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Soldados chadianos na fronteira entre Chade e Sudão supervisionam a travessia de refugiados que fogem da guerra civil no Sudão. 22 de maio de 2023 (Foto: Henry Wilkins e Arzouma Kompaoré - VOA)

2 anos de Guerra no Sudão: pilhagem imperialista e genocídio sob conivência internacional

Com territórios ocupados e mais de 61 mil mortos apenas entre Darfur e Cartum, o Sudão tornou-se palco de uma guerra estratégica financiada pelos Emirados Árabes Unidos
Rachel Hamdoun
HispanTV
Nova York

Tradução:

Ana Corbisier

Ficamos adormecidos diante do incessante sofrimento do Sudão nas mãos dos Emirados Árabes Unidos? Acaso o mundo se deixou cegar pelos símbolos do dólar, os vistos dourados, as luxuosas festas de premiação oferecidas pela realeza e os imponentes monumentos?

O Sudão merece a mesma urgência e protesto que dedicamos a outros lugares devastados pela guerra: deixar claro para os governos mundiais e para as corporações capitalistas que sua cumplicidade no genocídio em curso não será mascarada pela ostentação, pelo glamour, nem pelas formalidades diplomáticas.

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À medida que a devastadora guerra do Sudão completa seu segundo aniversário neste 15 de abril, assume um novo cariz político. As Forças de Apoio Rápido (FAR – RSF, na sigla em inglês) retomaram o palácio presidencial e outros edifícios-chave em Cartum, reafirmando o controle.

Enquanto isso, as forças ocultas que impulsionam a guerra no Sudão estão ficando ainda mais expostas. O governo sudanês apresentou uma denúncia contra os Emirados Árabes Unidos (EAU) à Corte Internacional de Justiça (CIJ), acusando-os de cumplicidade no genocídio contra o povo Masalit, indígena do oeste do Sudão e do Chade.

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Alegando violações da Convenção para a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio, o Sudão afirmou que os Emirados Árabes Unidos forneceram armas e apoio financeiro às FAR, alimentando uma guerra que causou a morte de mais de 61 mil pessoas apenas entre Darfur e Cartum, segundo dados do Grupo de Pesquisa sobre o Sudão da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (novembro de 2024). Desde então, a situação só piorou.

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Essas mortes foram consequência da violência direta, de doenças evitáveis e da fome. Além dos Emirados Árabes Unidos, outros atores regionais importantes, como a Arábia Saudita e o Egito, permitiram as contínuas atrocidades cometidas pelas FAR.

É importante destacar como o Sudão serve de porta de entrada para os Emirados Árabes Unidos na África, de forma semelhante ao papel do regime israelense como posto avançado dos Estados Unidos na Ásia Ocidental. Minas de ouro, cobalto, diamantes, vastas extensões de terra e, sobretudo, o acesso ao Mar Vermelho tornam o Sudão um alvo prioritário para os interesses dos Emirados.

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Esta não é a primeira intervenção desse tipo por parte dos EAU. Seu papel abrangente na guerra contra o Iêmen, ao lado da Arábia Saudita, provocou a morte de mais de 150 mil pessoas; as estimativas oficiais provavelmente subestimam o número real de vítimas da última década.

Um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, na sigla em inglês) de 2021 projetou que, caso a guerra no Iêmen continuasse, o número de mortos poderia chegar a 1,3 milhão até 2030, agravado por bombardeios, estupros, sequestros, desaparecimentos forçados e o uso de alimentos como arma de guerra.

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Sudão e Gaza, vítimas do silêncio internacional

A fome como método de guerra — uma flagrante violação do direito internacional humanitário, segundo o Artigo 54 dos Convênios de Genebra — continua sendo utilizada pelas FAR com o apoio dos Emirados Árabes Unidos.

Isso reflete, em uma escala ainda maior e mais destrutiva, as táticas de fome empregadas pelo regime sionista em Gaza, onde aviões de guerra israelenses, fornecidos pelos Estados Unidos, massacraram civis enquanto recolhiam farinha e pão de caminhões de ajuda humanitária.

