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ToggleHá algum tempo, em uma coluna em que refleti sobre distintos aspectos de nossa engenharia eleitoral que podem estar incidindo sobre partidos e eleitores [1], introduzi a pergunta sobre seus efeitos em torno da construção de lideranças. Ali mencionei como existiam certos incentivos para a personalização da política partidária, dado que o sistema eleitoral vigente, entre outras coisas, dá maior protagonismo aos candidatos únicos, ampliando a influência de fatores pessoais nas eleições.
Isto está de acordo com as regras do jogo eleitoral, mas também com tendências sociais e políticas mais amplas na direção do individualismo e da ruptura de laços coletivos, aos quais não somos alheios.
Naquela oportunidade, e com as eleições internas no Uruguai ainda próximas, afirmei que, ao observar a campanha atual, enfocada em perfis individuais e com menor ênfase na identidade coletiva do partido, parece evidente esta guinada para o personalismo. Isto está de acordo com as regras do jogo eleitoral, mas também com tendências sociais e políticas mais amplas na direção do individualismo e da ruptura de laços coletivos, aos quais não somos alheios.
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Das distintas campanhas em curso, a que mais está explorando este aspecto personalista é a de Andrés Ojeda. No programa de governo do Partido Colorado, pode-se ver a imagem completa de Ojeda na capa, junto aos slogans que o identificam. A estética está completamente centrada no destaque de sua figura, com um tipo de linguagem visual que parece próxima ao catálogo de um produto (algo, por outro lado, típico do desenvolvimento do marketing político, associado ao auge dos partidos profissionais eleitorais). De fato, sua imagem é a única de um (ou uma) integrante de seu partido que se identifica em alguma das 264 páginas do programa, e tampouco aparece mencionado seu companheiro de chapa.
Tomo o programa como um indicador deste elemento personalista por ser o documento que sintetiza a proposta de uma coletividade política. Claro que a proposta vai muito além da apresentação estética, que deveria ser subsidiária do conteúdo, mas dado que a encenação é o que se sobressai e que, em muitos casos, não será menor para os/as eleitores no momento de decidir, creio que não é um elemento superficial para a discussão. Está claro, ainda, que este fator personalista está presente nas distintas peças e atos de campanha, e que é uma aposta central na globalidade do que se oferece. E também em seu alcance e difusão.
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Vejamos rapidamente alguns números para ilustrar o ponto: na página web do Partido Colorado, a notícia sobre o programa de governo (que leva um minuto para ser lido), foi vista 190 vezes, enquanto só em uma das redes sociais de Ojeda, Instagram, um vídeo breve sobre o programa foi visto mais de 32 mil vezes. E este último número é 20 vezes inferior ao das visualizações que teve nesta mesma rede um vídeo de perguntas e respostas que mostra o candidato exercitando-se em um ginásio e que, com uma catarata de reações, foi um dos temas de campanha da semana.
Quanto mais ruído, mais cliques
“A única coisa pior do que falar de alguém é não falar”, escreveu Oscar Wilde no fim do século 19, adiantando-se à lógica com que muitas vezes se movem as redes sociais. Gerar conversa e reações é inclusive mais relevante do que o conteúdo sobre o qual se discute. Nesse sentido, as reações negativas contam tanto quanto as positivas. Se o objetivo é ter visibilidade, o ruído amplifica o alcance.
O spot de Ojeda no ginásio, em que responde a uma série de perguntas que abrangem desde seu signo zodiacal até detalhes de sua vida pessoal e profissional, alcançou uma divulgação muito grande e causou polêmica. Como disse Ojeda, era um dos objetivos que buscava para chegar particularmente ao eleitorado mais “despolitizado”. Uma proporção do eleitorado que podemos assumir que ficará com mensagens deste tipo como fonte principal de informação (o número de 190 visitas à notícia sobre o programa é posterior ao spot, que só no Instagram teve 722 mil visualizações).
Ainda que muitas das reações frente ao spot tenham sido em tom crítico, de toda forma contribuíram para que entrasse na conversa. Eu gostaria de me deter nestas linhas sobre que tipo de conversa se está gerando.
A renovação como marca
Confesso que não me foi fácil chegar a ordenar estas ideias, mas não porque considere que a campanha ou o anúncio publicitário do ginásio careçam de conteúdo político, pelo contrário. O político não é só programático, e há distintas mensagens aqui para analisar. Dada sua popularidade, vou tomar como ponto de partida o spot para explicar a que me refiro.
Primeiro, há a narrativa da renovação [2]. É a leitura explícita que se dá já digerida ao eleitorado no início e no final: “O novo presidente”. Mais difícil é identificar que partido representa se não se tem conhecimento prévio disso. E ainda mais difícil, saindo da leitura linear, interpretar onde está a novidade.
