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Imagem: Captura de tela - Al Jazeera / YouTube

Massacre da farinha: como mídia imperial tentou justificar carnificina de famintos em Gaza

Meios de comunicação ocidentais não existem para noticiar o que ocorre no mundo, mas para criar consenso quanto à estrutura de poder mundial que sustenta
Rafael Poch de Feliu
Caitlin Johnstone Blog
Sidney

Tradução:

Ana Corbisier

No que muitos chamam de Massacre da Farinha, pelo menos 112 habitantes de Gaza morreram e centenas mais ficaram feridos depois que as forças israelenses abriram fogo, em 29 de fevereiro, contra civis muito necessitados que esperavam alimentos de caminhões de ajuda perto da cidade de Gaza.

Segundo as primeiras investigações do Euro-Med Human Rights Monitor, a multidão recebeu disparos tanto de fuzis automáticos das FDI como de tanques israelenses, e dezenas de feridos de bala foram hospitalizados depois do incidente.

Claro, a versão israelense dos fatos foi mudando ao longo daquele dia, à medida que os responsáveis pela narrativa buscavam enquadrar a informação disponível publicamente de forma a não prejudicar os interesses das relações públicas de Israel. Atualmente, Israel admite que as tropas das FDI dispararam contra a multidão, depois de ter negado previamente, mas afirma que não foi isso que causou a maioria das vítimas, dizendo que na realidade foram os palestinos pisoteando-se uns aos outros em uma “explosão” humana, o que lhes causou dano. Em essência, o argumento atual é: “Sim, disparamos, mas não morreram por isso”.

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As FDI afirmam que as tropas israelenses só começaram a disparar contra os palestinos porque os soldados “se sentiram ameaçados” por eles, o que demonstra que não há atrocidade que Israel possa cometer em que não apresente a si mesmo como a vítima. O ministro israelense de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, aproveitou a oportunidade para elogiar as IDF por sua heroica luta contra os perigosos palestinos e argumentar que o incidente demonstra que é demasiadamente perigoso continuar permitindo a entrada de caminhões de ajuda em Gaza.

A máquina israelense de tergiversar sobre esta atrocidade foi terrível, mas a mídia imperial ocidental foi ainda pior. A ginástica verbal que realizaram em suas manchetes para evitar dizer que Israel massacrou pessoas com fome que esperavam alimentos seria realmente impressionante se não fosse tão macabra.

Enquanto os habitantes de Gaza com fome se comprimem em um comboio, um amontoado de corpos, disparos israelenses e um saldo mortal“, reza uma manchete do New York Times, como o resumo de um episódio de uma série de mistério e assassinato da Netflix.

A caótica distribuição de ajuda torna-se mortal quando funcionários israelenses e habitantes de Gaza trocam culpas“, diz uma manchete indecifravelmente críptica do The Washington Post.

Biden diz que as mortes relacionadas à ajuda alimentar em Gaza complicam as conversações sobre o cessar-fogo“, diz o The Guardian. “Mortes relacionadas com a ajuda alimentar”? Sério?

Mais de 100 mortos enquanto a multidão espera ajuda, segundo o Ministério da Saúde dirigido pelo Hamas“, diz uma manchete da BBC. A cadeia estatal britânica utiliza aqui uma tática já provada para pôr em dúvida a contagem de mortos associada deliberadamente ao Hamas, apesar de que a contagem de mortos do Ministério da Saúde de Gaza é considerada tão confiável que os serviços de inteligência israelenses a utilizam em seus próprios registros internos.

Pelo menos 100 mortos e 700 feridos em um incidente caótico“, diz a CNN, como se estivesse descrevendo uma festa de amigos que saiu do controle.

Carnificina em um centro de ajuda alimentar de Gaza em meio a disparos israelenses“, reza outra manchete da CNN, como se carnificina e disparos israelenses fossem dois fenômenos não relacionados que, por azar, ocorreram quase ao mesmo tempo.

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A CNN também se refere repetidamente à matança como “mortes por ajuda alimentar”, como se fosse a ajuda alimentar que os matou e não os militares de uma potência estatal muito concreta e muito bem identificada.

(Provavelmente valha a pena dizer, aqui, que o pessoal da CNN esteve informando anonimamente, por meio de outros meios de comunicação, que houve uma pressão de cima, singularmente agressiva, dentro da cadeia, para tergiversar a informação fortemente a favor dos interesses israelenses de informação, impulsionada em grande medida pelo novo diretor-geral Mark Thompson).

Isto é o que ocorre quando a mídia imperial informa sobre um massacre israelense, caso você tenha curiosidade e não tenha estado prestando atenção desde 7 de outubro ou nas décadas que o precederam. Os serviços de propaganda da imprensa ocidental operam de uma maneira que não se distingue do domínio em tergiversação praticado pelos funcionários dos governos ocidentais, mostrando o império ocidental e seus aliados com uma luz positiva e seus inimigos com uma negativa.

Isto ocorre porque os meios de comunicação ocidentais não existem para informar sobre o que ocorre no mundo, e sim para criar consenso quanto ao status quo político e à estrutura de poder mundial que sustenta. A única diferença entre nossa propaganda e a propaganda de uma ditadura impiedosa é que as pessoas que vivem em uma ditadura sabem que estão sendo alimentadas com propaganda, enquanto os ocidentais são treinados para acreditar que estão ingerindo informação imparcial baseada em fatos.

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No entanto, a demolição de Gaza está alertando cada vez mais ocidentais sobre o fato de que isto está ocorrendo, porque quanto mais flagrantes são as atrocidades, mais torpe tem que ser a máquina de propaganda para encobri-las. Inclusive está abrindo os olhos dentro da própria máquina de propaganda, que é a razão pela qual estamos vendo coisas como o pessoal da CNN denunciando seu próprio diretor-geral e o pessoal do New York Times dizendo a The Intercept que seus chefes cometeram uma negligência jornalística extremamente atroz na produção de propaganda alegando violações massivas por parte do Hamas no 7 de outubro.

A única coisa boa do que está ocorrendo em Gaza é que está despertando os ocidentais para o fato de que tudo o que lhes contaram sobre sua sociedade, seus meios de comunicação e seu mundo é mentira. Estão aparecendo rachaduras na ilusão, e quem se preocupa com a verdade, a paz e a justiça tem que ajudar a chamar a atenção para elas. A partir daí, a mudança real torna-se uma possibilidade genuína.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Rafael Poch de Feliu

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