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ToggleA semana foi marcada pela ebulição política em vários países latino-americanos. Após a crise peruana ter se amenizado, fomos surpreendidos, nesta quinta-feira (4), por uma onda de protestos no Equador e pela resposta do presidente Lenín Moreno, que decretou Estado de Exceção no país pelos próximos 60 dias.
A motivação de fundo para o descontentamento popular está no pacote econômico decretado pelo governo e o aumento do preço dos combustíveis.
Setores da sociedade civil organizaram uma paralisação nacional e o governo decidiu implementar duras medidas como resposta. A oposição, por sua vez, considera que os acontecimentos são graves o suficiente para destituir Moreno e convocar novas eleições.
Resumen Latinoamericano
Mobilizações nas ruas de Quito
Mas como o país chegou a este ponto? É o que vamos explicar na sequência em seis pontos:
1) Pacotaço econômico
O governo anunciou, na última quarta-feira (2), um pacote econômico com a eliminação dos subsídios para o consumo de combustíveis fósseis e a liberação dos preços do diesel e da gasolina, o que afeta toda a cadeia produtiva do país e aumenta o custo de vida afetando, principalmente, pessoas com renda mais baixa.
O conjunto de medidas econômicas é uma resposta às exigências feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e foram enviadas à Assembleia Nacional em caráter de urgência.
O Equador é produtor de petróleo e os subsídios estiveram vigentes no país por 47 anos. De acordo com a atual gestão, US$ 1,5 bilhão passará a entrar no caixa do governo, montante que será destinado à educação e à segurança pública, segundo fontes oficiais.
De acordo com o ministro das Finanças, Richard Martínez, a decisão evita que o país siga favorecendo “as máfias que levam dinheiro para Colômbia e Peru”.
Apesar do forte rechaço popular, o governo disse que as medidas seguem firmes e que não existe a mínima possibilidade de mudá-las.
Em reunião realizada nesta sexta (4), Moreno afirmou que está aberto ao diálogo e que serão lançadas medidas paliativas para amenizar o efeito em alguns setores, “mas sob nenhuma circunstância vamos mudar a medida. Que ouçam bem, não vou mudar a medida. Acabou o subsídio”.
El presidente Lenín Moreno se encuentra en Guayaquil. Se pronuncia por las declaraciones de Jaime Nebot, exalcalde de Guayaquil, y de Guillermo Lasso, excandidato presidencial, frente a las medidas económicas.
Vía: @jandresgonz73 pic.twitter.com/mYp4dFVZwD
— El Comercio (@elcomerciocom) 4 de outubro de 2019
As medidas apresentadas e que dizem respeito à reforma trabalhista foram pouco detalhadas pelo governo. Entre as principais, estão:
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redução do salário de funcionários temporários no setor público em 20%;
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diminuição das férias de funcionários públicos de 30 para 15 dias;
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empregados do governo deverão doar um dia de trabalho por mês e
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mudanças na aposentadoria no setor privado
2) Greve nacional
Após o anúncio do pacote, setores vinculados à área dos transportes anunciaram greve. Ao chamado se somaram setores indígenas, sindicais, camponeses, trabalhadores urbanos e movimentos de mulheres e de artistas, entre outros.
Nesta sexta-feira (4), segundo dia dos protestos, as cidades equatorianas amanheceram com quase nenhuma circulação de ônibus, táxis e com diversos bloqueios de vias públicas, além de queima de pneus, manifestações e saques. As aulas no país foram suspensas por ação do executivo.
A prefeita de Guayaquil, Cynthia Viteri, criticou as medidas em suas redes sociais. Para ela, Moreno quer enfrentar o déficit fiscal após o acordo feito com o Fundo Monetário Internacional (FMI) fazendo com que os mais pobres paguem pela crise:
“A verdade poderia ser resumida em uma só, a verdadeira medida que tomou o governo é que acaba de subir a passagem do transporte público e de carga em todo o país, e assim, o custo de vida.”
Las medidas económicas tomadas por el gobierno central se resumen en una sola: Subieron el pasaje del transporte público y de carga, por lo tanto el costo de la vida. Escondieron la serpiente en un canasto de manzanas.
