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"Não podemos dizer nada, somos ameaçados com processos penais", diz senadora boliviana

Temos mortos, feridos e encarcerados injustamente", assinalou María Elizabeth Oporto, que sustentou que este “é um país com uma ditadura fascista”
Deisy Francis Mexidor
Prensa Latina
Havana

Tradução:

O governo de fato da Bolívia manobrou rapidamente para institucionaliza o golpe de Estado e apagar em poucos dias todo o legado de um país que mudou após a chegada ao poder do primeiro presidente indígena, Evo Morales.

A autoproclamada presidenta Jeanine Áñez nomeou ministros, demitiu embaixadores, interveio em meios de imprensa, tratou de congraçar-se com as Forças Armadas buscando lealdades e promulgou uma lei para novas eleições, para alguns a estocada final neste cenário.

Enquanto isso, seguiu a tática da criminalização dos dirigentes do Movimento ao Socialismo (MAS), força política que conduziu os destinos da nação andino-amazônica nos últimos 13 anos.

“Não há volta”, disse à Prensa Latina, Ariana Campero, cessada como embaixadora da Bolívia em Cuba pelo governo de fato de Áñez menos de uma semana depois do golpe de 10 de novembro. “Consolidou-se o golpe”, admite com pesar a jovem militante do MAS.

Temos mortos, feridos e encarcerados injustamente", assinalou María Elizabeth Oporto, que sustentou que este “é um país com uma ditadura fascista”

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Senadora María Elizabeth Oporto

Agora o que nos cabe de maneira revolucionária é seguir adiante, e o maior opressor, como dizia a desaparecida líder boliviana Domitila Chungara, é o medo, agregou Campero.

Para a ex-embaixadora começa uma nova etapa de luta e de cara às próximas eleições, o MAS – assinalou – terá que trabalhar muito forte porque o cenário é muito adverso e complexo. 

Mas “o povo saberá decidir com consciência na defesa do próprio, na defesa de nossa pátria e isso significa defendê-la dos burgueses da Bolívia que, claramente, são os que estão sentados agora no poder”.

Analistas políticos opinaram que o partido com maioria na Assembleia Plurinacional da Bolívia não devia ter negociado a Lei de Regime Excepcional e Transitório para a realização de Eleições Gerais em 2020 que deixasse de fora a candidatura de Evo. 

Com tal postura -consideram- os próprios legisladores do MAS outorgaram a Áñez a legitimidade que requeria para dar continuidade ao golpe de Estado que eles mesmos denunciaram no início. 

Estamos vivendo momentos muito difíceis, não podemos dizer nada, não podemos falar, não podemos dar nossa opinião, advertiu a senadora María Elizabeth Oporto em uma mensagem audiovisual em sua conta do Twitter. 

Aqueles que tentam expressar sua opinião são ameaçados com processos penais, em particular “os membros das organizações sociais da Bolívia”.

Oporto, legisladora do MAS por Chuquisaca, começou uma greve no hemiciclo do Senado, devido ao ambiente de repressão e perseguição política existente no país e em reclamo da aprovação de uma lei de garantias para os bolivianos. 

Em uma recente entrevista à rádio Real Politik FM, a senadora afirmou que é indignante a repressão que se desatou na Bolívia depois do golpe de Estado no passado 10 de novembro. 

“Temos mortos, feridos e encarcerados injustamente”, assinalou Oporto, que sustentou que este “é um país com uma ditadura fascista”, onde “levam nossos dirigentes presos sem nenhuma prova ou processo legal”.

Em 22 de novembro detiveram o vice-presidente do MAS, Gerardo García, junto a Ramón Raúl Caro. Ambos foram remetidos à sede do Ministério Público que, paralelamente, ordenou a apreensão da ex-ministra de Culturas, Wilma Alanoca.

Há pouco tempo, o governo de fato ditou ordem de captura contra o ex-ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, que é acusado de sedição e terrorismo.

Ao tomar posse em 14 de novembro, o atual ministro de governo, Arturo Murillo, deixou clara a alinha do grupo de poder que chegou ao Palácio Quemado: “Vamos ir à caça de Juan Ramón Quintana”.

Também descarregou ódio contra Raúl García Linera (irmão do ex-vice-presidente Álvaro García Linera), da mesma forma que contra venezuelanos e cubanos, estes últimos em sua maioria integrantes da missão médica que já foi retirada da Bolívia diante do clima de insegurança reinante para esse pessoal. 

No entanto, Áñez insiste que no que ocorreu na Bolívia foi “uma revolução para recuperar a democracia” e não um golpe de Estado.
De fato, embora se multipliquem as denúncias pela repressão, a antes senadora da oposição ultraconservadora opina que o país se encontra na “fase final da pacificação”.

Assim o disse com ares de festa durante um ato em La Paz no qual as FFAA a condecoraram. Ali deixou explícito o reconhecimento que fizeram à sua investidura porque “tem um significado que vai além de um ato protocolar”. 

DE ONDEM VÊM OS TIROS 

Mas no que aconteceu na Bolívia não há nada casual. Vários dos principais conspiradores do golpe de Estado foram treinados pelo Exército dos Estados Unidos através de diferentes programas.

Os detalhes foram conhecidos em um artigo publicado no site digital The Gray Zone e que se soma aos informes que circulam na mídia sobre a presumida responsabilidade de Washington no desenlace que levou à renúncia de Evo e de todo seu governo. 

