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Vitória de Biden para Colômbia: novas formas e métodos do poder imperialista dos EUA

Mesmo existindo uma política contínua para a região, há nuances entre a política externa de George Bush, Barack Obama e Donald Trump
Amanda Harumy
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Analisar o impacto da vitória de Joe Biden para a América Latina é um exercício que demanda olhares variados e que compreendam a realidade de cada país. Não existe uma política linear, há diversas complexidades e espaços diferentes na região. Para a Colômbia, a eleição do democrata não é diferente: é preciso retomar a história das relações entre os dois países para podermos avaliar seus impactos.

Historicamente, na Colômbia, independente de qual partido esteve à frente, em todos os últimos mandatos presidenciais estadunidenses a política externa teve como objetivo principal construir espaços de influência — tanto militar quanto político.

Eras Bush, Obama e Trump

Mesmo existindo uma política contínua para a região, é necessário pontuar que há nuances entre a política externa de George Bush, Barack Obama e Donald Trump. A hipótese central é que as diferenças dessas políticas estão diretamente relacionadas com as elites domésticas às quais cada presidente se associou. 

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Para compreender a complexidade em torno das elites domésticas colombiana é preciso considerar o processo de formação colonial das elites na América Latina. De forma geral, há uma constante presença de uma elite latifundiária e conservadora, com fortes raízes coloniais em seus processos sociais e econômicos. Na Colômbia, o uribismo é o fruto dessa elite.

Os mandatos de Álvaro Uribe (2002 – 2010) deram continuidade ao Plano Colômbia, o qual projetou uma política de alinhamento profundo aos EUA: promoção da guerra às drogas e criminalização dos movimentos insurgentes. Nesse período, as relações entre os dois países estiveram intrinsecamente ligadas por cooperação militar, auxílios financeiros e ingerências políticas por parte dos EUA — que nesse momento, vale lembrar, era presidido pelo republicano George Bush (2001-2009).

O ano de 2010 é um importante ponto de análise para compreender as possíveis variações nas formas de influência da política externa dos EUA na Colômbia. O então recém eleito presidente Juan Manoel Santos (2010 -2018) sinalizou, já em sua posse, o desejo de construir um processo de diálogos de paz com a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), com o objetivo de cessar a guerra que atravessa há mais de cinco décadas. Esse posicionamento contrariou o ex-presidente Álvaro Uribe, que contraditoriamente foi seu padrinho político para a chegada à presidência. A sinalização a favor de um processo de paz resultou na ruptura política entre Uribe e Santos.

Mesmo existindo uma política contínua para a região, há nuances entre a política externa de George Bush, Barack Obama e Donald Trump

Diálogos do Sul
As alternâncias de poder entre republicanos e democratas produzem sim impactos na Colômbia

Não é possível descrever precisamente o porquê de Santos abandonar o discurso de guerra e se propor a construir a paz. Uma das hipóteses é de que seu perfil político se alinha mais a uma elite internacional que enxerga na paz a possibilidade do avanço do capitalismo neoliberal na Colômbia. Ou seja, o fim do conflito é economicamente atrativo para uma elite econômica internacional e uma elite doméstica interessada em atrair capital internacional ao país. 

Nesse momento, Santos rompeu com a elite latifundiária conservadora representada por Álvaro Uribe e passou a representar uma elite financeira alinhada aos interesses do capitalismo internacional.

Após essa ruptura Uribe iniciou uma forte campanha na sociedade colombiana contra a proposta de diálogos e acordo de paz. Os diálogos começaram mais efetivamente em 2012.  Em 2016, enfim, foi assinado em Havana, Cuba, em um processo internacional o Acordo Final de Paz da guerrilha das FARC com o Estado Colombiano.

É importante destacar que o Acordo Final de Paz é um objeto político internacional de influência regional. A proposta de diálogo e de construção do acordo teve apoio do presidente dos EUA, o democrata Barack Obama (2009-2017) e foi realizada em um processo internacional na ONU.

Nas eleições de 2018, o tema do Acordo Final de Paz polarizou ainda mais a sociedade colombiana. A narrativa uribista de criminalização do conflito armado lançou o candidato da extrema-direita Ivan Duque e outras parcelas da sociedade, do centro à esquerda, apoiaram Gustavo Petro e sua promessa de validar e aprofundar o Acordo Final de Paz assinado em 2016. 

Após uma tensa eleição, com inúmeros casos de fake News, o candidato da direita venceu e se intensificaram os retrocessos em torno do Acordo Final de Paz. Nos últimos anos, Ivan Duque construiu uma política externa de alinhamento político aos discursos de extrema-direita de Donald Trump, principalmente no tema da Venezuela.

Os anos Biden

Após realizar uma breve análise sobre as políticas externas adotadas nos últimos governos e o comportamento das elites colombianas, é possível apontar que as alternâncias de poder entre republicanos e democratas produzem impactos na Colômbia. A América Latina é historicamente um espaço estratégico para o poder hegemônico dos EUA. Assim, os novos impactos produzidos pela agenda internacional de Biden não deixarão de ter caráter imperialista, mas há uma mudança de formas e métodos na projeção de poder na região. 

Atualmente, a Colômbia enfrenta, assim como no Brasil, o avanço da extrema-direita e do conservadorismo. A derrota de Trump irá fragilizar o avanço dessa política na região. Dessa forma, a vitória de Biden, do partido democrata, nos EUA, certamente irá produzir reflexos sob a conjuntura política colombiana. Ainda é cedo para apontar quais serão os outros impactos, mas com certeza a narrativa democrata de fortalecimento do multilateralismo e das instituições internacionais impactará positivamente no Acordo de Final de Paz.

Por fim, é possível identificar duas frentes de impacto da vitória de Biden para a Colômbia: 1- fragilização do avanço da extrema-direita na região; 2- fortalecimento do multilateralismo e instituições internacionais.

 

* Amanda Harumy possui graduação em Relações Internacionais pela Universidade Federal de São Paulo (2015). Mestre em Integração da América Latina (PROLAM-USP), doutoranda em Integração da América Latina (PROLAM-USP). Professora de Política Latino-americana da Fundação Santo André. Diretora de Relações Internacionais da ANPG. Atua principalmente nos seguintes temas: América Latina, Colômbia, movimentos sociais e democracia


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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