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O risco Bolsonaro: 8 pontos para pensar as eleições

Medo, senso comum, mídia, mercado, direita raivosa e poder: como entender a ascensão de Bolsonaro?
Ronaldo Pagotto
Brasil de Fato

Tradução:

Há alguns meses no Brasil – e mais intensamente nas últimas semanas – não se fala de outra coisa nas ruas, bares, restaurantes, redes sociais, no transporte público, nas universidades, bairros e escolas. O monotema das eleições, especialmente as presidenciais, se tornou onipresente na vida cotidiana brasileira.

No meio dessa sala de espelhos quebrados, recheada de impressões, desespero e notícias falsas, o lugar da análise, a importância dos programas e projetos para o Brasil e a oportunidade do pensamento crítico têm sido sufocados. 

Medo, senso comum, mídia, mercado, direita raivosa e poder: como entender a ascensão de Bolsonaro?

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Bolsonaro posa com militares que ocuparam a Presidência durante a ditadura / Flickr/Reprodução

Para tentar entender “as eleições do fim do mundo”, esse texto reúne algumas observações sobre temas presentes nas eleições e sobre alguns desafios. O medo, a representação do senso comum, o papel da mídia, os anseios da burguesia e os humores do mercado, o desespero da direita que soltou suas feras e hoje vê suas mãos sujas, são alguns dos pontos abordados, assim como as tarefas e esperanças do campo progressista. E para organizar foi dividida em pequenos temas para o debate.  

1. O grande elemento é o menosprezo pela “hipótese Bolsonaro”

A possibilidade do candidato de extrema direita se manter foi desconsiderada quase unanimemente. As eleições anteriores foram a baliza do erro: com o curso da campanha essa candidatura seria desidratada e definharia para um lugar próximo dos 8 a 12%.

O erro, que sou um deles, me parece ser um descuido com a aderência da sociedade (senso comum) as propostas dele. Mesmo com pesquisas indicando que o pensamento conservador estava sólido, a confiança (e a vontade) na possibilidade dele definhar foram sempre maiores.

2. A grande mídia, o mercado e a democracia

A mídia faz um serviço excepcional para afastar o interesse popular das eleições e da política. Esse trabalho é uma obra bem executada especialmente pela mídia televisiva e de rádio. Ao tratar a política como um campo de interesses mesquinhos, corrupção, negociatas, partidos como siglas sem coloração ideológica, em resumo, atacando o sistema político e a democracia como um todo, ajuda a criar uma indiferenciação para esses temas e uma visão cética do cenário.

A esse ataque ao sistema político se soma o esforço de blindagem e endeusamento do mercado como o locus da virtude, progresso, ética, eficiência, etc. É uma prestação de serviços – publicidade – combinada com uma clara visão ultraliberal de que todas as questões econômicas, sociais e políticas seriam resolvidas pelos métodos, boas práticas e lógica do (Deus) mercado. Além de a-histórica, não passa de propaganda barata. Mas cola.

Afinal, atacar os “políticos” beneficia quem? As correntes políticas liberais, neoliberais e ultraliberais em voga, que trata como comuns as práticas de parte considerável do assim chamado sistema político, o que é excelente para criar uma imagem de que é inerente à política os desmazelos, negociatas, fisiologismo, corrupção e toma lá dá cá.

Se a política é o campo central da luta por justiça social e aprofundamento da democracia, afastar o povo desse campo é estratégico, necessário e funcional para os setores conservadores. A obra mais acabada dessa dinâmica na política é a distancia do povo e no terreno ideológico é o ceticismo. Um povo que não acredita nas instituições, na via da política para enfrentar os problemas, pode ser levado a esperar da sorte, de Deus ou de um salvador valentão. Portanto, é absolutamente funcional para os setores conservadores alimentarem o ceticismo.

Sem adentrar no tema, mas é importante destacar que grandes tragédias, como o nazifascismo, foram acompanhadas (precedidas) de uma geração cética, combinada com outros fatores também importantes (agravamento da crise social, um líder meio mítico, todo poderoso, autoritário e forte, dentre outros).

3. O medo dá origem ao Mal

Um dos principais temas da grande mídia e do campo conservador é a segurança. A programação diária da TV aberta tem grande parte dos programas dedicados ao tema da violência e criminalidade. A visão central contempla 4 teses fortes de que no Brasil não há justiça (1), os bandidos se protegem na legislação (branda) (2), nos mil recursos (3) e não vão em cana (4). Isso é alimentado diariamente com o sensacionalismo e espetáculo de casos de impacto. Essa uníssona forma de tratar o tema da violência gera uma reação previsível: clamor por mais cadeias, mais penas, mais policiais e alcança as raias de legitimar a enormidade de crimes cometidos por polícias em serviço e fora. E transborda para estimular os justiçamentos / linchamentos, que só crescem.