Segundo o material jornalístico, a cúpula dos militares e policiais bolivianos passaram pela Escola das Américas, conhecida desde 2001 como Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança. 

Aqueles que apoiaram o golpe Estado – precisa o texto – participaram em um “programa de intercâmbio policial” denominado Apala, elaborado para “construir relações entre as autoridades estadunidenses e os oficiais desses corpos nos estados latino-americanos”.

Apesar de sua influência, ou talvez por isso mesmo, o programa mantém pouca presença pública, observou o reporte.

O papel dos oficiais militares e policiais treinados por Washington foi fundamental para precipitar a denominada mudança de regime do país, precisou o artigo de Jeb Sprague intitulado “Cúpula golpista na Bolívia foi treinado pelos Estados Unidos na Escola das Américas e cursos do FBI”.

Considerou que o complô golpista não poderia haver tido êxito sem a aprovação desses comandantes militares e policiais, muitos dos quais “foram preparados e educados para a insurreição”. 

Áudios filtrados evidenciam que se levou a cabo uma coordenação encoberta entre os atuais e antigos líderes da polícia, do exército e da oposição para provocar o golpe, diz o material. 

Previamente à renúncia de Evo, o comandante das forças armadas da Bolívia, Williams Kaliman, “sugeriu” a presidente que se demitisse e antes setores da polícia já haviam se amotinado, argumentou. 

Embora Kaliman parece haver fingido lealdade a Morales ao longo dos anos, não só foi um ator no golpe, mas tem sua própria história em Washington, donde se desempenhou por pouco tempo como adido militar da embaixada da Bolívia na capital estadunidense, recordou The Gray Zone.

Kaliman foi “aluno” da Escola das Américas em 2003. Apenas 72 horas depois do golpe de Estado cobrou sua recompensa: um milhão de dólares e fugiu rumo aos Estados Unidos.

Para os historiadores nada é casual. A outrora Escola das Américas – localizada atualmente em Fort Benning, Georgia-, tem o antecedente de haver sido berço de golpistas da região latino-americano durante as décadas de 1960, 1970 e 1980.

OUTRA VOLTA  DA ROSCA 

O perigo do retrocesso das políticas inclusivas que foram o selo durante a presidência de Evo Morales na Bolívia, é o maior perigo para esse país após o golpe Estado, na opinião de alguns especialistas e meios de comunicação. 

Um artigo da revista estadunidense Foreign Affairs alertou que o autoproclamado governo interino que sucedeu a orales, “já está dando passos nessa direção, com membros do gabinete tratando de desacreditar o ex-presidente e ameaçando com prender partidários e jornalistas”. 

O material jornalístico reconhece que a Bolívia teve um bom desempenho econômico e experimentou um crescimento constante, uma inflação baixa e um extraordinário aumento dos ingressos do Estado, os quais Evo gastou em infraestrutura básica, educação, saúde e em segurança social, recordou Foreign Affairs.

O que foi arrecadado ajudou a financiar programas sociais que permitiram que a Bolívia reduzisse a desigualdade de renda mais drasticamente que qualquer outro país da região, sustentou a revista.
Mas a regressão é o que se pode esperar. O governo interino de Áñez parece ter a intenção de desacreditar não apenas a Morales, mas a todo seu partido como atores legítimos da política boliviana, diz o material.

O anterior, unido a golpes bruscos em matéria de relações internacionais –  com a criação de novos laços estratégicos -, fecham o cerco de uma roda na qual se consolida e tratam de legitimar ainda mais o golpe Estado.

A chanceler designada, Karen Longaric, deu a conhecer a decisão de Áñez de restaurar os nexos diplomáticos com Israel, interrompidos em 2009 pela administração de Evo Morales em rechaço aos contínuos ataques sionistas contra os palestinos residentes na ocupada Faixa de Gaza. 

A Bolívia reconheceu em 2010 o Estado da Palestina e dois anos mais tarde deu seu apoio ao ingresso à Organização das Nações Unidas ao que se seguiu em novembro de 2013 o estabelecimento de relações diplomáticas.

E agora, em manos de três semanas, o regime de fato reestruturou em sua totalidade o mapa de relações exteriores construído nos últimos 13 anos. 

Primeiro rompeu com o governo venezuelano de Nicolás Maduro e estendeu a mão ao dirigente opositor Juan Guaidó como presidente encarregado, em um gesto de complacência com os Estados Unidos e seus aliados. 

Depois, junto com a remoção dos embaixadores designados pelo governo de Evo Morales, retirou o país dos fóruns de integração como a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América- Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP) e a União de Nações Sul-americanas (Unasur).

A mais recente jogada foi a designação de Walter Serrate como novo embaixador nos Estados Unidos, depois de 11 anos de relações bilaterais de encarregado de negócios..

Em 2008 o governo da Bolívia expulsou o então representante de Washington em La Paz, Phillip Goldberg, diante da aberta ingerência nos assuntos internos do país. 

De igual maneira, a administração de Evo Morales tirou do território boliviano a Administração para o Controle de Drogas (DEA) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), assinaladas como mãos peludas na desestabilização política e social na área.

Desde sua chegada ao México, onde recebeu asilo político, Evo tem denunciado a legação diplomática estadunidense por ser responsável de urdir o golpe de Estado contra ele, que agravou a crise institucional e política que deixou até o momento mais de trinta mortos e em torno de 800 feridos. 

**Tradução: Beatriz Cannabrava

**Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Deisy Francis Mexidor

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