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Enquanto individualismo destrói humanidade, solução para mundo em ruínas são as mulheres

A figura de Marielle segue sendo essencial para enfrentarmos o desafio de construir uma sociedade onde caibam todas e todos
Verônica Lima
Diálogos do Sul Global
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Estamos diante do desafio do que é ser em coletivo. Não à toa estamos enfrentando uma pandemia e sendo, consequentemente, obrigadas a ampliar nossa percepção do nosso mundo e da nossa vida. Sim, o que acontece “do outro lado do mundo” pode ter consequências bem diretas na nossa vida. Na verdade, estamos nos dando conta que o outro lado é bem aqui, nosso vizinho. 

Nesses tempos, o desafio da convivência se impõe, portanto, a partir de um paradoxo: se o que está distante tem influência direta, o impulso cada vez maior de evitar aproximações de todo o tipo – tão típico do sistema de vida capitalista – é simplesmente inútil. Assim, o atual desafio da convivência – a consciência daquilo que se deve construir para “com + viver” – é um sintoma da insuficiência do modelo capitalista para dar conta da própria vida. Não somos seres individuais reduzidos à experiência de consumir – adquirir e descartar – sucessivamente. O individualismo e os ideais de sucesso acumulativo são modelos incompatíveis com aquilo que estamos experimentando como sociedade. 

E se existe uma saída para esse paradoxo, ela vem da vivência das mulheres. A experiência do feminino nesse mundo em que o poder foi historicamente construído por e para homens ensina que enquanto não enxergamos uns aos outros, com olhos de ver e conviver, não haverá sociedade possível, nem política, nem economicamente falando. 

Não à toa crescem atualmente as manifestações culturais que celebram as mulheres. E esse não é um fenômeno restrito a esse mês de março. As mulheres estão se reunindo cada vez mais. Elas estão resgatando seus corpos, seus ciclos que são sempre coletivos. Assim, se conectam com outras mulheres, homens e com a natureza. As mulheres têm nos ensinado a conviver, destacando que a tarefa de gerar e cuidar é de todxs. E que todxs têm responsabilidade, porque todxs fazem parte.  

Esse ensinamento ainda encontra resistência de um mundo machista que, ao se perceber desmoronando, reage com violência: dados oficiais mostram que em 2019 o Brasil teve um aumento de 7,3% nos casos de feminicídio – assassinatos motivados por ódio –, em comparação a 2018. Esse mesmo ódio teve papel fundamental num dos piores episódios da história recente do país: o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, crime que completa dois anos neste dia 14 de março, ainda sem repostas sobre os motivos o os mandantes. Marielle não apenas afrontava o sistema machista e corrupto de governo que ainda existe no país, mas também despontava justamente como uma liderança que catalisava todo o potencial coletivo das mulheres na sociedade. 

Marielle inspirava as mulheres a se reunirem, a enxergarem seus potenciais, a ocuparem seus lugares e a não serem interrompidas nesse processo. E se engana quem pensa que a covarde execução de Marielle interrompeu esse processo definitivamente. A família dela e milhares de mulheres negras seguem provando que a saída para um mundo em colapso é justamente a força do coletivo, ao terem a coragem de continuar o legado deixado por Marielle. 

No último dia 1º de março foi inaugurada no Rio de Janeiro a Casa Marielle, iniciativa do Instituto Marielle Franco, liderado pelos familiares de Marielle, que busca não apenas a justiça, mas também defender a memória, multiplicar o legado e regar as sementes dessa mulher que ousou mostrar uma nova forma de fazer e se posicionar na política. Vale a pena conhecer e apoiar a iniciativa.

Porque a figura de Marielle segue sendo essencial para enfrentarmos o desafio de construir uma sociedade onde caibam todas e todos. Ela segue mostrando que, mesmo num contexto em que tudo parece desmoronar, é possível construir coletivamente um outro mundo onde homens e mulheres possam desenvolver seus potenciais com dignidade. Esse mundo já está sendo gestado e parido. ELAS sabem disso. Cabe a nós SERMOS corpo (coletivo) para sentir. 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Verônica Lima

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