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Imagem: terceiromundo.org

50 anos da Cadernos do Terceiro Mundo: uma nova ordem informativa em prol do Sul Global

Criada em 1974, a Cadernos do Terceiro Mundo foi um projeto visionário de jornalismo independente que, mesmo diante de perseguições, manteve-se firme na defesa dos ideais de liberdade e justiça
José Steinsleger
La Jornada
Cidade do México

Tradução:

Ana Corbisier

Em 2024, a Revista Cadernos do Terceiro Mundo completa 50 anos de fundação, consolidando-se como um marco do jornalismo no Sul Global. Criada em 1974 por Neiva Moreira e Beatriz Bissio, a revista nasceu no exílio em Buenos Aires e teve como missão divulgar os ideais dos Países Não Alinhados e promover uma nova ordem informativa internacional.

Apesar das perseguições políticas, como a ameaça da Aliança Anticomunista Argentina, a Cadernos se reinventou no Peru e no México, alcançando edições em português e inglês. Ao longo de três décadas, entrevistaram líderes globais como Fidel Castro, Nelson Mandela e Yasser Arafat, e denunciaram ações como a Operação Condor.

O legado da revista foi tema do seminário “Jornalismo e Democracia”, realizado por universidades cariocas em 2024, reforçando a atualidade de seus ideais em um mundo ainda marcado por desigualdades informativas.

A seguir, confira 12 pontos sobre a criação, a trajetória e a celebração dos 50 anos da Cadernos do Terceiro Mundo:

1. Depois da estratégica reunião dos países do BRICS+ (Kazan, 23-24/10/24), e às vésperas da cúpula do G20 (Rio de Janeiro, 18-19 de novembro), quatro universidades cariocas realizaram um encontro para analisar o legado da épica revista Cadernos do Terceiro Mundo, que marcou época no jornalismo da América Latina e do Caribe (1974-2006).

2. Coordenado pela doutora Beatriz Bissio, o seminário Jornalismo e democracia contou com a presença de comunicadores brasileiros, pesquisadores da Indonésia e do Canadá, e ex-correspondentes da Cadernos que, em determinado momento, contextualizaram a problemática neocolonial destorcida pelas agências de notícias ocidentais.

Conferência no RJ celebra 50 anos da Revista Cadernos do Terceiro Mundo

3. Em um ensaio publicado no final de 2015, Beatriz mostra que a ideia dos Cadernos foi impulsionada por Neiva Moreira (1917-2012), lendário jornalista e político brasileiro que, em Argel, Argélia, cobriu a 4ª conferência dos Países Não Alinhados (Noal, setembro de 1973). Ali, Neiva fez contato com líderes dos países independentizados e movimentos de libertação da Ásia e da África. Dado de luto: Salvador Allende participou da conferência, e dois dias após terminada a cúpula, na sua volta ao Chile, foi derrubado pelo golpe fascista de 11 de setembro.

4. Neiva voltou de Argel com a “missão” de divulgar os temas debatidos pelos Não Alinhados. Em particular, a urgente necessidade de impulsionar uma nova ordem informativa internacional (NOII), que devia acompanhar os ideais econômicos e políticos do então chamado “Terceiro Mundo”, hoje, “Sul Global”. Um desafio que numerosos teóricos da comunicação vinham tratando desde 1960.

5. Na época, Neiva e Beatriz residiam em Buenos Aires, exilados pelas ditaduras militares do Brasil e do Uruguai. Mas não estavam sozinhos. Com eles, Eduardo Galeano, Mario Benedetti, Eric Nepomuceno e o jornalista argentino Pablo Piacentini, fundador da agência Inter Press Service (IPS, 1964), dirigida pelo economista ítalo-argentino Roberto Savio.

6. Em um contexto “setentista”, apareceu o primeiro número da Cadernos (setembro de 1974), que logo suscitou o entusiasmo de jornalistas, acadêmicos, intelectuais, pesquisadores e líderes políticos. No entanto, depois da morte do presidente Juan Domingo Perón (1º de julho), três encapuzados da Aliança Anticomunista Argentina visitaram Neiva e Beatriz durante a noite, dando-lhes 24 horas para sair do país.

Cannabrava | Dos Cadernos do Terceiro Mundo à Diálogos do Sul Global

7. A equipe da Cadernos se reagrupou no Peru, ainda que em um momento em que o país começava a direitizar o processo nacionalista liderado pelo general Juan Velasco Alvarado. Finalmente, Neiva e Beatriz relançaram a Cadernos no México (1976), além de uma edição em inglês para os Estados Unidos e as nações do Caribe, a cargo do mexicano Fernando Molina. E outra em português, em Lisboa.

8. Minha experiência como correspondente da Cadernos transcorreu de 1978 a 1982 no Equador, que com o presidente Jaime Roldós encabeçou a recuperação da democracia na América Latina. Roldós foi o primeiro governante a ir a Manágua, para levar a solidariedade de seu povo à Revolução Sandinista (1979) — a qual a sinistra Operação Condor, urdida por Washington e pela CIA, com os regimes da “segurança nacional” do Cone Sul, anotaram em sua agenda de prioridades.

9. De fato, com a chegada de Ronald Reagan à presidência (janeiro de 1981), os aviões dos líderes terceiro-mundistas começaram a sofrer misteriosos “problemas técnicos”. O que transportava Roldós, sua esposa e o ministro da Defesa, explodiu durante o voo (24/5/1981) e, semanas depois caiu o do general velasquista Rafael Hoyos, comandante-chefe do Exército do Peru (5/6/81). E o general panamenho Omar Torrijos morreu depois da queda de seu helicóptero (31/7/1981). Nada diferente da sorte com que se deparou o regime racista da África do Sul com Samora Machel, líder independentista de Moçambique (19/10/1984).

10.Cadernos entrevistou líderes como o próprio Roldós, Torrijos, Velasco Alvarado, Machel e Fidel Castro, além de Nelson Mandela, Yasser Arafat, Muammar Khadafi, Saddam Hussein, Agostinho Neto, Julius Nyerere e o irlandês Sean MacBride, diretor do histórico informe que analisou os desafios do NOII (Um só mundo: vozes múltiplas, Unesco, 1980).

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11. Nos últimos parágrafos do ensaio mencionado, Beatriz Bissio pergunta-se o que podia fazer frente ao poder das grandes corporações da mídia, uma revista lançada por jornalistas independentes, sem uma grande estrutura e sem grandes capitais por trás. “Pode parecer –afirma– uma empresa quixotesca… e era! Mas o projeto se apoiava na convicção do grupo fundador, e dos numerosos colaboradores que se somaram ao longo de anos, de que um grão de areia faz a diferença no deserto”.

12. Inspirados nos princípios da Conferência Afro-asiática de Bandung (Indonésia, 1955), e no Movimento dos Países Não alinhados (Belgrado, 1961), os ideais dos Cadernos e do NOII continuam vigentes. E compete ao BRICS+ retomá-los.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

José Steinsleger

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