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Manifestação contra Dina Boluarte em 14 de agosto (Foto: @WaykaPeru / X)

Peru: aumento para militares e Congresso, rejeitos e água contaminada para o povo

Quem detém o poder no Peru pensa que pode perpetuar sua gestão sentado sobre as baionetas, por isso privilegia seus seguranças e atiradores de elite
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

“Fazer seu agosto”.

Essa é uma expressão conhecida que vem da Idade Média e que se origina no mundo rural. Resume dois elementos: semear antes e colher depois, quando a temporada for boa. E no hemisfério norte, o mês de agosto é propício para isso. Lá, seu sentido é mais completo quando os agricultores colhem uma grande quantidade de cereais.

Costumam dizer: “Fazer seu agosto”, ou seja, colheitas totais e ganhos proveitosos. Por isso, a frase tem vínculo com o idioma castelhano e é mencionada por Cervantes em “La Gitanilla”. Sempre a frase tem sentido comercial, afã de negócio e olhar lucrativo: planta para ganhar.

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Bem, isso é o que pode ser atribuído a quem hoje tem as rédeas do poder no Peru. Só que, no caso, a semeadura é mais bem duvidosa: não semearam semente boa, mas estrume, porém “fazem seu agosto” colhendo a mãos cheias o que seu desejo de lucro permite obter, mesmo que seja de forma desonesta. Vejamos:

O que poderia ser considerado o “rush final” da camarilha que detém o Poder é o discurso presidencial de Festas Pátrias. Anódino e frouxo, o texto lido durante cinco horas, não só fez dormir profundamente o Chanceler no hemiciclo. Também serviu para adormecer os peruanos a fim de que não notassem enunciados antinacionais e propostas contrárias ao senso comum. O projeto Tia María é um deles.

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Converter o fértil Vale de Tambo em uma mina complementada com ásperas estradas para transportar mineral em benefício da Southern é uma provocação grosseira e tem recebido rejeição decidida de todo o sul do Peru. Trata-se da principal reserva alimentar do sul andino, e não será entregue à voracidade de uma empresa cuja única arte foi ganhar a vontade dos governantes para obter uma “licença de exploração” que a lei não reconhece.

Mineradoras, Congresso e Fujimori buscam “fazer seu agosto”

À sombra desse projeto, as mineradoras buscam “fazer seu agosto”. Para elas, concessões, e para os povos, rejeitos e águas contaminadas. Por isso, os conflitos de hoje: Ayacucho, La Libertad, Junín, Arequipa levam esse nome.

Quem detém o Poder pensa que pode perpetuar sua gestão sentado sobre as baionetas. Nesse entendimento e na mesma mensagem, anunciou aumento de salário para membros das instituições armadas e da polícia. Uma maneira de proteger seus seguranças e os atiradores de elite que o acompanham sempre que dá a cara. Eles trabalharam o ano todo para fazer seu agosto.

Outros que fizeram isso foram os congressistas, e mais precisamente os membros da nova Mesa Diretiva do Congresso, 5 pessoas que dispõem de 46 assessores. Gastarão 414 mil soles cada mês apenas em salários para eles. A decisão confirma o que já foi dito: os congressistas fazem o que bem entendem. Por isso aprovaram “a pensão” para Fujimori. Já a concederam em julho com gratificação incluída. Só falta a “reintegração”: 14 anos, soma algo mais de 4 milhões de soles.

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Além disso, aprovaram uma lei que consagra a mediocridade universitária. Será perpétua. A partir de hoje, a SUNEDU não fiscalizará nada. Se alguém concebeu a ideia de uma “Reforma Universitária” para melhorar a qualidade do ensino, poderá dormir o sono dos justos. Ela se converteu em quimera.

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O que não resulta uma quimera é a impunidade para os crimes de Lesa Humanidade e os crimes de guerra cometidos no Peru nos “anos de violência!”. A lei foi aprovada e o Executivo não a promulgou. “Lavou as mãos”, como dizem que fez Pilatos, para não se ver comprometido com nada.

E aí ficou seu gesto, porque o Poder Legislativo promulgou a disposição e a publicou em “El Peruano”, para beneplácito dos assassinos que logo haverão de recuperar sua liberdade, ou simplesmente sua tranquilidade, porque – protegidos pelo lado terrorista – nunca estiveram atrás das grades.

Meios de comunicação e a ultradireita já “fizeram seu agosto”

Mas também “fizeram seu agosto” os meios de comunicação e a ultradireita com o tema Venezuela. E ainda continuam na mesma. Tarde, manhã e noite, RPP e os Canais de Televisão nos mostraram “os protestos”, a “repressão”, a “fraude” em todas as suas variantes e cores. E as declarações de “líderes”, “especialistas” e outros, justificando o mesmo. Ainda não se resignam.

Já os Estados Unidos o fizeram. Diante do anúncio da Venezuela de transferir sua riqueza aurífera e petrolífera para “países amigos” antes de permitir que caia nas mãos de seus adversários históricos, Washington recuou: já não reconhece Edmundo González. Agora está “por um acordo” como propõem Brasil, México e Colômbia.

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Algo parecido ocorreu com Milei. Consultou seus cachorros e teve um mínimo de inteligência política. Para variar, andou e desandou. Mas Dina Boluarte está até negada para isso. Deverá recorrer à Inteligência Artificial. A natural, não se sabe o que é isso.

De repente, ficaram doentes: o titular do Interior teve “soroche”. Angel Manero, titular de Agricultura, uma estranha doença. E Dina foi afetada “por razões de força maior”, o que privou a população da esperada vaia nos pampas de Junín. Nestes tempos de péssimo clima, a ultradireita e suas máfias estão realmente “fazendo seu agosto”. Estão colhendo o que plantaram com urtiga e esterco. Por isso, sua colheita é intragável.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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