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Mas analisemos esta novidade por níveis. No Partido Colorado, a de junho passado foi uma eleição interna mais em que seu eleitorado apostou em apoiar um tipo de candidatura que disputou a tradicional liderança partidária (já tinha feito isso com Ernesto Talvi e, antes, com Pedro Bordaberry). Poderíamos dizer que, paradoxalmente, ao apoiar Ojeda, o eleitorado colorado está afiançando uma tradição de renovação. Há aqui uma situação que se repete quanto a tentar canalizar esta renovação por meio de figuras, ainda que depois estas candidaturas tenham dificuldade para transformar esse capital eleitoral em uma liderança partidária. São necessários outros processos para transformar candidatos em líderes. E o retorno à política de Bordaberry é um elemento que pode dificultar este processo para Ojeda no curto prazo.
Por outro lado, há a novidade associada à idade do candidato. A renovação como etiqueta que lê a mudança principalmente em chave de mudança geracional também foi central em outra candidatura uma década atrás: a de Luis Lacalle Pou, figura da qual Ojeda busca aproximar-se permanentemente (talvez aqui esteja um dos elementos mais disruptivos do discurso de sua proposta, por ser o candidato único do Partido Colorado). Também naquela oportunidade, a forma de associar rapidamente estas ideias deu-se por meio do performático: Lacalle Pou fez uma pirueta conhecida como “a bandeira”, mostrando assim de forma muito concreta uma combinação de força física e relativa juventude, que contrastava com seus competidores.
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Há vários paralelismos com este episódio que, de certa forma, aludem ao caráter repetitivo de nossa cronologia histórico-eleitoral recente: o episódio viralizou e terminou fazendo parte do spot de Lacalle Pou, que inclusive enquadrou a foto do momento e a pôs em seu escritório. Uma década mais tarde, Ojeda performa a seu modo o gesto (demonstração de força física, recriação de uma situação que parece espontânea e distante do “politicamente relevante”, mas que marca sua campanha, alta receptividade à mensagem na mídia e redes) e até põe um pin em seu feed do Instagram. Quase uma analogia virtual da foto no escritório.
Em um e outro momento, sucede algo significativo pela disrupção de sua visibilidade: a exibição da corporalidade dos candidatos. Em geral, em nossas democracias representativas, o masculino predomina e se assume desde o universal, desde uma abstração que nega a materialidade do corpo. É ao confrontar as exclusões desta construção pretensamente universal que nos perguntamos se há uma dimensão distinta da democracia que não estamos apreciando: quem está ficando de fora? Quando olhamos, por exemplo, a conformação de um Parlamento, quem está e quem não está ali? Assim, esta pretensa abstração universal se visualiza em sua materialidade concreta. E em seus limites.
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No spot de Ojeda, o que fala não é a subalternidade, e sim a encenação de uma forma hegemônica de interpretar o masculino, mas nos códigos em que, em geral, se identifica e valoriza em outros âmbitos por fora dos do sistema político, como os do consumo cultural. Talvez também por isso responde em uma das perguntas do spot que seu filme escolhido “para este momento” é 300 (2006), uma adaptação do cômico de Frank Miller que retrata de uma forma épica a batalha das Termópilas, que em seu momento gerou polêmica por suas licenças narrativas (por exemplo, o diário The Guardian descreveu-a como “uma punhalada na história”) e por sua demonização na representação do “outro”.
Sem desmerecer o filme com uma leitura simplificadora, creio que há também aqui um fio de continuidade com este modelo de masculinidade destacada nos produtos culturais de consumo massivo, em que os heróis são representados como líderes que baseiam grande parte de seus atributos em suas capacidades físicas (que neste contexto épico, além disso, traduzem-se em capacidades militares, em geral bastante afastadas do modelo dialógico de tratar o conflito nas democracias) e, também com a narrativa binária do nós/eles, que caricaturiza a forma de expressão do dissenso.
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A narrativa binária está presente, por sua vez, no segundo spot de perguntas e respostas, que Ojeda definiu como de conteúdo mais político, desta vez em chave “FA versus Coalizão”. Neste spot, em que se define como “um colorado muito coalizacionista”, diz que “o pior para o Uruguai” é “retroceder com a Frente Ampla” e que votar na coalizão é “a única forma de garantir o futuro”. Um nós/eles em chave de identidade antagônica, que deixa de fora a dimensão da ideologia (dimensão que, em termos gerais, tampouco faz parte do relato geral da campanha).
