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“Ninguém pode transmitir este horror”, diz haitiana expulsa dos EUA. “Se soubesse, não teria vindo”

Imigrantes vindos do Chile e Brasil perderam tudo ao serem expulsos do território estadunidense; centenas de pessoas desembolsaram valor de $ 10 mil (53 mil reais) para fazer a viagem ao país de Joe Biden
Redação Página 12
Página 12
Buenos Aires

Tradução:

As deportações em massa de imigrantes haitianos por parte dos Estados Unidos despertaram a preocupação da ONU, que advertiu que pessoas solicitando asilo podem estar em risco. O governo norte-americano começou a expulsar centenas de milhares de haitianos que chegaram à fronteira entre México e EUA depois de um perigoso percurso desde a América do Sul.

Expulsões express

Uns 15 mil haitianos e haitianas que chegaram à cidade fronteiriça de Del Río, no Estado do Texas, começaram a ser deportados por Washington. Os imigrantes estiveram durante dias sob a ponte que cruza o rio Grande que divide México e Estados Unidos. Muitos viajaram desde o Chile e o Brasil, onde residiram nos últimos anos. 

Segundo o secretário de Segurança Interna estadunidense, Alejandro Mayorkas, os haitianos receberam informação errônea de que podiam ficar nos EUA como refugiados sob o “Estatuto de Proteção Temporária” (TPS) devido à crise política depois do assassinato de Jovenel Moise, no princípio de julho e ao terremoto que devastou o país em agosto. O TPS alcançava os haitianos que ficaram nos EUA depois do terremoto de 2010 em que morreram 200 mil pessoas no país caribenho. Depois do assassinato de Moise, o TPS foi estendido para os haitianos que estavam em solo estadunidense antes de 29 de julho, mas não alcançava os que chegaram depois dessa data.

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Patrulhas equestres

“Temos reiterado que nossas fronteiras não estão abertas e que as pessoas não deveriam empreender essa perigosa viagem”, acrescentou. “Se você entra ilegalmente nos Estados Unidos, será devolvido”, observou Mayorkas em conferência de imprensa na cidade fronteiriça. O funcionário chegou a Del Río depois da polêmica desencadeada quando foram divulgadas imagens dos guardas fronteiriços que percorreram a fronteira a cavalo fazendo retroceder imigrantes haitianos. Uma das fotografias tiradas pelo repórter gráfico da AFP, Paul Ratje, mostra um policial montado a cavalo agarrando um homem pela camisa.

“A situação era de tensão e os imigrantes começaram a correr em torno deles (…) Muitos começaram a correr para tentar escapar dos cavalos e um dos agentes agarrou um homem pela camisa e o fez rodopiar enquanto o cavalo trotava em círculos”, disse Ratje sobre uma das fotos.

As patrulhas equestres foram utilizadas nos últimos dias nas proximidades do rio Bravo onde acampavam milhares de imigrantes, em sua maioria haitianos, segundo disse à imprensa o chefe da patrulha fronteiriça, Raúl Ortiz. “Pedi-lhes que averiguassem se as pessoas estavam em perigo e que reunissem informação sobre os contrabandistas”, acrescentou. “Controlar um cavalo em um rio é difícil”. A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, qualificou o fato de “horrível”. “Não tenho todo o contexto, mas não imagino em que contexto isso seria apropriado”, afirmou em uma conferência de imprensa.

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ANSA
As deportações em massa de imigrantes haitianos por parte dos Estados Unidos despertaram a preocupação da ONU.

Famílias expulsas

Pelo menos três voos saíram do Texas para aterrissar na capital, Porto Príncipe. Cerca da metade dos mais de 500 imigrantes expulsos pelos Estados Unidos tinham menos de cinco anos e nasceram fora do Haiti. Antes de cruzar o rio Grande, os haitianos tinham residido durante vários anos no Chile e no Brasil, aonde chegaram entre 2016 e 2017.

Famílias inteiras viajaram até o México para tentar solicitar asilo nos Estados Unidos, como foi o caso de Jeanne, que falou sob condição de anonimato. Ela, seu esposo e seu filho Mael, de três anos, que tem passaporte chileno, viajaram durante dois meses até chegar a Del Río gastando cerca de 10 mil dólares. “Em Santiago tinha um pequeno negócio, meu esposo trabalhava. Conseguimos economizar: foi o que nos permitiu viajar até os Estados Unidos”, relata.

“É uma coisa inexplicável. Ninguém pode realmente transmitir o que é este horror”, disse Jeanne. “Se tivesse sabido pelo que ia passar, nunca teria feito esta viagem”, lamentou. O casal contou que gastou 7.000 dólares para chegar ao México e 2.000 mais para alcançar a fronteira do Texas. Jeanne deixou seu país depois de finalizar seus estudos de administração de empresas em 2016. “Se tivesse podido encontrar trabalho, nunca teria saído. Agora a situação no país piorou muito”, diz.

“Biden sabe o que está fazendo”

Centenas de haitianos mostraram-se frustrados depois de sua expulsão e depois de terem gasto milhares de dólares para chegar aos EUA. “Biden sabe o que está fazendo, mas não se importa. Trata-nos e a nossos filhos pior que aos animais”, gritou uma mulher no terminal aéreo em Porto Príncipe. Outro dos imigrantes deportados referiu-se às condições no centro gerido pela agência de imigração estadunidense, depois de ter cruzado o rio Bravo.

“Não tínhamos camas para dormir, dormíamos só com um fino lençol de plástico para cobrir-nos, em um espaço com ar acondicionado muito frio. E dormíamos no piso de concreto”, conta Garry Momplaisir, de 26 anos, que passou cinco dias no lugar. “Não podíamos tomar banho. Havia banheiros, mas não havia lugar para lavar-nos”, acrescenta Momplaisir, expulso junto com sua esposa e a filha de cinco anos.

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Políticas trumpistas

Por sua vez, o líder da maioria no Senado estadunidense, Chuck Schummer, do partido democrata, solicitou ao presidente Joe Biden terminar com as deportações em massa de imigrantes haitianos, uma política que, segundo ele, era  uma atitude “detestável e xenófoba” similar às que se viram durante a gestão do ex-mandatário republicano Donald Trump.

“Peço ao presidente Biden (…) que ponha fim imediatamente a estas expulsões, e termine com esta política do Título 42 em nossa fronteira sul. Não podemos continuar com estas políticas detestáveis e xenófobas de Trump que ignoram nossas leis de refugiados”, disse Schumer no plenário do Senado. O escritório de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos anunciou que a maioria dos imigrantes serão expulsos sob o Título 42, uma política do governo que restringe a imigração devido à pandemia de coronavírus.

“Todos vimos estas horríveis imagens procedentes de nossa fronteira sul, com solicitantes de asilo haitianos, que simplesmente buscam escapar da tirania (…) sendo recebidos em nossas portas com uma (indignidade) inimaginável”, acrescentou Schumer. “As imagens de imigrantes haitianos sendo golpeados com chicotes e outras formas de violência física são completamente inaceitáveis. Este comportamento deve ser abordado e devemos prestar contas. As imagens reviram o estômago”, afirmou.

A ONU somou-se à preocupação com as expulsões em massa. “Estamos seriamente preocupados com o fato de que parece não ter havido nenhuma avaliação individual nos casos (do Haiti)”, afirmou a porta-voz do organismo internacional, Marta Hurtado. “Talvez algumas destas pessoas não tenham recebido a proteção de que necessitavam”, acrescentou, destacando que todos os solicitantes de asilo têm direito a que suas demandas sejam consideradas.

* Tradução de Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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