Aliado com as igrejas e grupos de extrema direita, o Congresso da Guatemala pretende criminalizar todas as manifestações de liberdade das mulheres à respeito de sua sexualidade e status familiar por meio da iniciativa 5272, que já conta com parecer favorável da comissão de legislação e de pontos constitucionais presidida por um dos deputados mais retrógrados que já passou por essa casa.
Esta iniciativa leva como pomposo e inocente título “Lei para a proteção da vida e da família”. No entanto, sua intenção é consolidar o controle absoluto sobre a saúde, a vida íntima e as preferências sexuais da população, com ênfase especial em meninas, mulheres e outros grupos da sociedade cujas decisões na matéria saem do marco convencional. Com absoluto desprezo pela natureza independente de um Estado laico com relação às doutrinas religiosas, certos legisladores – com plena cumplicidade do Executivo – pretendem impor restrições às liberdades consagradas pela Constituição e desse modo criar um âmbito vulnerável a medidas repressivas de caráter fundamentalista.
Entre algumas de suas propostas, a iniciativa propõe a “necessidade de incrementar a pena e reestruturar figuras penais relacionadas ao aborto” (sic); também entre suas modificações argumenta que a diversidade sexual deve ser considerada “incompatível com os aspectos biológicos e genéticos do ser humano”, classificando desse modo a homossexualidade como uma patologia indesejável à qual se deve combater a partir do âmbito das leis.
Mediun
intenção é consolidar o controle absoluto sobre vida sexual da população
É importante assinalar que a Guatemala é um dos países mais atrasados quanto à interrupção voluntária da gravidez, apesar de ser um dos países mais golpeados pela violência sexual contra meninas e mulheres. Os escassos indicadores confiáveis – por ser este um tema tabu sobre o qual se desconhecem estatísticas reais – mostram níveis arrepiantes de violações de meninas com resultados de gravidezes não desejadas e de alto risco.
A indiferença do Estado da Guatemala diante desta situação se reflete sem disfarces no abandono de políticas públicas de saúde sexual e reprodutiva, mas também na crueldade com que se impede meninas entre 10 e 14 anos ou mulheres vítimas de violência sexual interromper de maneira segura uma gravidez que a muitas lhes custará a vida.
Igualmente se manifesta na nula atenção prestada pelas instituições do governo às denúncias diárias de desaparecimento de crianças, adolescentes e mulheres vítimas das redes de tráfico de pessoas que operam no território com absoluta impunidade. Mas a perversa visão dos políticos não para por aí. Em plena campanha eleitoral, um candidato lança a proposta de persuadir as vítimas de gravidezes não desejadas, de ir até o fim com vistas a entregar seus bebês à adoção desde o ventre. Esta tem sido no passado outra das cruéis formas de exploração humana e um dos negócios mais frutíferos para os traficantes de bebês guatemaltecos, e por isso é uma iniciativa que deveria ser investigada pelas autoridades correspondentes.
Em nossos países, ser mulher é uma desvantagem desde o nascimento. Portanto, aqueles que pretendem criar mais ferrolhos para limitar seus direitos humanos e sua liberdade de decisão cometem o delito de abuso de autoridade ao operar a partir de instituições do Estado, cuja missão é atender aos problemas mais graves da sociedade – como o da violência sexual contra meninas e mulheres e o tráfico de seres humanos – em lugar de ostentar sua falsa moral para conseguir votos.
*Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava