O conteúdo do telefone celular do, até há pouco tempo, prestigiado advogado penalista Luis Hermosilla Osorio (68) — em prisão preventiva há dez dias, depois que uma juíza o considerou “um perigo para a sociedade” —, foi convertido em uma Caixa de Pandora que sacode as elites do poder político, judicial e empresarial no Chile.
“A gravidade dos delitos e suas consequências, tanto no âmbito institucional como no mercado financeiro, configuram delitos muito ofensivos que fazem que, definitivamente, a liberdade dos acusados seja um perigo para a segurança da sociedade”, afirmou a magistrada Mariana Leyton Andaur ao enviá-lo a prisão.
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Revelou-se que no aparelho, requisitado por ordem judicial e pesquisado pela Polícia de Investigações (PDI), há mais de 777 mil mensagens de WhatsApp, que revelam uma escandalosa prática de tráfico de influências, conflitos de interesse e prováveis delitos de suborno, tráfico de notas fiscais falsas, lavagem de capitais, evasão de impostos, citando apenas alguns.
O caso não é novo, explodiu em novembro de 2023, quando veio à tona um áudio em que Hermosilla, uma associada e um cliente — agora também presos — tramavam financiar um “caixa preta” para corromper funcionários públicos e destruir evidência, diálogo em que fica claro que o sugerido constitui crimes.
A sequela imediata foi a destituição, formalizações e prisão do então diretor da PDI, Sergio Muñoz, que fornecia a Hermosilla informação confidencial acerca de diligências policiais.
Desde então, houve mais vazamentos que competem em escândalo, pois são evidências de como o advogado tramava esquemas para influenciar a nomeação de juízes — que depois julgariam casos nos quais ele seria litigante —; do Procurador Nacional tentando impor seu favorito; de suas relações transversais com o espectro político; de sua conivência com Andrés Chadwick, ministro do Interior do falecido ex-presidente Sebastián Piñera; de seu lobby em torno deste, etc., etc.
Hermosilla (56) tem um passado nas juventudes comunistas, mas terminou próximo à direitista União Democrata Independiente (UDI), tanto que assumiu a representação da família do senador assassinado Jaime Guzmán Errázuriz, um ideólogo do pinochetismo e autor da constituição neoliberal, baleado en 1991 pela Frente Patriótica Manuel Rodríguez Autônoma.
Mas a expectativa em torno do que está por vir se multiplicou quando a defesa de Hermosilla, liderada por seu irmão Juan Pablo, pediu cópia das mensagens ao Ministério Público e prometeu tornar público todo o material que não for conversas e contatos de âmbito pessoal, assim como com clientes, já que se aplica o segredo profissional.
“O restante, enquanto não for informação do mundo profissional e do mundo privado, para deter o que está acontecendo, que são vazamentos intencionais por parte do Ministério Público, tentaremos abrir o maior número possível de informações”, disse.
“Não sei quantas páginas são para que possamos começar a liberar, vai demandar tempo. Somos um grupo reduzido a cargo da causa, vamos agir com maior celeridade e na medida em que formos descobrindo, vamos afinando os critérios”, agregou.
Quando perguntado se entre o que será tornado público incluirá trocas com políticos e membros do Poder Judiciário, respondeu que “com todos, porque senão vão me acusar do que estou reclamando: o cherry picking”, ou seja, não revelará casos específicos que favoreçam uma postura.
“Vamos publicar as listas: tal juiz, tal promotor, tal ministro, vamos dar a data e informações genéricas do tema para que eles forneçam a primeira versão”, explicou, ao mesmo tempo em que instava a reformar integralmente o Poder Judiciário, pois agora facilita o tráfico de influências, cujo irmão acusado “não era o único” a praticá-las, ameaçou.
Na quinta-feira (5), a promotoria entregou a ele o material em um CD e foi iniciada a contagem do tempo.
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