Conteúdo da página
ToggleÉ lamentável que em nosso país, depois de um período de governos progressistas,tenhamos de conviver com o atraso e ignorância de autoridades nas várias esferas do Executivo Federal.
Agora, além de um militar no comando do Ministério da Saúde, temos a nomeação de um senhor, Hélio Angotti Neto, como secretário de ciência, tecnologia e insumos estratégicos, área onde se monitoram estudos clínicos sobre medicamentos e de grande interesse econômico, já que o Brasil é um vasto mercado.
APOIE A DIÁLOGOS
Este senhor, Angotti Neto, é o retrato da miséria intelectual e científica de que padecemos hoje no país. Em seu blog defende ideias de Olavo de Carvalho, a quem denomina de filósofo, mas que, na realidade, é astrólogo.
Reprodução: Winkiemedia
O Brasil é signatário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher
E, em recente entrevista ao jornal Gazeta do Povo, Angotti engrossa o partido dos misóginos e intrometidos nos direitos das mulheres de decidir sobre seus corpos e seus destinos. Algumas pérolas deste senhor que , aliás, é médico.“Há uma grosseira manipulação de expressões como saúde e direito, de forma que a tentativa de legalizar o assassinato da própria prole, de nossos filhos, torna-se um direito reprodutivo e saúde reprodutiva”
Grosseira é esta afirmação de que o aborto significa legalizar.”o assassinato da própria prole , de nossos filhos”.Ao longo da história recente dos movimentos feministas (ou dito de outra forma, de afirmação da dignidade e autonomia da mulher) a questão do aborto sempre foi tema de interesses religiosos, de médicos autoritários , de machistas empedrenidos. Nesta visão, à mulher cabe o papel subalterno da submissão a tais interesses que, na verdade, não se justificam.A não ser pelo desejo de manter a mulher sob seu estrito controle.Para estes segmentos a vida, os interesses, os desejos, o projeto de futuro das mulheres não tem cabida .Esta é também uma forma de violência contra a mulher.
RECEBA NOSSO BOLETIM
Vale lembrar que o Brasil é signatário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher-” Convenção de Belém do Pará,adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 6 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995.
Nessa Convenção, os Estados-partes concordam em adotar, em forma progressiva, medidas específicas, inclusive programas para fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem seus direitos humanos.
Em outro ponto concordam em modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não-formais apropriados para contrabalançar preconceitos e costumes e todo outro tipo de práticas que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher .
Esta convenção foi assinada pelo Brasil, mas até hoje não implementada , pois a mulher continua a ser discriminada e submetida a condições inferiores na vida pessoal, no trabalho e na representação politica.
Já que o tema do senhor Angotti na referida entrevista é o aborto, lembramos que essa prática é realizada de forma clandestina em todo o país. Milhares de mulheres abortam todo ano no Brasil com a consequência de centenas de mortes ou sequelas.
O aborto deve ser considerado um tema de saúde pública e não de criminalização. O artigo 196 da Constituição Federal afirma que o Estado tem compromisso com medidas políticas, sociais e econômicas com o objetivo de promover e recuperar a saúde da população, de modo a reduzir agravos que causem mal à coletividade. Portanto, a mulher que aborta tem direito a tratamento digno e acolhimento.
O aborto clandestino também acentua a desigualdade da sociedade. Quem pode paga por um procedimento mais seguro. A mulher pobre, mais vulnerável, se entrega a práticas agressivas que podem lhe causar até a morte. Segundo pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ divulgada no início do ano, as que mais correm risco de óbito por aborto são as mulheres negras e as indígenas, de baixa escolaridade, com menos de 14 e mais de 40 anos, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e sem companheiro.Na realidade-consideram as pesquisadoras-o que mata não é o aborto, mas a clandestinidade.
Lembramos que há três circunstâncias em que o aborto é legal: quando a gravidez significar risco à vida da gestante , em caso de estupro e de feto anencéfalo. Nesses casos, não é necessária autorização judicial.
No caso de estupro , que é crime,o Estado não pode obrigar à continuidade da gestação. Isto significaria um processo doloroso do ponto de vista psicológico que poderia durar para o resto da vida da mulher. Ainda assim, não é raro vermos políticos conservadores e até religiosos se insurgirem contra essa prática, mesmo quando ocorre com adolescentes e meninas de 12 anos.É um atitude machista, extremamente cruel com as mulheres que teriam, muito provavelmente, sua vida destruída por um ato criminoso.
E se a grávida corre risco de vida (“se a sra. levar a gravidez a termo, morre” diz o médico), ela deve escolher morrer?!
Finalmente, se os exames médicos comprovam que o feto não desenvolveu cérebro – o que significa que deverá morrer pouco depois de nascer, é justo exigir dela que, mesmo sabendo disso, leve a gravidez a termo pelos 9 meses e ver a criança morrer em seguida?
Nossos direitos sexuais e reprodutivos – que são ainda mais reduzidos do que precisaríamos – estão sendo ameaçados
A questão do aborto e dos direitos sexuais e reprodutivos,portanto, não cabem em discurso demagógico, frágil e inconsistente.A obrigação do poder público é levar em conta os movimentos sociais que clamam pelo respeito aos direitos humanos e, em especial, os direitos das mulheres, submetidas a práticas violentas e perigosas em abortos clandestinos, enquanto no Executivo e na esfera do legislativo, bancadas religiosas e outros apoiadores parecem se regozijar com essa tragédia feminina.
E, como não imaginamos que o sr.Angotti reflita sobre o tema, deixando de reproduzir pensamentos preconceituosos e ultrapassados, manifestamo-nos contrárias à sua nomeação para o cargo a que se pretendeu destiná-lo.
Rede Mulher e Mídia
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Veja também