O resultado, além da pauta se converter em central, sempre com base em aumento das penas, das prisões, do contingente da polícia, de mais armas, etc. é um grande volume de candidatos terem como plataforma o eixo segurança e liberalismo econômico.

Esse tema não considera a enormidade de assassinatos a cada ano, quase a totalidade de pobres, grande parte sob a ação direta da policia; o aumento desproporcional do quadro de encarcerados, aproximadamente 1/3 sem julgamento / condenação; o absurdo crescimento dos linchamentos (justiça com as próprias mãos é uma resposta lógica para essa hiper percepção de injustiça).

Assim como o ceticismo é funcional, o medo é uma base essencial do desenvolvimento de respostas autoritárias e conservadoras. Alguém com medo tende a ser mais conservador e isso na política é um caminho para o voto que supostamente defenda a sociedade, a família, o mercado das ameaças…O medo é útil e vem casado com a busca de responsáveis. Bastaria estudar o que foi o medo do comunismo para os costumes, a família, o mercado, etc.

4. O senso comum em busca de representação e vice-versa

O senso comum é um tema relevante e que nesses tempos ganha ainda mais importância. Um conceito que explica a visão de mundo circunscrita a experiência (empírica) e alimentada por dogmas, credos e visões simplistas dos problemas complexos e usa – e abusa – dos preconceitos.

Esse conceito nos é importante para compreender parte da aderência a candidatos do perfil do Bolsonaro. Ele é o candidato do senso comum, é a reprodução desse repositório popular de visões de mundo (quase sempre olhando o futuro por um retrovisor) e isso não aparece, quase sempre fica oculto, escondido, tímido. Aparece no voto, no apoio/recusa de propostas avançadas, na manutenção da violência, das práticas antidemocráticas, na LGBTfobia, no anticomunismo, e essa visão de mundo alcança boa parte da nossa sociedade. Os expoentes desse “pensamento” não educam ninguém, mas expressam – verbalizam – o que as pessoas pensam. Pode ser duro lidar com o fato de parte da sociedade – e especialmente entre os setores populares – haja uma presença e aderência a esse discurso do tipo Bolsonaro.

O fato de haver pobres e setores populares aderindo a esse tipo de discurso não é um “defeito” ou problema do povo, mas sim que os setores democráticos e progressistas não enfrentam o problema da disputa ideológica da sociedade como parte central da luta, junto com a luta política e a luta econômica. Ademais, a democracia de massas não seria tão ampla se as grandes massas não emprestassem apoio aos setores conservadores, e é estranho ver análises que insistem em tratar a aderência do povo aos conservadores como um fenômeno brasileiro, uma jabuticaba sempre descrita em tom de piada “só no Brasil pobre vota em rico”. Que engano.

5. A direita “limpinha” soltou as feras e está sendo comida por ela

No período entre 2013, especialmente pós junho, e hoje, a direita brasileira buscou acionar os setores mais conservadores e atrasados, a ultra direita, sendo parte dela mais ativa a fascista, para a luta. Foram lá buscar as feras de dentro das cavernas achando que seriam controláveis e funcionais para derrotar o petismo, a esquerda e os governos frentistas. O que era uma funcionalidade se converte em algo sem controle. É dizer: a direita “limpinha” aciona as feras e por ela é comida.

Esses setores cavernícolas realizaram as ações e campanhas mais nefastas das últimas décadas no Brasil. Foram as ruas em manifestações LGBTfobicas, sexistas/machistas, racistas, xenofóbicas, anticomunistas, antidemocráticas, etc. ganharam a luz. Mas o ritmo foi mais intenso no pós junho e com a crise econômica. E esse campo era útil a essa direita limpinha e cumpriram um papel de ocupar as ruas com atos, realizar ações pontuais, chegando a provocações mais sérios, perseguições de lideranças, tudo pregando a defesa desse Brasil ameaçado pelo comunismo-gayzista-abortista-corrupto. 

Se isso foi útil e necessário para a direita dar um golpe de estado no Brasil, romper com a institucionalidade, aplicar um programa neoliberal e atacar direitos do povo, hoje é uma ameaça a esses setores. Alckmin, Amoedo, Álvaro Dias e Meirelles se veem diante de uma dificuldade comum: não se seguram nesse cenário e não controlam o crescimento dessa força oriunda das cavernas.

