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Um mês do ataque a Brasília: a impunidade dos militares golpistas e o papel de Tomás Paiva

Lula já se livrou de vários militares golpistas que infestavam a estrutura do Executivo, mas a limpa ainda está bem longe do fim
Lúcia Rodrigues
Holofote
São Paulo (SP)

Tradução:

Há um mês, golpistas tentaram derrotar a democracia. A incubadora de terroristas, como bem definiu o ministro Flávio Dino, era acalentada por gente como a esposa do general Villas Boas, frequentadora do acampamento que se deixava filmar sorridente ao lado da horda fascista.

Não é difícil supor que a turba estacionada por mais de dois meses em frente às unidades militares tivesse a anuência do Alto Comando do Exército.

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O general da reserva Braga Netto, ex-ministro da Defesa, sem nenhum constrangimento também se deixou filmar estimulando golpistas que reclamavam por uma atitude das Forças Armadas.

“Não percam a fé”, orientava em novembro, em frente ao Palácio da Alvorada, Braga Netto que tem no currículo a assinatura de Ordem do Dia comemorativa ao golpe de 64.

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O que aconteceu no fatídico 8 de janeiro não foi um raio em céu azul. Ninguém foi pego de surpresa.

Os terroristas já haviam dado mostras de que pretendiam mandar pelos ares o aeroporto de Brasília ao acoplar uma bomba a um caminhão de combustível que entraria no aerodromo para abastecer as aeronaves. A tragédia só não ocorreu devido ao olhar atento do motorista do veículo.

Por um triz, um ônibus que ardia em chamas não foi arremessado de um viaduto no centro da capital federal sobre uma via por onde trafegavam automóveis, enquanto botijões de gás eram espalhados pela cidade.

Lula já se livrou de vários militares golpistas que infestavam a estrutura do Executivo, mas a limpa ainda está bem longe do fim

Foto: Ricardo Stuckert/ Palácio do Planalto
Bolsonarismo avançou sobre o Alto Comando das Forças Armadas durante os últimos anos, como uma metástase agressiva de um câncer




Obra de profissionais

Especialistas em segurança reiteraram que os ataques perpetrados nos três episódios não eram obra de amadores.

E apesar de indícios apontarem para o envolvimento de militares da ativa das Forças Armadas pelo menos no atentado do dia 8, nenhum deles foi atingido até agora por nenhuma operação da Polícia Federal.

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Por enquanto, têm sido poupados, apesar das falas dos Três Poderes apontarem que não haverá complacência com nenhum criminoso seja ele civil ou fardado.

“Sem anistia!”, também brada a sociedade organizada à espera de justiça.


Impensável

Seria impensável, em qualquer democracia minimamente consolidada, que um comandante do Exército tivesse a audácia de peitar o ministro da Justiça e o interventor da Segurança Pública para impedir a prisão de terroristas homiziados debaixo de suas barbas.

Mas indisciplinado, o general Júlio Cesar de Arruda achou que poderia dobrar a aposta dias depois, ao ignorar uma ordem de seu comandante em chefe, o presidente Lula.

Foi surpreendido pelo cartão vermelho sacado do bolso pelo petista, que o mandou para a reserva, 23 dias após tê-lo nomeado para a função.

Arruda caiu ao tentar garantir a posse do tenente coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro e investigado pelo Supremo, para a chefia do 1º Batalhão de Ações e Comandos, cargo estratégico da unidade de Operações Especiais, localizada em Goiânia, há alguns quilômetros da Praça dos Três Poderes.


Anormalidade

O normal seria que o novo comandante do Exército cancelasse a nomeação, mas não foi isso que se verificou.

O general Tomás Miguel Ribeiro Paiva permitiu que Cid pedisse afastamento do cargo. A medida garante que o militar possa assumir o posto no futuro.

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Tomás havia sido saudado por parte do campo progressista como um legalista, após um vídeo, em que aparece fazendo um discurso em defesa do resultado das eleições, vazar para a imprensa pouco antes da queda de Arruda.

Em condições normais de pressão e temperatura, o discurso nem deveria ter ocorrido, pois não cabe a militares da ativa emitirem opinião a respeito de temas políticos.

Quem detém as armas, não se imiscui na política. Cumpre ordens do comandante em chefe. Ponto.

Mas no deserto de generais legalistas no Alto Comando, o gesto foi visto como um oasis. E ele foi alçado ao comando da força terrestre.


Prova prática

O general, no entanto, terá de provar na prática que o discurso legalista não foi feito apenas para mostrar que se muda, para se manter tudo na mesma.

Se levarmos em conta alguns retrospectos, o militar terá de se esforçar bastante para transparecer que faz juz ao adjetivo.

É importante destacar que em sua trajetória na caserna, ele acumula alguns fatos no mínimo desabonadores.

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Era ele quem comandava a Aman, a Academia das Agulhas Negras, quando Jair Bolsonaro lançou sua candidatura à Presidência da República durante a formatura de uma turma de cadetes.

A ele também é atribuído o papel de coadjuvante na elaboração do tuíte de Villas Boas que intimidou o Supremo.

Ele também conviveu sem sobressaltos com o acampamento montado por golpistas em frente ao QG do Comando Militar do Sudeste comandado por ele até ser nomeado chefe do Exército.

Há ainda outro episódio mais recente e que passou praticamente despercebido. Já nomeado por Lula, Tomás não se levantou contra o encontro do demitido Arruda com o Alto Comando do Exército. Em qualquer democracia sólida, esse tipo de reunião seria impensável.


Avanço bolsonarista

Mas como é sabido, o bolsonarismo avançou sobre o Alto Comando das Forças Armadas durante os últimos anos, como uma metástase agressiva de um câncer.

Tanto que chegamos ao absurdo de ver pronunciado pelo atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que ainda não está afastada a hipótese da Ordem do Dia de 31 de março nos quartéis ser comemorativa ao golpe militar de 64.

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Lula já se livrou de vários militares golpistas que infestavam a estrutura do Executivo, mas a limpa ainda está bem longe do fim. O ex-chefe do GSI, general Augusto Heleno, deixou um rastro de iniquidades que estão só começando a ser desfeitas.

Como gesto para a consolidação da imagem de legalista, o general Tomás poderia anunciar ao país que as Forças Armadas se desculpam pelas torturas, mortes e pelos desaparecimentos de opositores que combateram a ditadura durante os Anos de Chumbo.

Poderia anunciar também que vai se empenhar pela elucidação dos crimes cometidos e atuar pela punição dos culpados, para expurgar das Forças Armadas a pecha de golpista.

Poderia ainda dizer que vai batalhar pela localização dos corpos dos desaparecidos políticos e que as ordens do dia comemorativas ao golpe de 64 estão definitivamente banidas da caserna.

Poderia acrescentar que haverá mudanças no currículo da academia militar, que sepultará a doutrina de combate ao inimigo interno.

Vamos aguardar… sentados talvez.

Mas é inegável que uma excelente janela de oportunidades se abre ao país desde a redemocratização, que pode colocar as Forças Armadas no lugar que deveria ser destinado a elas, como um corpo de funcionários públicos que detém as armas, e são pagos pela população para proteger a nação e não ser ameaçada por eles.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já mostrou o caminho a ser seguido, ao mandar para a reserva o alto comando militar colombiano.

Lúcia Rodrigues | Holofote


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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