o crime organizado, mas sua súplica foi ignorada e respondida com agressões.
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A publicação também ressalta o impacto psicológico do procedimento: em poucas horas, os deportados passaram de chegar vestindo roupas de marca a serem raspados, despojados de seus pertences e confinados em celas em condições extremas. “Com minha câmera na mão, foi como se os visse se tornarem fantasmas”, afirmou Holsinger.
#CECOT | Los miembros de la organización criminal venezolana, Tren de Aragua, fueron trasladados al Centro de Confinamiento para el Terrorismo (CECOT), en el distrito de Tecoluca, departamento de San Vicente. Su reclusión será por un período de 1 año (renovable).… pic.twitter.com/BrMYVPT1ct
— Secretaría de Prensa de la Presidencia (@SecPrensaSV) March 16, 2025
A reportagem destaca que os prisioneiros são mantidos em celas com até 80 pessoas, sem acesso a visitas, livros ou contato com o exterior, em um regime de isolamento que os transforma em figuras esquecidas.
Além disso, expõe que essa transferência em massa faz parte de um acordo entre Washington e San Salvador, pelo qual o governo de Nayib Bukele recebe financiamento para abrigar os deportados: 6 milhões de dólares para mantê-los presos sem julgamento por um ano, o que equivale a aproximadamente 23 mil dólares por recluso.
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A revista apresenta uma imagem impactante e crua da política carcerária no país centro-americano e, em conjunto, a matéria enfatiza a violência, o medo e a desolação dos venezuelanos, sendo a operação uma clara demonstração do uso político da migração com um objetivo específico.
Esse fato expõe o duplo discurso da oposição extremista que, por um lado, promoveu sanções e bloqueios que aprofundam a crise migratória e, por outro, permaneceu em silêncio diante dos abusos cometidos contra seus compatriotas nos EUA.
Mais ainda, instrumentalizou essa situação para fortalecer sua influência em Washington e justificar medidas de maior pressão contra a Venezuela.
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Toda essa agenda se concretizou em um dos episódios mais graves da perseguição contra os venezuelanos no exterior: a detenção de pessoas no Cecot, um marco crítico na repressão contra migrantes venezuelanos.
Longe de condenar essa violação dos direitos humanos, María Corina Machado legitimou a medida e a apresentou como parte de uma estratégia coordenada com os Estados Unidos:
“Acho que esta é uma proposta muito poderosa formulada em conjunto pelo presidente de El Salvador e pelo secretário de Estado”.
Enquanto a oposição extremista continua utilizando a migração como ferramenta de negociação política com Washington, o governo venezuelano implementou iniciativas para a repatriação e reinserção de migrantes, numa tentativa de enfrentar os efeitos dessa situação.
Em suma, a narrativa de criminalização continua sendo um elemento crucial na agenda política daqueles que buscam fomentar e justificar uma intervenção estrangeira na Venezuela.