Desde o início da financeirização da economia brasileira, nos anos 90, criou-se um padrão de análise econômica torto. Consiste em cobrir pavloviana os fatores que influenciam o mercado no curtíssimo prazo. E a tratar com visão dogmática temas como rigor fiscal, privatização, papel do Estado.
Esse falta de espírito crítico permitiu a disseminação do chamado terrorismo econômico. Qualquer gasto social já estimula matérias alertando para o desequilíbrio fiscal e os horrores que acometerão o país se a relação dívida/PIB superar determinados limites. Sempre se coloca um limite que é superado sem que a economia exploda.
No início, até se justificava. O país saía de um longo período de fechamento econômico, com praticamente todas as atividades reguladas. O país completara o ciclo de amadurecimento industrial e os novos tempos exigiam flexibilização nos controles e estratégia para uma inserção competitiva no mercado internacional.
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A mídia econômica está absurdamente alheia às grandes discussões que se processam em todo mundo
Esse modelo foi atropelado pelo Plano Real, com uma combinação irresponsável de juros altos e câmbio apreciado que praticamente destruiu o modelo econômico que, até a crise da dívida externa, nos anos 80, transformara o país no emergente com maiores índices de crescimento e industrialização.
O país perdeu o bonde da industrialização. Agora, o país – e o mundo – entram em uma nova dinâmica, totalmente diversa do período anterior. O modelo econômico anterior deixou o mundo em uma encruzilhada.
De um lado, o meio ambiente passa a ser um condicionador essencial do crescimento. Consumidores e investidores de países centrais deflagraram a tolerância zero para a destruição ambiental, o que mudará totalmente a forma de planejamento do crescimento.
O segundo ponto é a mudança radical do modelo econômico que vigorou até então.
Esse modelo se baseava em um ciclo produção – emprego – consumo – investimento. Ou seja, o aumento de vendas promovia um aumento do emprego; que resultava em um aumento do mercado de consumo; que induzia a um aumento do investimento ampliando a capacidade produtiva e os empregos.
O modelo foi baleado em duas frentes.
Em uma delas, a China transformando-se no fabricante global e sugando os empregos dos países centrais. Em outra, o aumento excessivo da liquidez internacional, definindo o novo padrão de investimentos a partir do crédito e não da reinversão de lucros.
O crédito barato beneficiou as empresas globais em geral, mas beneficiou mais as empresas maiores, induzindo a um profundo processo de concentração econômica. De outro lado, cada vez mais os interesses das grandes empresas passaram a se concentrar no mundo, deixando de lado a defesa do mercado interno e do emprego.
Esse movimento produziu um enfraquecimento das centrais sindicais, e, junto com a informática e a robotização, quebrou a espinha do mercado de trabalho.
Com a pandemia, o quadro se torna mais drástico.
As empresas estão sem fôlego para a retomada pós-pandemia. A renda das famílias implodiu com o desemprego. Sem consumo, não há vendas. Sem vendas, não há emprego, nem receita fiscal.
Portanto, a recuperação do nível de atividade, através de políticas de sustentação dos empregos e de salvação das empresas, deveria ser a prioridade central. O próprio Fundo Monetário Internacional, guardião implacável da ortodoxia, deu a mão à palmatória.
Em documento recente, diz ele:
- Regiões que ainda enfrentam lockdowns, as autoridades continuem a “amortecer” as perdas de renda das famílias, além de apoiar as empresas forçadas a reduzir suas atividades devido às restrições impostas.
- Onde as economias estão reabrindo, o apoio direcionado deve ser gradualmente desfeito à medida que a recuperação está em andamento, e as políticas devem fornecer estímulo para elevar a demanda e facilitar e incentivar a realocação de recursos de setores que provavelmente emergirão permanentemente menores após a pandemia.
- É essencial uma forte cooperação global durante a pandemia, observando que os países que enfrentam a crise e também enfrentam uma queda no financiamento externo, ou outro tipo de financiamento, precisam urgentemente de “assistência de liquidez”.
Mesmo assim, a mídia econômica está absurdamente alheia às grandes discussões que se processam em todo mundo, sobre a nova etapa da economia. O jornalismo se move como nas colunas sociais. Repetir mantras de mercado é “moderno”; questionar é pobreza de fontes. Colocam o equilíbrio fiscal – impossível no quadro atual – como condicionante central para a atração de investimentos, quando os critérios dos investidores se concentra exclusivamente na capacidade de recuperação da economia.
É de uma mediocridade exasperante.
Aliás, um dos grandes vícios desse tipo de pensamento pavloviano – que acomete economistas e jornalistas – é a incapacidade de identificar momentos de corte, nos quais as receitas convencionais não tem o menor valor. Foi assim no pós-Real, com a crise cambial que explodiu poucos meses depois de iniciado o plano. Foi o que ocorreu também em 2015, com o plano Joaquim Levy.
Assista, a propósito, o 1o capítulo da série “O Brasil fracassou como Nação”, levado a cabo na TV GGN, com o economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e o executivo Gabriel Galípolo, presidente do Banco Fator.
De certo modo, a tragédia brasileira tem três pontas:
- As loucuras de Jair Bolsonaro.
- O ideologismo emburrecedor de Paulo Guedes.
- A incapacidade da mídia de realizar uma discussão minimamente racional sobre os novos tempos.
Luís Nassif é jornalista e editor do portal GGN
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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