— Cynthia Viteri (@CynthiaViteri6) 3 de outubro de 2019
3) Estado de exceção
O estado de exceção foi decretado nesta quinta-feira (3) para fazer frente aos protestos iniciados na última quarta. De acordo com Moreno, ele visa “precaver a cidadania e evitar o caos”.
Los derechos se exigen sin perjudicar aquellos que son fundamentales para el progreso del país: trabajo, educación y libre movilidad. Garantizamos la seguridad ciudadana, la libre circulación y la protección de la propiedad. #NoAlParo #DecididosACrecer pic.twitter.com/agFqe74oTV
— Lenín Moreno (@Lenin) 3 de outubro de 2019
A decisão permite que militares saiam às ruas para dispersar a multidão que, segundo Moreno, tem como objetivo desestabilizar o governo.
A medida define, entre outras coisas, que:
· Haverá mobilização nacional de entidades públicas, polícia nacional e Forças Armadas para controlar a ordem pública;
· Suspende o direito à liberdade de associação e de reunião. Consiste em limitar as aglomerações em espaços públicos;
· Limita a liberdade de trânsito;
· Todo o país se torna uma zona de segurança;
· O Ministério das Finanças poderá destinar todos os fundos necessários para sustentar a exceção, menos os dirigidos à saúde e educação.
4) Repressão
A polícia usou gás lacrimogêneo e tanques para dispersar as multidões nas ruas. Entidades de direitos humanos afirmaram que ao menos 80 pessoas foram detidas — entre elas quatro menores de idade. Outros 19 manifestantes foram feridos e 20 jornalistas agredidos.
Agentes da Polícia Nacional do Equador detiveram o coordenador nacional do movimento Pachakutik, Marlon Santi, e o dirigente estudantil indígena, Jairo Gualinda, como anunciou a Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (Confeniae). De acordo com a organização, a polícia equatoriana dissolveu com violência a manifestação pacífica.
Já a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), em nota, responsabilizou a ministra do governo, María Paula Romo, e o próprio presidente pela “detenção seletiva de lideranças indígenas”.
Romo também anunciou a detenção de Calderón, líder dos taxistas que rechaça acordo com o governo. Ele foi preso por “delito de paralisação do serviço público”. Junto a ele foram detidos outros dois dirigentes do setor de transportes.
5) Destituição de Moreno e novas eleições
Diante da situação vivenciada no país, a parlamentar oposicionista Gabriela Rivadeneira pediu que o presidente da Assembleia Nacional, César Litardo, convoque uma sessão extraordinária para debater a destituição de Lenín Moreno e a antecipação das eleições presidenciais, previstas para 2021.
“Se a Assembleia não está à altura do povo equatoriano, todos a apresentar as renúncias”, disse Gabriela.
6) Rafael Correa
O ex-presidente do país, Rafael Correa, que vive exilado na Bélgica, também se pronunciou sobre a crise.
E um vídeo satírico, ele canta “Lenín Chao” (Lenín, tchau), em uma paródia à música Bella Ciao. Veja:
Rafael Correa canta “Bella Ciao” para manifestar su apoyo a las protestas contra Lenín Moreno en Ecuador. “Bella Ciao” es una canción popular italiana que fue adoptada como un himno de la resistencia antifascista. Esta también se escucha en la serie de Netflix: “La Casa de Papel” pic.twitter.com/9wnuQI49jX
— Gabriel Ramos (@Gabo_ra27) 4 de outubro de 2019
Correa é o maior opositor de Lenín Moreno, que venceu as eleições apadrinhado por ele e depois se voltou contra o correísmo e a chamada Revolução Cidadã, direcionando seu governo para a direita, o que gerou um racha no partido Alianza País, criado pelo ex-presidente.
O ex-mandatário tem uma ordem de prisão decretada no Equador pelo suposto envolvimento no sequestro de um ex-deputado da oposição em 2012 na Colômbia.
*Vanessa Martina Silva é editora da Diálogos do Sul
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