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"Marcas do estallido social" (Foto: Cristian / Flickr)

5 anos após estallido social, neoliberalismo segue açoitando Chile; relembre

Repressão policial e militar aos protestos de outubro de 2019 no Chile deixou cerca de 38 mortos e milhares de feridos, incluindo mutilados no rosto ou nos olhos
Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago del Chile

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Aqueles fatos ao entardecer de sexta-feira, 18 de outubro de 2019, e o estallido sistêmico que se seguiu, ficarão para sempre no imaginário coletivo do país, com análises de historiadores e sociólogos tentando explicar, sobretudo, como foi possível que, no final das contas, em termos estruturais, no Chile não tenha acontecido nada.

Porque, cinco anos depois, com dois processos constitucionais fracassados no meio – um controlado por uma soma de grupos indenitários de esquerda e outro pela ultradireita pinochetista– e com Gabriel Boric na presidência, o Chile é tão neoliberal quanto antes.

A saúde pública e privada não mudou, e mais ainda, se fortaleceu às custas dos segurados. Também não mudou, e está mais perto de ser reafirmado, o modelo privado de pensões, eixo do regime neoliberal, sem espaço para um sistema baseado na solidariedade intergeracional. Não houve reconhecimento de um país plurinacional, não houve reforma na polícia, etc.

Só resta uma disputa sobre como se estabelece “a verdade histórica” dos fatos, com uma direita que descreve aqueles dias, quando milhões se mobilizaram, como uma “explosão delinquencial”, e uma esquerda que apenas começa a justificá-los.

O próprio coletivo social parece sentir vergonha de si mesmo, pois o respaldo à mobilização é de 23%, longe dos 55% que chegou a ter, segundo o Centro de Estudos Públicos.

O estallido foi antecedido por grandes mobilizações: os estudantes em 2006, 2011 e 2019, contra a mercantilização e por uma educação gratuita e de qualidade, os aposentados e organizações sociais contra o sistema previdenciário individualista em 2016 e 2017; a enorme marcha feminista de 2018, além das comunidades severamente afetadas pela contaminação ou a seca.

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O ambiente também vinha sendo aquecido por abusos dos empresários, aumento de preços em setores sensíveis como medicamentos, alimentação e produtos sanitários. A classe política aparecia envolvida em financiamento ilegal a partidos e parlamentares.

O estopim em 2019

A memória diz que na ante-sala do 18-O, o ministro da Fazenda recomendou com sarcasmo aos “românticos” comprarem flores porque o preço delas havia baixado, ao comentar sobre a inflação mensal. Também recorda que o subsecretário de Saúde teorizou que as filas matutinas nos postos de saúde aconteciam porque os doentes não apenas vão para ver o médico, mas que isso é um elemento de reunião social. Outro ponto foi que o ministro da Economia, diante do aumento da passagem do Metrô, recomendou madrugar e pegar o trem antes das 7h da manhã, com tarifa mais baixa.

A gota d’água veio da boca do presidente do Metrô: “Rapazes, isso não deu certo, vocês não ganharam o apoio da população, nem sequer no Twitter; as pessoas estão em outra. Pelo visto, é um grande repúdio”, disse ele arrogantemente aos estudantes que estavam protestando há semanas pulando as catracas.

Todos tiveram que morder a língua porque, na tarde daquele dia, quando as pessoas começavam a voltar para casa e as evasões eram massivas, os Carabineros lançaram bombas de gás lacrimogêneo dentro das estações, os gases entraram nos trens, as pessoas se dispersaram em fuga enquanto os acessos eram fechados, o transporte público de superfície colapsou e a cidade entrou em caos, com milhões caminhando por horas até suas casas.

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O então presidente, Sebastián Piñera, que soube do ocorrido enquanto comia pizza com sua família em um restaurante na capital, voltou para La Moneda para monitorar. Mas era impossível, a crise se inflamava, começavam os incêndios intencionais nas estações do Metrô, cerca de 77 foram queimadas ou destruídas. Também houve saques a supermercados, destruição dos pedágios das rodovias concessionadas, uma fúria social generalizada se apoderava do país.

O governante ficou desnorteado, sua interpretação foi de que o país estava “em guerra contra um inimigo poderoso, implacável, que não respeita nada nem ninguém e que está disposto a usar a violência e a delinquência sem qualquer limite, mesmo que signifique a perda de vidas humanas, com o único propósito de causar o maior dano possível”. Depois diria que se tratou de “um golpe de Estado não tradicional”.

Uma semana depois, a cidadania contestou com uma manifestação que, em Santiago, reuniu dois milhões de pessoas e centenas de milhares em outras cidades. Seguiram-se dois meses de protestos cuja repressão policial e militar deixou cerca de 38 mortos, milhares de feridos, centenas deles mutilados em seus rostos ou olhos, e houve 8.500 denúncias por crimes de violência institucional.

A revolta social só terminou com a pandemia da covid-19 em março de 2020, o medo e o confinamento, à força de toques de recolher e com o exército nas ruas, foram usados por Piñera para desmobilizar a sociedade.

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La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Aldo Anfossi

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