Escrevo isto no dia 8 de março, uma data simbólica para comemorar a crueldade de patriarcado.
Entre mensagens floridas e frases clichê, se oculta a verdadeira dimensão da discriminação e da impotência na qual vivem milhões de mulheres em todo o mundo, vítimas de um sistema capaz de transformar sua vida em uma escravidão legalizada.
Claro que avançamos… Hoje podemos celebrar nosso direito ao voto, embora – em pleno século vinte e um – temos que lutar por uma paridade à qual temos pleno direito.
Avançamos porque existem leis contra a feminicídio, mas não conseguimos uma ação consistente dos sistemas de administração de justiça para preveni-lo e sobretudo para castigá-lo.
EcoSocialismo / Ilustração
Entre mensagens floridas e frases clichê, se oculta a verdadeira dimensão da discriminação
Avançamos em tecnologia e conhecimento, claro que sim, mas nossas meninas são privadas de seu direito à educação e ao atendimento em saúde, condenando-as a um futuro de servidão sancionado por uma sociedade cega à dimensão dessa injustiça. Avançamos em consciência sobre as iniquidades e, ao mesmo tempo, apoiamos um sistema patriarcal capaz de anular as capacidades e o potencial de uma maioria silenciada por preconceitos e costumes. Hoje, enquanto escrevo com a surda indignação de saber quanto falta para alcançar um status digno para meninas e mulheres cujos direitos são violados com total impunidade, me regressam as imagens das 56 meninas feridas e calcinadas por ordem presidencial na Guatemala, em um dia como este.
Avançamos, mas não importa quanto caminho temos percorrido, enquanto persistir a impunidade sobre as violações sexuais, o incesto, a escravidão, a tortura, o assassinato, o tráfico de pessoas ou a discriminação no acesso à educação. É impossível presumir de desenvolvimento quando temos transformadas em reféns a maioria dos habitantes de nossos países, privadas de direitos elementares por decisão daqueles que converteram o poder político em um gueto impenetrável, cuja abertura depende da vontade daqueles que temem compartilhá-lo.
Avançamos porque hoje, pelo menos, pode-se debater, denunciar, protestar. Mas os muros continuam sólidos graças à força das tradições, preconceitos e costumes instaurados há séculos para monopolizar os mecanismos de controle sobre nossas sociedades. Derrubá-los, portanto, não é mais um atentado contra o estabelecido, mas sim um dever de cidadania e um ato de justiça. Hoje podemos dizer o quanto avançamos porque já somos capazes de proclamar ante o mundo a importância da soberania sobre nosso corpo. No entanto, falta esse trecho indispensável da batalha para alcançar um status legal desprovido de estereótipos moralistas, impostos por doutrinas religiosas cujo propósito é submeter-nos e anular nosso direito à liberdade.
O catálogo das injustiças é um grosso tratado de restrições e abusos que foram do mais elementar, como um status jurídico que privou as mulheres de seus direitos cívicos, até as aberrações extremas como a tolerância ao incesto, os casamentos forçados de meninas e adolescentes, os obstáculos para seu normal desenvolvimento e a constante desvalorização de sua natureza, como se nascer com o sexo feminino fosse um defeito biológico.
Neste dia 8 de março dedico meu pensamento às 56 meninas do lar seguro Virgen de la Asunción e aos milhares de meninas e adolescentes incluídas nesses antros de miséria administrados por um Estado incapaz de velar por sua integridade. É minha homenagem e meu protesto.
Avançamos, mas ainda falta muito por conquistar.
*Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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