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ToggleLuiz Inácio Lula da Silva enfrenta um desastre ambiental sem precedentes no Rio Grande do Sul agravado por duas bombas-relógio deixadas por Jair Bolsonaro e seus acólitos: a divulgação possivelmente orquestrada de fake news para causar pânico e o desmonte da estrutura do Estado com que fazer frente às tempestades cada vez mais frequentes em razão da mudança climática.
O presidente estabeleceu uma sala de situação no Palácio do Planalto, em Brasília, de onde é acompanhada em tempo real a crise metereológica do estado situado no extremo sul do país, limítrofe com Argentina, Uruguai e Paraguai, onde morreram 151 pessoas e outras 104 estão desaparecidas, de acordo com o informe divulgado pela Defesa Civil estadual.
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Há, ainda, 1,1 milhão de cidadãos gaúchos afetados, entre eles 537 mil deslocados, disseminados em 446 cidades do estado, incluindo a populosa capital Porto Alegre, situada na região leste, ao nível do mar, para onde continuam descendo as águas originadas nas serras da área central.
Como ocorre em outras grandes metrópoles brasileiras, na capital gaúcha, há várias favelas onde milhares de habitantes que, apesar de ter suas moradias inundadas, hesitam em abandoná-las por temor aos saques que estão na ordem do dia.
Ricos e pobres
Nos últimos dias, mais de sessenta pessoas foram presas por policiais militares e agentes municipais que percorrem a cidade em botes infláveis. Nos bairros de classe média alta este patrulhamento é reforçado por guardas privados.
Lula comentou que há décadas, sendo ainda adolescente, sofreu junto a sua mãe e irmãos a tragédia de ver a casa que alugavam no interior de São Paulo, onde dividiam o banheiro com um bar, ser coberta pelo lodo e pela água. O ex-operário, que está há um ano e meio em sua terceira presidência, compadeceu-se daqueles que estão enfrentando esta “calamidade” . Não é justo que os “pobres” estejam condenados a viver em casas precárias expostas às inclemências do tempo, indignou-se.
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E comparou o emprego de funcionários e recursos que seu governo está realizando para enfrentar os estragos das chuvas, que no domingo (12) voltaram a castigar parte da estado, com a frivolidade demonstrada por Bolsonaro, durante os temporais ocorridos três anos atrás no estado da Bahia, no humilde nordeste brasileiro.
“Lembro que quando houve aquelas inundações na Bahia, o presidente da República continuou passeando em um jet sky” durante umas férias que se negou a suspender para visitar as vítimas, disse o atual mandatário.
Farto de fake news
Enquanto Lula comanda a crise a partir do Planalto, o ministro de Comunicação Social, o gaúcho Paulo Pimenta, estabeleceu-se em Porto Alegre para onde viajaram outros membros do gabinete, como Marina Silva, titular de Meio Ambiente e Mudança Climática, José Múcio Monteiro, chefe da Defesa e Nícia Trindade, responsável pela Saúde. Ali também está trabalhando a deputada gaúcha Maria do Rosario, segura candidata à prefeitura portalegrense nas eleições de outubro.
Além de coordenar os ministros que viajam para o sul e fazer o levantamento das cidades com necessidades imperiosas, Pimenta está travando uma guerra contra a campanha de mentiras nas redes sociais orquestrada a partir da fortaleza bolsonarista.
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“Estou farto de fake news”, explodiu Pimenta, que Lula tem como um de seus homens de confiança há anos, principalmente a partir dos dezoito meses que passou na cadeia (entre 2018 e 2019) como preso político do ex-juiz Sergio Moro e de seu procurador Deltan Dallagnol, no caso de lawfare conhecido como Lava Jato.
“Há fake news criminosas, que envolvem temas de saúde pública, outras que prejudicam o trabalho de resgate. Eu respeito a liberdade de expressão, mas, ao mesmo tempo, pedimos à Polícia Federal que identifique (os responsáveis) por estas ações”, anunciou Pimenta.