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A comunidade internacional, as principais organizações e as Nações Unidas se recusam sistematicamente a responsabilizar os perpetradores. Mesmo quando emitem condenações, hesitam em apontar os culpados.

Esse silêncio seletivo não surpreende, considerando que palestinos e libaneses continuam morrendo em ataques aéreos israelenses com bombas fornecidas pelos Estados Unidos, enquanto as instituições globais ainda relutam em pronunciar a palavra “genocídio”.

O alcance dessa negação ficou plenamente evidenciado quando a ONU convocou uma reunião especial em Nova York para o “Dia Internacional de Comemoração e Dignidade das Vítimas do Crime de Genocídio” em 2024, mas não mencionou Gaza uma única vez durante a sessão de duas horas.

Dizimar para saquear

Fato é que os Emirados Árabes Unidos buscam moldar sua relação com o Sudão segundo a dinâmica entre os Estados Unidos e Israel: um posto avançado político e militar a serviço de objetivos estratégicos mais amplos.

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Basta observar a normalização das relações entre os Emirados Árabes Unidos e Israel, o cortejo israelense à Arábia Saudita e a colaboração saudita-israelense no Iêmen para reconhecer a estratégia comum em ação.

Gaza e Palestina são ricas em petróleo e recursos naturais, o que lhes garante acesso a reservas no Líbano e na Síria, asseguradas por meio de intermediários regionais que operam sob diretrizes ocidentais. As jazidas de Karish, no Líbano, e Marine, em Gaza, foram cobiçadas pelas potências ocidentais muito antes de 1947, como parte de seus projetos sionistas expansionistas mais amplos, o “Destino Manifesto”.

Dado seu histórico, os Emirados Árabes Unidos não deveriam ter lugar em um cenário global, como o das Nações Unidas, para falar de direitos humanos, liberdade ou democracia. Seu histórico é bastante extenso, já que não segue as normas que afirma adotar como modelo.

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Acumula um longo histórico de violações, desde severas restrições à liberdade de expressão até abusos generalizados contra os direitos de migrantes e trabalhadores, o que contradiz sua imagem cuidadosamente cultivada de “um dos países mais seguros do mundo” com abundantes oportunidades de emprego.

Não podemos esquecer o Sudão. Não podemos permitir que seus clamores caiam em ouvidos surdos, para que não concedamos a vitória àqueles que travam uma guerra contra inocentes (Foto: Henry Wilkins e Arzouma Kompaoré – VOA)

Basta à omissão

A guerra no Sudão não é um simples enfrentamento entre rivais e aliados regionais. É uma guerra contra a própria humanidade, semelhante às atrocidades genocidas em Gaza e no Líbano. Esses conflitos, profundamente imorais, servem como ferramentas para que as monarquias do Golfo Pérsico e as potências hegemônicas ocidentais, como os Estados Unidos e o Reino Unido, expandam seu domínio na região.

A catastrófica crise humanitária no Sudão ofereceu aos Emirados Árabes Unidos uma porta de entrada para a África, um continente rico em diamantes, reservas de água doce e minerais raros. As FAR não passam de um sicário nesse plano de maior escala, enquanto o número de vítimas — mulheres, crianças, idosos e todos aqueles que resistem à opressão — continua crescendo.

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Não podemos esquecer o Sudão. Não podemos permitir que seus clamores caiam em ouvidos surdos, para que não concedamos a vitória àqueles que travam uma guerra contra inocentes. Não devemos fechar os olhos enquanto o dinheiro flui para palácios, galas repletas de celebridades e cúpulas governamentais, enquanto nossas compras e impostos sustentam as mesmas entidades que orquestram essas guerras.

Assim como o boicote às marcas estadunidenses e israelenses derrubou as ações de multinacionais, um movimento semelhante contra as corporações dos Emirados e seus cúmplices pode exercer pressão para pôr fim a essas guerras desumanas contra o Iêmen, o Líbano, o Sudão e Gaza.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

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