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Acordo cancelado: Ruanda transforma fundos britânicos de deportação em investimentos para o país

Mediante a criação de centros para os solicitantes de asilo, o líder de Ruanda abriu a porta a um sistema inédito que atrai líderes europeus para solucionar seus problemas de gestão migratória
David Soler Crespo
El Diário.Es

Tradução:

Ana Corbisier
O primeiro-ministro Keir Starmer

Não tinham se passado nem 48 horas desde que o trabalhista Keir Starmer vencesse com maioria absoluta as eleições de 4 de julho no Reino Unido e já tinha clara sua primeira medida: “O plano de Ruanda estava morto e enterrado antes de começar”, afirmou, fazendo referência ao polêmico Acordo de Associação sobre Migração e Desenvolvimento Econômico, pelo qual o Governo britânico buscava enviar solicitantes de asilo a Ruanda – mesmo que não procedessem deste país – e que foi um fiasco para seu predecessor, o conservador Rishi Sunak.

No entanto, onze dias depois da derrota eleitoral de Sunak, sua contraparte no acordo, o presidente ruandês, Paul Kagame, foi às urnas e tudo parece indicar que ele não será prejudicado pelo fim do pacto com o Reino Unido.

Kagame obteve um quarto mandato que solidificará seu poder em um país que se modernizou com base em uma mão de ferro. Em 2017, ele ganhou com 99% dos votos e, em um espaço político fechado, neste ano repetiu números semelhantes.

O mandatário competiu com dois rivais minoritários e benevolentes com o regime: Frank Habineza, do Partido Democrático Verde, que obteve 0,53% de votos; e Philippe Mpayimana, que conseguiu 0,32% e colaborou com o Governo de Kagame.

Segundo a ONG Anistia Internacional, as eleições foram realizadas em um contexto de repressão: “A oposição política continua enfrentando graves restrições a seu direito à liberdade de associação, assim como ameaças, detenções arbitrárias, processos por acusações falsas, assassinatos e desaparecimentos forçados. A sociedade civil independente e os meios de comunicação também enfrentam numerosos ataques, intimidação, assédio e represálias por seu trabalho”.

Um quarto mandato assegurado

Os opositores mais beligerantes foram vetados, com Victoire Ingabire à frente. A líder das Forças Unidas Democráticas de Ruanda voltou do exílio para participar das eleições em 2010, mas ainda não conseguiu estar nas cédulas.

Primeiro foi presa e condenada a 15 anos de prisão em um processo considerado “político”. Em 2018, foi libertada depois de obter o perdão presidencial, mas sua condenação impediu que fosse candidata neste ano. Ingabire alega que Kagame “tem medo dela” porque representa uma “maioria silenciosa”. Agora, sua equipe lançou uma petição para que a deixem sair do país para ver sua família.

Em 2015, Kagame mudou a Constituição do país para poder optar por um terceiro mandato. Este será o quarto. E não o fará tampouco ante a ausência de alternativas e um grande apoio popular. O presidente conseguiu modernizar um país cujas ruas estão impolutas. Tampouco há rastro público do ódio entre vizinhos que derivou em uma guerra civil e no genocídio contra os tutsis em 1994. Em Ruanda, todos se calam para seguir vivendo em paz.

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“Kagame é popular porque lhe atribuem a paz e a estabilidade de que Ruanda desfrutou desde o genocídio. Dito isto, a maioria dos ruandeses também considera que Kagame e a Frente Patriótica Ruandesa, partido que o ditador governa, são demasiado controladores e desejam uma maior liberdade de expressão”, diz a elDiario.es Phil Clark, professor da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres (SOAS).

O presidente conseguiu limpar a imagem de seu país na base de um sistema de serviços sociais efetivo, uma união imposta à força e uma imagem de marca que atrai a comunidade internacional, que prefere não ver a perseguição à oposição nem a violação dos direitos humanos e liberdades básicas. Para o Norte Global, Kagame é um solucionador de problemas.

Um acordo que reforça sua imagem política

O acordo com o Reino Unido era o último passo do ambicioso plano do presidente para colocar seu país como sócio preferencial do Ocidente. Kagame abria um caminho para solucionar o quebra-cabeça de muitos dirigentes europeus: a migração irregular a partir da África.

O acordo se rompe agora sem que nenhum avião com solicitantes de asilo tenha saído do Reino Unido rumo a Ruanda e com uma sentença do Tribunal Superior britânico que considerou que há um risco real de que os direitos humanos destas pessoas sejam violados e que sejam devolvidas a países perigosos.

Tudo isso poderia complicar a situação para um governante de 66 anos que leva trinta no poder, mas não só não será assim, como reforçou seu poder e imagem.

“Em última instância, Ruanda continua sendo um vencedor do acordo migratório”, diz o professor da SOAS. “A contribuição do Reino Unido, que ronda os 300 milhões de libras, foi uma importante injeção de financiamento para uma economia pequena como a de Ruanda”, acrescenta.

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Até agora, Ruanda recebeu 320 milhões de euros e, apesar da revogação do plano, o Governo anunciou que o acordo não incluía uma cláusula para devolver os recursos. O último pagamento de 60 milhões de euros chegou em abril e, depois da ruptura do trato, o Reino Unido só economizará dois pagamentos anuais como este nos anos seguintes.

“Ruanda utilizou isso para estabelecer uma infraestrutura migratória que agora espera utilizar em outros acordos migratórios com os Estados do Norte Global”, assegura Clark.

O Governo ruandês já tinha criado centros para os solicitantes de asilo e, embora não vá receber ninguém agora, Kagame saiu ganhando. O líder abriu a porta para um sistema inédito que atrai os europeus para solucionar seus problemas de gestão da migração irregular.

“Ruanda demonstrou ser um sócio capaz, pronto para implementar o tipo de sistema migratório subcontratado que provavelmente se torne a norma global nas próximas décadas”, diz o professor.

Dinamarca e Áustria já mostraram interesse. “Ruanda utilizou o acordo com o Reino Unido para tornar-se o líder africano neste âmbito, o que lhe outorga uma importante influência diplomática e poderia vir a ser muito lucrativo”, acrescenta. “De qualquer maneira, não podia perder”. Kagame nunca perde.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Soler Crespo

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