6. Disputa entre Haddad x Bolsonaro: a polarização como chave de análise

A crise econômica é a antessala da polarização. Ela dividiu a sociedade, de um lado quem quer passar a fatura para quem sempre paga, os pobres, e de outro quem acredita que deve ser paga de acordo com a renda, ou seja, os ricos e o mercado precisam pagar por ela. Pra agravar, os que queriam que o povo pagasse deu um golpe e aplicou um programa que é a expressão disso. O povo está pagando caro pela crise, a pobreza extrema dobrou em 2 anos, o desemprego disparou, ataques a Justiça do Trabalho e ao sindicalismo são apenas alguns dos resultados dessa estratégia aplicada pelos golpistas.

Diante desse quadro a sociedade se dividiu de norte a sul. E resultou em uma maior radicalização das pautas, bandeiras e posições: a direita soltou as feras do fascismo pra ocupar as ruas e o campo progressista, até os setores mais moderados, endureceram o discurso. Uma clara situação em que a política momentaneamente inviabiliza as saídas centristas e tensiona para os extremos: de um lado os que querem que o povo pague a fatura; de outro os setores que entendem que ela deve ser paga pelos mais ricos e o mercado (especialmente os bancos e as grandes empresas), setores pouco afeitos a impostos e a responsabilidade social.

A chave para compreender o diferencial dessas eleições é a polarização política. Ela é o resultado da crise econômica, social, política e ambiental e isso tem reflexo nas candidaturas e propostas. Os candidatos (a) que buscam um lugar centrista estão em condições muito desfavoráveis para um crescimento eleitoral e isso é explicado pela polarização política.

A polarização apresenta um quadro controverso, como é natural na política. Embora seja uma tendência aos polos mais extremos, sempre guarda a possibilidade de políticas que busquem romper com a polarização e construir uma alternativa “centrista”.

Mas é preciso entrar nesse debate. A polarização não reflete duas candidaturas (ou mais) tratadas como radicais, mas as saídas dependem de mudanças mais estruturais e diametralmente opostas. Nesse quadro as saídas não serão de conciliação, mas de disputa, da velha luta de classes e da busca por formar maiorias nas ruas, no executivo, no parlamento.

Uma observação importante é sobre radicalismos. As campanhas que buscam uma saída de tipo centrista – Alckmin, Marina e Ciro – afirmam, cada qual a seu modo, que estão diante de dois radicais e são a solução para esse tempo polarizado. É um esforço de nadar contra a maré, ou ir contra a realidade. O que define a polarização é a crise e a impossibilidade de saídas intermediárias nesse momento. Sobre o discurso de maior radicalidade – e destempero – isso é obra das feras soltas pela direita de Higienópolis e que estão incontroláveis. A esquerda é só o setor da sociedade com capacidade de enfrentar a contento esses setores.

7. O apagão do PSDB

O PSDB passa por uma crise. O último presidenciável escondido em uma candidatura para não perder o foro, nomes importantes que abandonaram a disputa – Serra, Goldman, Aloysio, Covas (migrou para o patriota) e o Geraldo Alckmin sem rumo. É a candidatura com a coligação mais ampla, com mais recursos e tempo de TV / Rádio, com uma ampla presença nacional e força em estados importantes, com um candidato que ganhou o governo do Estado com mais de 12 milhões de votos e já disputou a Presidência da república. Mas está numa pior.

Porém, como a situação dele chega a um estágio de crise grave, tornando o segundo turno praticamente inalcançável. Alguns dos problemas principais do tucano poderiam ser resumidos a três: Lula, uma facada e a polarização política.

Desde 1989, primeira eleição pós ditadura, até 2014, última presidencial, a disputa se deu entre o campo progressista e conservador. Excetuando as eleições de 1994 e 1998, ocasião em que FHC ganhou no 1º turno, as demais retrataram um embate no 2º turno entre os dois grandes campos. Isso determina, com alguma segurança, que, em havendo dois turnos, uma vaga é para a direita e outra para a esquerda.

Sendo essa uma premissa correta, Alckmin disputaria – com folga – a vaga da direita. Para tanto, precisaria enfrentar as candidaturas dentro da direita, atacar o PT, partido que lidera o bloco pela esquerda, e se posicionar na polarização com posições correspondentes. Porém, encontrou um quadro adverso.

Primeiramente, o PT. O partido e a figura de Lula passaram os últimos 10 anos sob fogo diário de todos os grandes meios de comunicação – especialmente TV – com uma verdadeira campanha para destroçar o PT e matar Lula como símbolo. Mesmo com toda essa campanha, as coisas não saíram como o esperado e o povo seguiu dando apoio.

