“Morar no Brasil, no Rio de Janeiro, é você ver filho de pobre sendo esquecido todo dia. Por isso que a demanda de matar pobre aqui é fácil, porque nunca dá em nada. Pessoal vive de mímica. Essa é a grande verdade. Para a família resta a dor, saudade e continuar a vida. Juntar os cacos.
Eu estou tentando voltar ao trabalho. Eu fui gesseiro e estou tentando voltar, continuar a vida. O que eu posso é entrar com um processo contra o Estado que ainda não andou. Ninguém fala mais nada sobre o caso, sinto que caiu no esquecimento. Hoje quem cuida do caso é a Defensoria Pública. É o que tem pra resolver. Vamos ver se em 20 anos sai alguma coisa, porque é assim que funciona.
Se eu não gritar fica difícil. Alguém me faz um mal e eu que tenho que buscar meus direitos. Em um país que você paga imposto como um miserável, você que tem que correr atrás desse tipo de prejuízo, quando deveria ser o contrário: quem te faz mal é que deveria estar preocupado em te reparar.
Minha esposa nunca mais voltou ao que era antes da morte do Benjamin. Convivo com a saudade do que ela foi e com a ausência do meu filho. Em um segundo ela está rindo e de repente se acaba em lágrimas. Eu, como homem, me sinto na obrigação de proteger a família, mas é um pesar muito grande, uma saudade imensa.
Entendo o sofrimento da família da Ágatha [Félix, morta durante operação policial na sexta-feira (20/9), no Complexo do Alemão, no Rio], porque só entende é quem perde. Desejo que Deus conforte o coração da família dela como tem tentado fazer com a gente. A vida nunca mais é a mesma. Toda festa alguém faz falta. Não tem dinheiro no mundo que traga isso de volta. A Ágatha tinha 8 anos e ela podia ser o que ela quiser: uma advogada, uma desembargadora, qualquer coisa. A violência arrancou ela da gente. E eles acham que a violência que vai funcionar.
Só pessoas que estudaram, fizeram faculdade, são doutores, é que são presas por corrupção e têm algum julgamento. Enquanto isso, pobre leva tiro na favela. No quintal que se tem para brincar se leva tiro. Como confortar o coração de uma mãe que perde o filho, de alguém que perdeu uma parte de si? Só o tempo.
Um cara como o Witzel [Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro] que vê uma vida sendo ceifada no sequestro do ônibus e desce comemorando como se fosse um gol. Vergonha, né? Não tem nada de positivo. A vida não tem preço. Se a lei diz que você tem que ser preso caso cometa um crime, essa lei está escondida, né? Porque a lei real é matar, seja criança, adulto, velho… Como você conversa com alguém assim? Isso não é mudança”.
Ponte Jornalismo / Foto: arquivo pessoal
Grafite em homenagem ao pequeno Benjamin no Complexo do Alemão
O que me dá força? Eu não posso pensar em tristeza porque eu tenho um filho muito alegre. Você não teve o prazer de conhecer o Benjamin. Ele era uma criança que acordava sorrindo. Você tem noção disso? O que me faz continuar é isso. Saber que meu filho me deixou um legado muito rico de felicidade. Se eu pensar em tristeza, eu vou meter a mão no revólver e fazer merda. Até no enterro dele eu tive que pedir esmola pra poder pagar, porque eu estava sem emprego e até agora ninguém do estado chegou pra trocar ideia. Eu vi todo mundo ir embora, até as ONGs que me ajudaram no começo.
Se eu ficar lembrando o que houve no dia 16 de março eu surto e viro um criminoso. Aí a mídia vai ter o que ela quer pra fazer matéria: Pai do Benjamin, traficante, foi morto. É muito triste você conhecer as pessoas em um contexto de morte e hoje as coisas estão cada vez mais difíceis no Rio.
Para a família eu rezo que eles tirem força de onde eles não têm mais, porque sua autoestima vai lá embaixo. Que Deus conforte o coração dela e o legado de 8 anos da Ágatha fique no coração dela. Que a família consiga lembrar das coisas boas.
Matar inocente não dá nada. Se você pegar uma sala com 6 por 6 metros quadrados ela entope de processo e não cabe mais nada. Tem muita gente que morreu, tá morrendo e vai morrer ainda. Você sabe quanto custa uma bala? Sete reais é o projétil do fuzil. Pode pesquisar. É isso que vale uma vida no Rio de Janeiro. E depois de um ano e meio, você ouve falar em Benjamin?
Eu fico chateado porque até no ativismo é difícil de lembrarem. Você só é divulgado se você tiver junto. Se tu não puder participar, seu caso não é divulgado. O Benjamin nunca é lembrado. Isso dói. Ele era um bebê. Tá morrendo criança. Isso mostra o pouco respeito pela vida de quem atira. Eu não tenho muito pra onde correr, então se eu quiser que ele tenha um pouco de justiça, alguém tem que ouvir”.
(*) O gesseiro Fábio Antonio da Silva, pai de Benjamin, que, em março do ano passado, foi morto no Complexo do Alemão, no Rio, mesma comunidade onde Ágatha Felix, 8 anos, foi morta em operação policial na sexta-feira, deu o depoimento ao repórter Leonardo Coelho.
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