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Vini Jr. (Foto: Reprodução / Facebook)

Verbena Córdula | Vini Jr. é hostilizado por afirmar que a Espanha é um país racista. Ele está errado?

Vini Jr. sabe, é claro, que na Espanha há milhões de pessoas não racistas; a questão é, no entanto, que o racismo não se dá apenas no plano das individualidades
Verbena Córdula
Diálogos do Sul Global
Salvador (BA)

Tradução:

O jogador brasileiro de futebol Vinícius Jr., que atua no Real Madri, tem sido massacrado discursivamente pelos meios de comunicação hegemônicos espanhóis, assim como por cidadãos e cidadãs daquele país, sobretudo através das redes sociais, porque disse, em entrevista recente à CNN, que a Espanha não deveria sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2030 porque é um país racista. Vini Jr., como é mais conhecido – assim como diversos outros futebolistas negros brasileiros e de outras nacionalidades – tem sido alvo de racismo desde que chegou àquele clube espanhol, e agora, além de sofrer com os ataque racistas diretos, sofre com o racismo sutil pelo fato de haver reagido de maneira contundente.  

A mídia espanhola, assim como diversos integrantes da sociedade civil daquele país – não na sua totalidade, logicamente –, têm-se mostrado indignados pelo fato de Vini Jr. ter classificado a Espanha como um país racista. E cá entre nós, estão sendo muito duros com o jogador, porque, para esses críticos, o atleta generalizou. Logicamente, sabemos que em quaisquer sociedades há pessoas boas, pessoas não boas, pessoas racistas e pessoas não racistas.

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Mas, o que Vini Jr. disse não está errado, considerando-se que o racismo não é um preconceito que se manifesta apenas do ponto de vista individual, mas, na maioria dos casos, trata-se de uma questão estrutural que “se naturaliza” socialmente, e perpassa tanto os indivíduos como, sobretudo, as instituições

Narrativa desumanizadora

Devemos ressaltar que o racismo tem origens no colonialismo que, como estrutura de dominação e exploração, não se limitou a sua dimensão econômica ou territorial, pois foi fundamentado em uma ideologia que via os povos colonizados como inferiores. Essa política racista foi uma das bases sobre as quais o colonialismo construiu seu poder e perpetuou sua existência.

Durante a era colonial, as potências europeias, incluindo-se a Espanha, não apenas dominaram vastas regiões do Globo, mas impuseram uma visão de mundo que hierarquizava as raças e culturas. Essa hierarquização servia para justificar a exploração brutal dos recursos e das populações locais. O racismo, portanto, era tanto um meio, como também um fim no processo colonial, pois facilitava a dominação e, ao mesmo tempo, a legitimava aos olhos dos colonizadores.

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O discurso colonial frequentemente depreciava as culturas e tradições dos povos subjugados, rotulando-as como “primitivas” ou “atrasadas”, em comparação com a “civilização” europeia – branca. Essa narrativa não apenas desumanizava os colonizados, mas também criava uma falsa uperioridade racial que reforçava o poder do colonizador. A construção de estereótipos raciais e culturais foi, portanto, um dispositivo essencial para a consolidação do domínio colonial, pois desumanizar e inferiorizar o “outro” ajudava a naturalizar e justificar o controle e a exploração.

O impacto desse racismo moldou profundamente as estruturas sociais e políticas dos países colonizados e seus descendentes. Mesmo após o colonialismo finalizado formalmente, muitos dos países colonizadores – e também os colonizados, como o Brasil, por exemplo – continuam a enfrentar as consequências desse legado, com disparidades raciais e sociais que se perpetuam em novas formas de desigualdade. E a Espanha não está fora desse universo. 

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A política racista do colonialismo não desapareceu com a independência dos países colonizados, tampouco desapareceu a ideia de superioridade dos países colonizadores. Essas situações sofreram transformações e estão presentes em diferentes aspectos de nossas vidas, seja do ponto de vista social, econômico, político ou cultural.

Vini Jr. não está equivocado

Tratam-se de implicações duradouras que interferem no modo como as sociedades ocidentais e não ocidentais se veem e se relacionam. A hierarquia racial estabelecida pelo colonialismo ainda ecoa em discursos e práticas em nossas sociedades, muitas vezes “mascarada” por formas mais sutis e sofisticadas de discriminação. Daí a importância do reconhecimento do colonialismo como uma política racista, pois, dessa forma, podemos entender a profundidade e a persistência das desigualdades que ainda enfrentamos hoje. 

Portanto, o racismo contemporâneo não surgiu de um vácuo histórico, mas se trata de uma continuidade das ideologias e práticas estabelecidas durante a era colonial. E a racialização, a estigmatização e a marginalização dos grupos historicamente oprimidos são manifestações diretas de um legado colonial que ainda molda as relações sociais e as estruturas de poder. Por isso, Vini Jr. não está equivocado quando classifica a sociedade espanhola como racista. Ele sabe, é claro, que na Espanha há milhões de cidadãs e cidadãos não racistas, mas que isso não impede que a sociedade enquanto tal seja racista, pois o racismo não se dá apenas no plano das individualidades, mas, principalmente, na visão de mundo de uma sociedade. E é isso que as pessoas que se sentiram ofendidas pelo jogador precisam compreender. 

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É muito fácil “detonar” o jovem futebolista, afirmando que ele é “arrogante”, “ingrato”, que “se crê poderoso”, como muitos discursos que podemos ver e ouvir através das redes sociais, de veículos de comunicação e também de indivíduos. Mas, quem sofre na pele todos os dias com as injustiças, e sobretudo com a desumanização oriunda do racismo, é quem sabe, de fato, o que isso significa. 

Muitas vezes, pessoas em posições de privilégio podem não perceber os benefícios que têm apenas por causa da sua cor de pele. Esse privilégio leva muitas dessas pessoas a não compreenderem as dificuldades enfrentadas pelos grupos racializados. Por exemplo, a facilidade de encontrar representação positiva na mídia, ou o acesso a oportunidades que não estão disponíveis para todos, podem ser vistos como normais por aqueles e aquelas que não enfrentam essas barreiras do racismo. E, por isso, as experiências, as frustrações, as perspectivas e, principalmente, as dores sofridas pelas pessoas racializadas, como as sentidas por Vini Jr., são desvalorizadas ou ignoradas. E isso também é uma das expressões do racismo.

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Desse modo, toda esse “linchamento” público, essa raiva que está sendo desencadeada na direção do jogador Vini Jr. precisam ser questionadas, refletidas, desnudadas de forma crítica, para que possamos estabelecer um diálogo frutífero sobre o racismo, sobretudo a necessidade de buscarmos desconstruir essa mazela que desumaniza milhões de pessoas em todo o Planeta, que causa muito sofrimento e dor, e que, na maioria das vezes, é desestimada como uma das questões mais urgentes a serem resolvidas em nível global. Porque me atrevo a dizer que o racismo tem sido a maior causa de morte no mundo, desde a era colonial.

 E, por último, não creio que Vini Jr. deva desculpas ao povo espanhol.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Verbena Córdula Graduada em História, Doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporânea pela Universidad Complutense de Madrid e Professora Titular da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA.

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