Ele precisaria ter se colocado para o eleitor conservador como o mais capaz de governar e vencer o PT. Mas atacar o PT e Lula, nome quase impronunciável, é um fator de alto risco e o tucano vacilou. Iniciou a campanha a frio, falando em generalidades e passando uma imagem de bom gestor.

Em segundo, o PSDB. Alckmin usou muito poder dentro do PSDB nas eleições municipais de São Paulo. Isso causou – e ainda causa – um enorme impacto. O PSDB paulista entrou em crise, mesmo governando o Estado e a maior cidade do País. Projetar Dória, um lobo solitário, sem vida partidária e qualquer perfil de trabalho coletivo, custou caro. O partido lançou duas candidaturas fracas ao Senado, perdeu Covas Neto, Dória faz uma campanha semelhante a para prefeito como sendo de oposição. Ninguém fala do Alckmin: nem Dória, nem os candidatos ao Senado. Alto preço para o verdadeiro cavalo de pau que deu no ninho tucano. Pra agravar o voto BolsoDória passou a ser a tônica da campanha. Perfídia, diriam os antigos. Dória, diriam os que o conhecem.

Em terceiro, a vaga da direita no segundo turno é liderada pelo Bolsonaro e quando a campanha começou a ganhar corpo, o capitão foi esfaqueado e isso criou um clima ruim para ataca-lo, dificultando muito para o tucano. Essa condição de vítima garantiu uma certa proteção ao Bolsonaro somente superado nos últimos dias. Isso dificultou a disputa de voto para o tucano.

Em quarto, Alckmin tentou fugir da polarização ao buscar, inicialmente, uma campanha com um conteúdo programático e menos de ataques ao PT e a propaganda dos pontos mais polêmicos do seu programa. Isso só mudou após as primeiras pesquisas após o programa eleitoral, quando ele passou a adotar uma postura mais agressiva com o petista e o Bolsonaro, a primeira para se adequar ao lugar de oposição consistente ao petismo; e ao Bolsonaro para disputar a vaga da direita de fato.

A quinta contribuição as dificuldades do tucano são lembradas pelo Temer em um dos vídeos a ele. Temer dá um “abraço de afogado” no Alckmin que lhe causa graves prejuízos. O PSDB está no governo golpista até hoje. O ministro das Relações Internacionais é o Aloysio Nunes, nome forte do tucanato paulista, até hoje. Não adianta se colocar como alternativa, criticar o Temer, por que não cola. São a mesma coisa, o golpe foi articulado e impulsionado pelo PSDB e isso é um dos componentes da dificuldade dele de decolar: é fiador e parte de um governo golpista e que tem a pior taxa de aprovação da história.

O último é que a direita embarcou numa força que se projeta antissistema, antipolítica, anticorrupção, e isso tudo é associado ao tucano em seu desprestígio.

8. Bolsonaro e “bolsonarismo”

O repulsivo candidato é uma figura de massas. Seu papel de liderança se consolidou nessa campanha e permite tratar o futuro político do pais, seja qual for o resultado, com a presença política de um setor neofascista com força de massas. Enfrentar – e derrotar – o candidato é um desafio mais fácil e tem data para acontecer.

Outra coisa é o enfrentamento ao que significa esse bloco político inédito com essa força desde os galinhas verdes e os tempos pré golpe de 1964. Uma força com disposição militante, ativa, animada, que segue o líder no que ele falar, com boa disposição para ir as ruas e com clara aderência ao programa. Esse bloco não é homogêneo, mas a cada dia – da candidatura – ele se unifica mais.

Por isso o cálculo de que o nome mais fácil de vencer no segundo turno é o dele, mas sem considerar que o segundo turno será uma oportunidade inédita para esse setor enraizar no Brasil todo como uma força organizada e ativa. Isso é o fascismo ganhando forma. Por isso, cautela. Animar com a ida dele ao segundo turno não pode ofuscar que teremos um caminho duríssimo no próximo período, e para o qual os setores progressistas só conseguirão vencer se construírem uma ampla aliança com o campo nacionalista, democrático e liberal.

E como sabemos esse campo representado pelo capitão é um campo atrasado, violento, antidemocrático e que saiu das cavernas para a vida política. E não voltará fácil.

São algumas observações para o debate. Não teremos tempos fáceis, mas venceremos. E como nos ensinou Marx:

“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.

 

*Advogado trabalhista e sindical, integra a Direção Nacional da Consulta Popular.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Ronaldo Pagotto

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