Dez anos não são nada
Na campanha de 2014, o politólogo Gabriel Delacoste tinha analisado aquele fato protagonizado por Lacalle Pou como parte do que entendia como uma renovação da masculinidade hegemônica, que definia como o ideal culturalmente dominante (isto é, o de maior aprovação social) de masculinidade [3]. Esta mudança não era desestabilizadora do modo como tradicionalmente se constroem e se reproduzem as elites políticas. Podia conviver com posições conservadoras nas relações de poder; em termos de gênero, por exemplo.
É significativo que nesta nova etapa de renovação, dentro dos partidos com maior intenção de voto, a colorada seja a única chapa não paritária. E também que esta “nova política” deixe de fora outras lideranças jovens, como, segundo informou Búsqueda, sucede com Desirée Pagliarini, pró secretária de Gênero e Diversidade do Partido Colorado, que teria decidido não integrar a chapa de seu setor para a Câmara de Representantes em Montevidéu por discrepâncias com a liderança do candidato.
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Com isto, não quero dizer que esta mudança geracional não represente uma mudança em certos aspectos, nem que esse processo se dê sem resistências nem tensões no sistema, onde o status associado à idade elevada da direção é um valor, mas está dentro das mudanças esperadas, as inevitáveis, que podem ser vistas com bons olhos e habilitação das gerações anteriores, que veem refletida ali a continuidade. Em palavras de Julio María Sanguinetti, líder do Partido Colorado há décadas: “Os tempos vão mudando. Eu tenho quatro gerações de políticos e de momentos políticos. Tenho um exemplo bem típico: Lacalle Pou e Lacalle Herrera. Aí está claro o trânsito de gerações. Se eu tivesse aparecido com uma Harley Davidson como apareceu meu querido, respeitado e admirado amigo Lacalle Pou, não sei, diriam ‘Sanguinetti enlouqueceu’. No entanto, para ninguém parece mal porque é lógico, […] autêntico”. Nesta mesma linha de autenticidade inscreveu o estilo de comunicação de Ojeda, a quem descreveu como eficaz, e brincou: “É da noite? Sim. Também era [o ex-presidente Jorge] Pacheco [Areco]”[4].
A novidade da identidade coalizacionista
O conceito de renovação que propõe Ojeda tem uma linha explícita com a figura e o governo de Lacalle Pou, razão pela qual tem o duplo desafio de representar “o novo” no quadro de uma continuidade e, ao mesmo tempo, a dificuldade de não ser herdeiro direto do partido do presidente.
Talvez um elemento novo neste sentido, pela falta de antecedentes de uma situação assim, seja a liderança de Lacalle Pou para além do Partido Nacional, depois do que foi o governo da coalizão e dos incentivos para ter uma identidade coalizacionista que com o tempo torne mais porosas as fronteiras dos atores fundacionais do sistema.
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No momento, não está claro que este seja o caso a curto prazo, nem que a exposição a uma audiência massiva possa ser canalizada com êxito para um futuro plano eleitoral, nem que cristalize na estrutura partidária, como mostra a própria rearticulação do Partido Colorado em torno de figuras mais tradicionais pós eleições internas.
Também, e em uma nota um pouco menos instrumental, há um ponto não menor que se situa nesta discussão, e refere-se ao eleitorado que “não mostra interesse” pela política institucionalizada. Não é novidade que a partir do sistema político se tente captá-lo por meio de distintas estratégias, com vistas a objetivos eleitorais concretos. Mas votante não é sinônimo de cidadão/a, e parte importante deste problema é que se visibilize por parte do sistema unicamente no marco de um ciclo eleitoral. Se há uma distância com o sistema político e com a forma como estruturamos a representação, não será tempo de pensar em soluções para enfrentar esta brecha? Talvez, aproveitando o diálogo aberto sobre renovação e a demanda de alcançá-la, possamos pensar formas de incluir de forma efetiva aqueles a quem hoje chega a mensagem, mas não participam da conversa, se é que de verdade consideramos que existe um problema coletivo a resolver. Nisso está em jogo muito mais que a definição de um governo.
Notas
- https://ladiaria.com.uy/elecciones/articulo/2024/7/las-reglas-del-juego/
- https://ladiaria.com.uy/elecciones/articulo/2024/7/de-audiencias-renovacion-y-la-elusiva-llama-del-futuro/
- https://pmb.parlamento.gub.uy/pmb/opaccss/index.php?lvl=noticedisplay&id=86042
- https://ladiaria.com.uy/elecciones/articulo/2024/9/la-democracia-al-alcance-de-un-like
Marcela Schenck | Politóloga, analista de Opinión de Ladiaria, Uruguai.