O marido da bancária aposentada Braulina Lemos Silva de Oliveira, 66 anos, é um dos 32 mortos pelo coronavírus nos presídios brasileiros, de acordo com dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), vinculado ao Ministério da Justiça. Até esta quarta-feira, 928 presos tinham testado positivo para a doença.
Gerson Gomes de Oliveira, 58, estava na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no oeste paulista. Contraiu a doença dentro da prisão, onde cumpria pena há quase 15 anos.
Em todo o país, a Covid-19 já matou 18.859 pessoas e infectou mais de 290 mil, de acordo com números mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde nesta quarta-feira (20/5).
O número de mortes em prisões pode ser ainda maior, já que a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo não informou à Ponte se a morte de Gerson estava nos números enviados ao Depen. Os próprios estado são responsáveis pela atualização dos casos de mortes, contaminações e suspeitas de contágio.
Um exemplo de suspeita para subnotificação nas estatísticas, conforme especialistas alertaram à Ponte, é o fato de o total de mortes ter diminuído de um dia para o outro: na manhã de terça-feira (19/5), o Depen informava um total de 33 mortos no sistema nacional, enquanto o mesmo total seria de 31 no mesmo horário desta quarta (20/5). No final da tarde, o número foi atualizado para 32 por causa de uma morte confirmada no Distrito Federal.
A diminuição ocorreu em São Paulo (de 13 para 12) e Pernambuco (3 para 2). Questionado, o departamento não respondeu à reportagem o motivo da alteração. As secretarias estaduais que cuidam dos presídios também foram acionadas para explicar o porquê da queda.
Foto: Arquivo/Ponte
Gerson cumpria pena há 8 anos em Presidente Venceslau
Segundo a pasta de São Paulo, o nome de um preso foi computado duas vezes com grafias diferentes, o que gerou o erro e a atualização. A secretaria penitenciária de Pernambuco repassou questionamento à Secretaria da Saúde local, que não respondeu. Segundo o Depen, a correção no estado se deu por segundo exame feito em preso desconsiderar Covid-19 como causa da morte.
Os dados atuais, com 32 vítimas, colocam o Brasil na segunda colocação em levantamento mundial de morte de presos. Conforme consta no próprio site do Depen, apenas os Estados Unidos, com 304 vítimas, apresenta mais mortos pela pandemia nas prisões. Em 5 de maio, o país ocupava a quarta posição, com 16 mortes.
A primeira morte confirmada dentro do sistema prisional aconteceu no dia 17 de abril, no Rio de Janeiro. Era um homem de 73 anos. A segunda morte foi de José Iran Alves da Silva, 67 anos, que cumpria pena em Sorocaba, no interior de SP. Gerson, um mês depois, se tornou a 12ª vítima da Covid-19 somente nas penitenciárias paulistas.
Lina, como a mulher é conhecida, soube que o esposo morreu nove dias depois de ter contraído a doença. Ela recebeu uma primeira notícia do presídio, sobre a contaminação, em 5 de maio, por telefone. No dia 14, outro telefonema, às 19h, informava da morte.
O enterro aconteceu no sábado (16/5), na cidade de Salto, distante 105 quilômetros da capital São Paulo. Ela, que mora no município vizinho de Iperó, optou por não ir. Gerson tinha diabetes e hipertensão, doenças que, segundo a Organização Mundial da Saúde, o colocam no grupo de risco para o coronavírus.
Com 66 anos, Lina também integra o grupo de risco por ser idosa. Além disso, há quatro anos sofreu um infarto e “ficou com mais medo da morte”, como conta à Ponte. “Fiquei triste por não ir. Um buraco no coração, no estômago… E da maneira como ele morreu, sozinho, não teve visita”, descreve.
O último contato presencial entre eles aconteceu em fevereiro. Lina conta que Gerson estava bem. Nas cartas seguintes trocadas pelos dois recebia a mesma informação. Com o bloqueio das visitas, em março, as mensagens pelos Correios eram o único contato entre eles.
Os dois estavam casados há 10 anos, depois de se conhecerem na prisão. Ela, que transportava pessoas, fazia viagens para familiares até cidades no interior. “Em Venceslau só sai com [o cumprimento de] pena inteira ou morto, como foi com ele”, define a mulher.
Junto da morte, Lina recebeu de outras familiares de presos denúncias sobre a condição de quem cumpre pena na P2. Os relatos apontam que existem outros presos contaminados.
Há a confirmação de ao menos mais um morto na unidade, conforme a troca de informação entre as parentes. Assim como Gerson, a certidão de óbito de Everson Luis Skrepec, 41 anos, confirma como causa a Covid-19.
A contadora Carla Ávila, 31, esposa de um preso, conta que a informação repassada quando liga na unidade é de que “está tudo bem”. “Não falam, negam informação para a gente, para os advogados”, afirma.
Ela explica que a informação repassada entre os familiares é de que Gerson ficou cinco dias internado na enfermaria da P2 de Venceslau antes de ser transferido para a Santa Casa do município.
Como o homem tinha problema nos rins, precisou de mais cuidados, sendo transferido para o Hospital Regional de Presidente Prudente, onde morreu. A certidão de óbito também coloca insuficiência renal como causa da morte, ao lado de Covid-19 e insuficiência respiratória.
O marido de Pâmela Silva da Conceição também cumpre pena na unidade. Segundo ela, o atendimento médico é “limitado” mesmo para ele que tem 46 anos e sofre convulsões. “Agora, com esse vírus, ficamos apreensivos”, conta.
Crislene também visita o marido na P2. Conta que o homem “não é de falar muitas coisas” nas cartas, mas que há relato de falta de alimentação e de cuidados médicos. “Eles não têm direito à saúde. Até medicamentos somos nós, a família, que mandamos. São tratados com dipirona”, denuncia.
Simone Gomes, 38 anos, recebeu de outras familiares de que o marido estava com sintomas da Covid-19. “Ele e mais dois dentro do raio 2 estão doentes”, conta à Ponte. “Estão deixando muita coisa camuflada”.
Seu marido tem 51 anos e tinha passado por atendimento médico apresentando sintomas de gripe, o que o deixa mais suscetível à doença, segundo Simone. “Se precisar eu vou até algum lugar, não podemos deixar assim”, desabafa.
Lina, agora viúva, apoia a ação das mulheres em denunciar as condições em Venceslau. “Eu não posso fazer mais nada pelo Gerson a não ser orar. Elas podem. Tem que fazer alguma coisa para os maridos, que estão todos enfiados e precisando de socorro”, diz.
A Ponte questionou a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo sobre a morte de Gerson, mas a pasta não respondeu às perguntas.
*Atualização às 11h de sábado (21/5) para incluir notas da SAP e Depen.
Arthur Stabile, Ponte Jornalismo
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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