Mentiras vindas de Washington
Entre os políticos que estão na mira da Polícia Federal destaca-se o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, que acaba de realizar uma viagem à Hungria, onde participou da cúpula da Conferência de Ação Conservadora (CPAC) e aos Estados Unidos. De Washington postou notícias falsas sobre as inundações, além de repetir o leitmotiv ultradireitista segundo o qual no Brasil há um regime “autoritário” em queda acelerada para uma ditadura.
Junto ao filho de Jair Bolsonaro, estava em Washington o ex-procurador Dallagnol (homem central na causa Lava Jato). Dallagnol repetiu quase em uníssono com Eduardo Bolsonaro as notícias fraudulentas sobre as ações do governo lulista no Rio Grande do Sul e em relação à “ditadura” que se aproxima. O tom de Bolsonaro filho foi mais policialesco, já que ele se formou na Polícia Federal, enquanto Dallagnol usou um estilo quase messiânico, por seu caráter de militante evangélico acostumado a adornar seus embustes com citações bíblicas.
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Dezenas de deputados do Partido Liberal, ao qual pertencem Jair e Eduardo Bolsonaro, se aliaram à campanha de desinformação que teve um impacto importante na opinião pública nacional e mais ainda na gaúcha, reconheceu o ministro Pimenta. Segundo uma pesquisa da consultora Quaest, publicada no domingo, três de cada dez brasileiros disseram haver recebido alguma notícia falsa sobre as inundações. O diretor desta agência, Felipe Nunes, explicou que parte dos 70% restantes é formada por cidadãos que leram essas falsidades e as tomaram como certas.
A este dado que preocupa o governo soma-se outro, alentador para Lula. A pesquisa de Quaest diz que a aprovação do líder do Partido dos Trabalhadores subiu 7 pontos, chegando a 47% na região sul (estados de Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina), a zona mais antipetista do país. A melhora foi atribuída às medidas adotadas pelo mandatário frente ao dilúvio e às duas viagens que realizou às zonas inundadas num espaço de quatro dias. De todo modo, o Sul, uma zona rica e de maioria de população branca, continua sendo bolsonarista, sendo que 52% rejeitam Lula. A imagem negativa do presidente de centro-esquerda no sul continua sendo alta, mas caiu 5% em relação à medição anterior, feita em março.
Bomba sem desativar
Se as notícias falsas são a primeira bomba com que o bolsonarismo boicota o resgate dos afetados pelas inundações iniciadas há duas semanas, a segunda bomba é o esvaziamento das estruturas estatais para fazer frente aos desastres climáticos.
Ao abandonar o Planalto, no final de dezembro de 2022, Jair Bolsonaro deixou apenas 25 mil reais (menos de 5 mil dólares) no orçamento geral da União destinados à prevenção de desastres naturais em todo o país. Ou seja, o governo lulista, iniciado em janeiro do ano passado, teve pouquíssima margem de manobra para adotar medidas contra as cada vez mais frequentes tempestades. Em 2023, cerca de 70 pessoas morreram pelos deslizamentos de terras em razão das chuvas atípicas no litoral de São Paulo e outras 54 perderam a vida por causa de um ciclone extra tropical precisamente no Rio Grande do Sul.
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Apesar das evidências sobre a mudança climática, o ex-capitão Bolsonaro disse que esta não existe ao falar em vários fóruns internacionais, onde também negou os incêndios na Amazônia. E não é só isso: reduziu os recursos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e esvaziou o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), órgão que, entre outras funções, deve fiscalizar e eventualmente sancionar delitos contra a natureza.
Esta mesma política negacionista que anulou a capacidade de ação do estado nacional foi replicada em vários governos estaduais, especialmente nos do sul, e em particular no Rio Grande do Sul. O governador direitista desta província sulista, Eduardo Leite, removeu quase toda a legislação contra o desmatamento e cortou os recursos para atuar frente a tempestades. Por sua vez, o prefeito de Porto Alegre, Sebastiao Melo, bolsonarista sem claudicações, reduziu o orçamento destinado à manutenção dos diques de contenção que rodeiam a capital gaúcha, que neste domingo estava literalmente debaixo d’água.