Em um ato motivado por enorme nostalgia imperial, no último dia 26, um grupo de senadores republicanos impulsionou uma resolução legislativa que estabeleceu que a Doutrina Monroe é um princípio duradouro e vigente da política exterior dos Estados Unidos.
A resolução reafirma “os direitos e interesses dos Estados Unidos de acordo com a Doutrina Monroe, de opor-se a um poder estrangeiro estendendo influência maligna que poderia pôr em perigo ou minar as democracias do Hemisfério Ocidental” e “reconhece os princípios de liberdade e independência, tal como estão consagrados na Doutrina Monroe, como uma pedra angular duradoura da política exterior dos Estados Unidos”.
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Aparentemente inconscientes com o que significa para o hemisfério essa “doutrina”, e suas implicações imperiais 200 anos depois, os legisladores republicanos estão festejando a promulgação dessa doutrina pelo presidente James Monroe em 1823, como um grande aporte estadunidense para o hemisfério, inclusive para a independência do México.
De fato, a resolução estabelece que, entre suas outras virtudes ao longo de sua história, a Doutrina Monroe foi invocada pelo governo dos Estados Unidos em 1865 ‘para exercer pressão diplomática e militar em apoio do presidente mexicano Benito Juárez, o que permitiu que Juárez encabeçasse uma revolta exitosa contra o imperador Maximiliano, que havia sido colocado no trono pelo Império Francês”.
Entre outras lembranças, a resolução sublinha que a doutrina foi invocada pelo presidente John F. Kennedy em 1962 quando a União Soviética estabeleceu uma base para missões em Cuba, e que foi em parte por isso que se logrou o revés de Moscou.
Também recorda que em 1987, por um voto dos dois partidos de 90 a 2, foi aprovada uma lei de financiamento militar que entre outras coisas afirmava “o sentimento do Senado de que a política de Estados Unidos para América Central deveria ser baseada nos princípios da Doutrina Monroe”.
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Vigência “eterna”
A resolução, em seu resumo de alguns dos momentos históricos em que a doutrina foi invocada, afirma que Monroe continua vigente até os dias de hoje, recordando que a Estratégia de Segurança Nacional datada em outubro de 2022 e a postura oficial do Comando Sul dos Estados Unidos para 2023 destaca a “ameaça de interferência ou coerção estrangeira no hemisfério ocidental” pela China, pela Rússia e pelo Irã.
O senador Jim Risch, o republicano de maior rango no Comitê de Relações Exteriores e um dos patrocinadores da resolução, explicou que “em 1823, James Monroe advertiu aos poderes autocráticos desse tempo que não interferissem nos assuntos das repúblicas independentes de Hemisfério Ocidental. 200 anos mais tarde, a Doutrina Monroe está viva e bem e foi abraçada por virtualmente todo presidente e governo desde que foi implementada”. Advertiu que as ameaças ao hemisfério hoje provêm da China, da Rússia e do Irã e, por isso, ante o 200º aniversário do Doutrina Monroe “estou orgulhoso de introduzir uma resolução reafirmando seu papel como um princípio duradouro da política exterior estadunidense”.
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No entanto, Risch e seus colegas evitaram recordar que a Doutrina Monroe foi historicamente rechaçada por alguns governos recentes, os quais expressaram até um pouco de pena pela existência dessa doutrina. Em 2013 durante o governo de Barack Obama, seu então secretário de Estado John Kerry declarou ante a Organização de Estados Americanos que “a era da Doutrina Monroe acabou”. Insistiu que havia passado o tempo em que Estados Unidos diziam como e quando intervirão nos assuntos de outros Estados americanos, e que a relação que se buscava nas Américas era “entre iguais”, no marco da cooperação.
Mais recentemente, embora sem mencionar de maneira explícita a doutrina, o presidente Joe Biden também expressou que os Estados Unidos já não percebem a América Latina como seu “quintal” e que “não ditamos o que ocorre em outras partes deste continente”.
Mas a resolução introduzida por uma dezena de senadores republicanos – incluindo Marco Rubio, da Florida, John Cornyn do Texas, Chuck Grassley de Iowa – é um eco de dois séculos de justificações de incessantes intervenções no hemisfério, sobretudo a partir de 1898 com a chamada “Guerra contra Espanha” que levou à conquista de Porto Rico, intervenção nas Filipinas e em Cuba. Tão recentemente como durante o governo de Donald Trump, a doutrina foi orgulhosamente reafirmada por seu assessor de Segurança Nacional John Bolton repetindo que “a Doutrina Monroe está viva e bem”.
Essa nostalgia segue presente.
Confira o texto da resolução aqui.
David Brooks e Jim Cason | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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