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Imagem: Wasfi Akab / Flickr

Eleição nos EUA: neoliberalismo, desilusão popular e o voto de vingança

Últimos 40 anos de neoliberalismo praticado tanto por republicanos quanto por democratas deixaram nos EUA um saldo cruel de desigualdade e frustração
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A disputa presidencial continua muito acirrada nos EUA, e a eleição promete ser um caos neste suposto “farol democrático” do mundo. A maior pergunta a cerca de cinco semanas da eleição é: como é possível que haja um empate técnico? Repetidamente tenta-se analisar e entender como um criminoso condenado, abusador sexual, empresário culpado de fraude, que diz que não respeitará as regras eleitorais e que até tentou um golpe de Estado, pode estar empatado e ter chances de ganhar. Mas talvez não tenha a ver com ele.

A razão pela qual muitos dizem que votarão nele, apesar de seus pecados, é justamente porque ele não respeita o jogo, e o jogo é algo que já cansou amplos setores do país – a maioria não confia em seu governo, nem em muitas das chamadas instituições democráticas. É um jogo democrático que há muito tempo perdeu sua credibilidade, prometendo tanto para todos, mas acabando por entregar tanto para apenas alguns poucos.

Não é tão complicado: nas pesquisas, as maiorias desejam boas escolas, acesso a serviços médicos, empregos com salários dignos, um manejo humano da migração, ar e água pura, serviços básicos e infraestrutura que funcione. Na prática, todo político prometeu tudo isso, apenas para, ao longo dos anos e décadas, não cumprir.

Aqui, no país mais rico da história, a ganância envenenou quase tudo. Os últimos 40 anos de neoliberalismo praticado tanto por republicanos quanto por democratas deixaram o saldo tão conhecido em tantos países que aplicaram a mesma receita. E tudo se resume a algo muito simples: há alguns poucos ricos mais ricos do que nunca, e há mais pobres, ou aqueles à beira da pobreza, do que nunca. Aqui, a desigualdade econômica nunca foi tão extrema em um século, na época anterior à Grande Depressão.

Números da desigualdade nos EUA

No país mais rico do mundo, mais de uma em cada oito pessoas (cerca de 47 milhões) não têm acesso a alimento suficiente para elas ou suas famílias, segundo dados oficiais. Os bilionários desfrutaram de um aumento de 88% em sua fortuna coletiva apenas nos últimos quatro anos, alcançando 5,529 trilhões de dólares. No país mais rico do mundo, quatro administradores de fundos especulativos ganham mais do que 120 mil professores de jardim de infância juntos, relata Robert Reich, que conclui: “algo está terrivelmente errado”.

Para milhões, este país não cumpre suas promessas, já não funciona. E um candidato presidencial diz isso repetidamente. Isso ressoa, apesar de quem está dizendo ser um bilionário cujo objetivo é enriquecer ainda mais seus amigos. Ainda ninguém explica bem como é possível que milhões acreditem nele, mas é inegavelmente parte do fenômeno da raiva e até da loucura que a desilusão e tantas mentiras também geram.

Nem Trump, nem Kamala: quem vai seguir no comando dos EUA são os bilionários

Na Convenção Republicana de 2016, onde Trump foi primeiro coroado candidato presidencial em uma eleição que ele venceu, um par de delegados que eram advogados nova-iorquinos e republicanos centristas de longa data explicaram ao La Jornada por que estavam apoiando Trump. “Claro que ele é um mentiroso e um homem com todo tipo de defeitos, mas já não nos importa. Estamos cansados de toda a classe política. Ele é nossa bomba que queremos enviar a Washington para explodir todo esse mundo político”.

Isso não mudou. Mas é alarmante – embora historicamente não surpreendente – que essa desilusão encontre expressão em um palhaço perigoso com um projeto neofascista. A pergunta aqui é: onde está a alternativa? O slogan da candidata democrata é “não vamos voltar” àquele passado que Trump representa, mas também não oferece algo diferente para o futuro.

Por enquanto, em grande medida, a aposta dos anti-trumpistas é que um número suficiente votará contra um mal já muito conhecido. Seria oferecer algo como aquela frase famosa da grande atriz cômica Mae West: “Quando tenho que escolher entre dois males, sempre prefiro o que ainda não provei.”

Bônus Musical: Manu Chao y Willie Nelson – Heaven’s Bad Day

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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