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Protesto em defesa de direitos básico como saúde e alimentação. Buenos Aires, 17 de setembro (Foto: UTEP)

Mulheres argentinas, em luta contra o projeto neofascista de Milei

O segredo na Argentina e em cada um de nossos países será descobrir os conteúdos e as palavras de uma convocação clara para que nós mulheres participemos efetivamente da construção do pós-fascismo
Juliana Marino
REDH - Red en Defensa de la Humanidad
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

Em 2 de setembro fez dois anos da tentativa de magnicídio contra a ex-presidente da Argentina Cristina Fernández de Kirchner, enquanto exercia seu cargo de vice-presidente. Ainda hoje a Justiça leva adiante um processo inapropriado e manipulado em relação à gravidade do fato, com encobrimento de instigadores e financiadores e o jornalismo se pergunta se devemos considerar o assassinato como uma “etapa superior do lawfare”. Fascismo em estado puro.

Enquanto esta simulação de Justiça se desenvolve frente à apatia social generalizada, o governo nacional e seus ministros levam ao extremo seus discursos e seus métodos fascistas de exercício do poder. Fazia um longo tempo que o conceito não circulava com tanta assiduidade e legitimidade pelos canais do pensamento intelectual e político do país para qualificar a natureza da etapa, mas está em desenvolvimento uma consciência — bastante extensa — acerca de que o exercício do poder na Argentina está manifestando claramente algumas das piores características e métodos do fascismo ou neofascismo.

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É fundamental na tarefa da batalha cultural explicar e identificar nitidamente um plano sistemático de estigmatização e perseguição das forças populares (brutalmente torturadas e assassinadas em nossa história), gerador de pobreza e de ausência de garantia de direitos, entregador das riquezas nacionais e subordinado de forma desavergonhada a interesses imperialistas. Sabe-se por experiência histórica que os mecanismos de ódio fizeram parte dos esquemas fascistas e nazistas a fim de desumanizar aqueles que estes esquemas se propõem “fazer desaparecer”.

As mulheres — que é de onde estou falando como muito especialmente afetadas — consideramos que a experiência extremista argentina reúne estas características ao buscar destruir em geral tudo o que não lhe é próprio, com crueldade e sadismo, amedrontando e subjugando. No caso dos distintos “inimigos” culturalmente construídos, como o Feminismo, eliminando todo vestígio dos direitos conquistados em nossa inconclusa revolução anti patriarcal.

Desmonte do Estado

Eliminação do Ministério de Mulheres, Gêneros e Diversidade, eliminação do Instituto Nacional de Antidiscriminação, Racismo e Xenofobia, eliminação de todas as políticas públicas de apoio às vítimas de violência, de apoio ao acesso ao trabalho para as mulheres, à assistência à maternidade e tarefas de cuidado, à saúde sexual e reprodutiva, ao tráfico de pessoas e às violências sobre as diversidades e identidades sexuais. Em recente apresentação do Ministro de Justiça interpelado pela Comissão de Mulheres, Gêneros e Diversidade da Câmara de Deputados da Nação, toda sua exposição constituiu um exemplo desta exibição de domínio e intolerância e de tentativa de aculturação de valores de igualdade e democratização preservados e defendidos nas últimas décadas.

À tentativa de estigmatização de nossas lutas com o “significante” de “ideologia de gênero”, somou-se a negação da especificidade da violência de gênero que mata uma mulher por dia em nosso país, a “patologização” das pessoas LGBTIQ+, o reconhecimento de uma única forma “natural de família” e a postulação de valores tradicionais que perpetuam os estereótipos de gênero e definem a mulher por sua “missão reprodutora” apresentados pelo Ministro como valores hegemônicos, descumprindo desta maneira os princípios estabelecidos na Constituição argentina.

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Neofascismo como prática

O contexto deste neofascismo é uma sociedade que desconhecemos, um governo que nos declarou suas inimigas e mudanças culturais cuja profundidade e alcances temos medo de medir, com estigmatizações e políticas reacionárias em matéria de educação e devastação cultural, desproteção e abandono, estimulados por um governo irresponsável e violento. Isto é violência de Estado e ruptura da noção de comunidade.

O neofascismo como prática fomentada de dissolução dos laços sociais está desafiando nossa capacidade de reação e de recuperação dos vínculos perdidos com a sociedade, com a política, com a cultura como única ferramenta de convocação e de abrigo. Não ignoramos que fazemos parte de um projeto mundial no marco do declínio do capitalismo em sua etapa mais aleivosamente desigual, exploradora e aniquiladora, razão pela qual enquadrar os acontecimentos políticos de nossos países e as ações a empreender em um movimento que gere uma cultura antifascista é uma tarefa gigantesca. Não por acaso fomos escolhidas como inimigas.

Perseguem nossa capacidade de rebeldia, nossa aptidão para a organização popular, nossa articulação intergeracional e nosso paradigma de equidade e paz. Desde a transição democrática na Argentina fomos formando um sujeito político extraordinário, capaz de produzir enormes avanços na legislação protetora de nossos direitos e o acúmulo de nossa experiência social nos fez atrizes insubornáveis para as quais a palavra revolução não perdeu vigência e é a alma de nossa façanha. O segredo na Argentina e em cada um de nossos países será descobrir os conteúdos e as palavras de uma convocação clara para construir o pós-fascismo, definindo e tornando audíveis para todas as gerações e setores sociais quais são as ideias e os valores mais concretos e relevantes que possam salvar a humanidade.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juliana Marino

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