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Trump se compara a Mandela e Jesus enquanto fomenta ataques a juízes e suas famílias

Além de atrasar julgamentos por meio de diferentes manobras jurídicas, republicano usa processos como ferramenta de campanha e alega ser vítima de uma perseguição
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Donald Trump tem uma citação em um tribunal em Nova York na próxima semana, em que está programada para iniciar o primeiro dos quatro julgamentos criminais que enfrenta. Trump, o acusado, está usando politicamente seu julgamento para sua candidatura presidencial ao projetar-se como um herói popular perseguido, chegando ao extremo de comparar-se com Nelson Mandela e até Jesus Cristo.

Nunca vista na história dos Estados Unidos, um ex-presidente foi acusado de atividades criminosas, e talvez com só uma exceção (o socialista Eugene Debs, em 1920, que obteve uma de um milhão de votos estando preso por sua oposição à Primeira Guerra Mundial), um candidato fez campanha presidencial mesmo com cerca 80 acusações criminais. Assim, em um terreno sem precedentes, um dos dois principais candidatos presidenciais estará obrigado a sentar-se no banco dos réus em um tribunal durante a semana e sair só nos fins de semana para atos de campanha. Porém, Trump conseguiu fazer com que seus julgamentos se tornassem parte de sua campanha.

Trump tem atacado de maneira incessante os promotores, o juiz e sua família no julgamento criminal em Nova York, no qual está acusado de falsificar a procedência de pagamentos para encobrir um escândalo sexual com uma estrela do cinema pornográfico. Acusa, como nos outros casos, que o julgamento é parte de uma “caçada de bruxas política” por democratas, e inclusive atacou a filha do juiz, que trabalha em uma consultoria política que tem feito trabalho para políticos democratas, incluindo o atual presidente. Os ataques levaram o juiz Merchan a emitir uma proibição para que Trump continuasse fazendo declarações pessoais desse tipo diante do que o ex-mandatário e seus aliados denunciam como uma tentativa ilegal para suprimir sua liberdade de expressão.

Trump continuou com seus ataques e no último fim de semana desafiou o juiz Juan Merchan a encarcerá-lo para desafiar sua ordem, escrevendo que se o juiz “partidista” deseja pô-lo em uma cela, “por dizer a verdade, felizmente me tornarei um Nelson Mandela moderno – será minha grande honra”. Agregou que “temos que salvar o nosso país” destes “operativos políticos disfarçados de promotores e juízes, e estou disposto a sacrificar minha liberdade por essa nobre causa”. Pouco antes, circulou uma mensagem que alguém lhe enviou indicando que foi na Semana Santa, quando Jesus Cristo sofreu as consequências máximas de sua perseguição, que Trump estava enfrentando julgamentos.

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As incessantes manobras de um exército de advogados de Trump para tentar frear ou pelo menos postergar seus quatro julgamentos criminais – outros civis já prosseguiram – até depois da eleição nacional em princípios de novembro, funcionaram com a exceção de sua citação em Nova York, em 15 de abril, para o início de seu primeiro julgamento. Nesta segunda-feira (8), em uma última tentativa de frear o primeiro processo criminal com um ex-presidente, os advogados de Trump indicaram que estarão solicitando a um tribunal de apelações suspender o julgamento e avaliar queixas do acusado contra o juiz encarregado do processo, Juan Merchan. No entanto, poucas horas depois, uma juíza de apelações rejeitou sua petição.

Uso eleitoral

No entanto, Trump continua usando tudo isso para beneficiar sua campanha. Nesta segunda-feira (8) emitiu uma mensagem de sua campanha declarando que em uma semana seu julgamento “falso” iniciará e que o “querem na prisão”, solicitando contribuições: “lembrem-se, a única coisa que está entre a liberdade e a obliteração total de nosso país é o apoio de vocês… para nosso movimento patriótico”.

Embora talvez não alcance seu objetivo de postergar este primeiro julgamento criminal contra ele, teve êxito nos outros três, os quais haviam sido programados, mas Trump e seus aliados têm conseguido postergar de várias maneiras e agora se encontram no limbo.

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O julgamento federal sobre o papel do então presidente no assalto violento de seus seguidores contra o Capitólio, para descarrilar o processo eleitoral, está agora à espera de uma decisão da Suprema Corte sobre os argumentos de Trump de que gozava de imunidade porque era presidente.

O outro julgamento federal sobre seu uso ilegal de documentos oficiais classificados, incluindo alguns com informação secreta de segurança nacional, agora está em espera, depois de várias táticas dilatórias tanto dos advogados do acusado como pela juíza encarregada do caso – que foi nomeada a seu posto pelo então presidente Trump – e por ora se esperam maiores demoras.

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O julgamento estadual criminal na Geórgia por interferência eleitoral foi atrasado enquanto Trump buscava expulsar a promotora encarregada do caso, algo que finalmente não se logrou. Agora está à espera de uma apelação sobre essa decisão.

Portanto, há dúvidas de que estes julgamentos – todos anteriormente programados para iniciar neste ano – prosseguirão antes da eleição em novembro, justamente o objetivo de Trump. Além disso, se Trump ganhar a eleição, se espera que poderia se autoindultar nos casos federais (não tem autoridade para fazer isso no caso dos estaduais) com várias testemunhas potenciais.

Trumpismo ataca juízes e suas famílias

Os ataques contra aqueles que se atrevem a acusar ou julgar Trump foram nutridos pela candidatura presidencial. Trump, desde o início de sua campanha em fins de 2022, tem diretamente atacado juízes ou suas famílias pelo nome nas redes sociais, mais de 130 vezes, reporta o Washington Post. E esses ataques, às vezes incluindo fotos dos juízes e promotores e até suas famílias, detonaram ameaças de morte e atos de intimidação contra aqueles que têm se atrevido a submeter Trump à justiça.

Por exemplo, horas antes do fechamento do julgamento civil por fraude em princípios deste ano, alguém fez uma ameaça de bomba na casa do juiz encarregado deste caso. A juíza encarregada do julgamento criminal sobre interferência eleitoral e o assalto ao Capitólio foi vítima de uma chamada falsa que levou a polícia até sua casa. E antes disso, o promotor federal nesse caso também foi vítima de algo similar. Desde fins de 2020, quando Trump intensificou suas críticas ao poder judicial, sérias ameaças contra juízes federais mais que se duplicaram, chegando a 457 em 2023, segundo o Serviço de Oficiais Federais (agência encarregada da segurança dos juízes federais), reportou a Reuters. Desde a primeira campanha de Trump em 2015, o número médio de ameaças contra juízes, promotores federais, pessoal judicial e edifícios de tribunais quase triplicou.

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Isto tem sido sua tática há anos, e os casos são múltiplos, incluindo o de 2018, quando acusou o Juiz Gonzalo Curiel, responsável por um caso civil contra o republicano, de ser parcial por sua origem mexicana e ter um “conflito de interesse” pelas políticas anti-imigrantes do acusado. Curiel nasceu em Indiana.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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