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Netflix: “Coisa Mais Linda” debate o machismo, mas não avança na questão racial

Precisamos entender que as lutas das mulheres negras ultrapassam os limites pela igualdade de gênero, pois elas precisam lutar também por igualdade racial
Luana Caroline Rocha Silva
Geledés
São Paulo (SP)

Tradução:

De uma forma abrangente a série aborda pautas muito importantes relacionadas a vivência da mulher e o que é ser uma, no Brasil em meados da década de 50. Feminismo, violência e até o feminicídio são enfocados de forma explícita e direta no enredo da série, entretanto a abordagem ao racismo e as outras formas de opressão sofridas por diferentes grupos de mulheres não foram tratadas com a mesma urgência, o que soa o discurso um pouco vazio, artificial e preocupante.

A série conta com quatro mulheres que exercem os papais principais e entre elas há somente uma mulher negra: Adélia. 

Adélia é uma mulher negra e se formos observar de uma forma crítica é possível perceber que o papel exercido por ela é o mais comum entre as pessoas negras: moradora do morro, tem uma filha pequena, de início é mãe solteira e trabalha como empregada doméstica. Efetivamente esse perfil condiz com a realidade de uma mulher negra da época.

Contudo é notório a forma como a voz de Adélia é silenciada durante a série e como ela estava sempre em degraus a baixo em relação aos outros personagens. Sempre obedecendo e agindo de maneira retraída, a personagem nunca se destacou de forma grandiosa como as outras personagens. Até aqui a gente precisa entender que a luta de uma mulher negra vai além das lutas por igualdade de gênero, pois além dessa precisamos lutar pela igualdade racial, o que torna o processo extremamente mais complexo e doloroso.

De uma forma muito clara a série apresenta a diferença do que é ser uma mulher branca que pertence a alta burguesia e uma mulher negra moradora do morro. As lutas são diferentes: enquanto Malu lutava por independência e uma vida livre do patriarcado, além desses, Adélia buscava igualdade racial, alfabetização e valorização enquanto uma mulher negra em uma sociedade machista e racista.

É nítido a forma como Adélia continua em posições subalternas quando conhece Malu, estabelece uma sociedade e coloca em andamento a ideia do Clube de músicas. Os serviços mais baixos são destinados à Adélia, enquanto Malu, por sua vez, é quem decide, resolve e vai atrás de todas as coisas. 

Precisamos entender que as lutas das mulheres negras ultrapassam os limites pela igualdade de gênero, pois elas precisam lutar também por igualdade racial

Netflix | Reprodução
Steel da série "Coisa mais linda"

Problemas sem soluções

O grande problema é que em nenhum momento a série apresenta “soluções” para o racismo como faz com o machismo. Em todo o tempo a gente percebe que, ao se impor, as mulheres brancas ganham destaques na sociedade, enquanto a única mulher negra ~como personagem principal~ continua nas mesmas posições e sofrendo as mesmas opressões desde o início. Mesmo se tornando sócia e parceira de Malu, Adélia segue se submetendo a situações de humilhação e continua obedecendo às relações de poder de forma indireta como acontece na sociedade atual.

E pensando em um contexto atual e real, imagino que uma imensidão de mulheres negras tenha se identificado com o papel exercido por Pathy Dejesus (Adélia). Todos os dias somos silenciadas ou tidas como ignorantes e mal educadas quando reagimos ao racismo… Da mesma forma que ouvimos diariamente que precisamos ter calma, já que a estrutura social é racista e muitas pessoas não percebem que estão reproduzindo um comportamento ruim e prejudicial.

Ainda citando a sociedade atual, é perceptível as diferenças de raça e classe que permeiam entre as mulheres. Dificilmente vemos uma mulher ocupando lugares de poder e quando esse evento raríssimo acontece, mais difícil ainda que seja uma mulher negra nessa posição. 

O que precisamos ter em mente para desconstruir é que a base do feminismo, em si, é seletiva desde sua primeira onda, pois nessa época as lutas eram em prol da garantia de direitos das mulheres da classe média, enquanto os direitos das mulheres negras e marginalizadas continuavam sendo negados com força. O feminismo atua de uma forma universal e excludente esquecendo que mesmo dentro do “coletivo mulheres” há também formas de opressão e dominância entre as mesmas.

Partindo dessa linha, a gente consegue entender que o movimento não pode tratar tudo como sendo algo universal, pois essa universalidade gera exclusão e seletividade quando trazemos à tona que mulheres brancas fazem parte de uma raça dominante e que, consequentemente, tem o poder de oprimir mulheres negras, indígenas ou mulheres pertencentes a outras raças minoritárias. 

Para discutirmos a igualdade de gênero devemos pensar as diferenças raciais como uma estrutura que também mata pessoas diariamente, caso contrário todo discurso não passa de algo totalmente superficial e egoísta. Mas nunca, em momento algum, podemos negar ou diminuir uma luta, no entanto precisamos pensar mais criticamente a forma como o feminismo tem se estabilizado na sociedade e a forma como ele tem excluído – mesmo que indiretamente – as lutas raciais e de outras formas de opressão.

No mais, o enredo trouxe grandes reflexões a cerca da vivência da mulher em um Brasil pouco antigo, mas não ultrapassado. Já conquistamos muito, entretanto ainda não o suficiente para vivermos em justiça e paz. Vamos juntas e com uma luta mais heterogenia para que nenhuma de nós se sinta só! 

Luana Caroline Rocha Silva | Portal Geledés


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Luana Caroline Rocha Silva

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