Alguns pensavam que a crise tinha passado, que a Máfia tinha sido vencida e que, então, estava aplainado o caminho para seguir adiante, combatendo sem resistência por objetivos mais altos.
A vida demonstrou que isso não é assim. A Máfia está viva e rebolando. Acaba de desferir um duro golpe à administração de justiça removendo o Juiz Richard Concepción Carhuancho do processo penal que levou à prisão a Keiko Fujimori. E, se isso não fosse suficiente, explorou uma fraca resposta de Martín Vizcarra referida a contratos subscritos por uma empresa de seu irmão – há catorze anos – com um consórcio de que Odebrecht era um dos integrantes, para lançar contra o Mandatário impropérios de grosso calibre.
O caso do Juiz terá consequências, sem dúvida. Não apenas porque a decisão foi adotada por uma Sala Penal já questionada – a Sala Huayanay – mas também porque não se seguiu, no caso, os mais elementares procedimentos legais. Nem sequer se ouviu a declaração da Promotoria, que tinha obrigação de opinar na matéria.
A sanção contra o Juiz – não se pode falar em outros termos – é infundada e abusiva. O que fez Richard Concepción foi repetir o que havia escrito em sua sentença, que já era documento público. Carece, então, de sustentação, e parece justo quando o Magistrado preparava a acusação pertinente para ventilar-la em um julgamento de acordo com a lei. E, além do mais, interessada, por que foi tomada por um colegiado que integra, entre outros, Jesica León, acusada de ter vínculos com os “colarinhos brancos”, e com o Juiz Hinostroza Pariachi, prófugo da justiça; e por essa via, com a própria interessada, a hoje ré na prisão, Keiko Fujimori.
Mexer as peças na estrutura jurídica que tem o caso em suas mãos, e derrubar o juiz que teve a coragem de tomar medidas acautelatórias constitui, por certo, uma aberta provocação a justiça e um claro desafio à opinião pública. Ainda está quente a rua que há pouco abrigou centenas de milhares de manifestantes que – com suas vigorosas manifestações – atingiram dois altos objetivos: a reposição dos promotores Vela Barba e Pérez Gómez, e a renúncia do Promotor da Nação – Pedro Gonzalo Chávarry- um pássaro de alto voo, conivente em todos os extremos com a Máfia Keikista.
Trome.Pe
O juiz Richard Concepción Carhuancho disse que ela liderava uma organização criminosa encrustada no seu partido
Como ontem, hoje corresponde responder a esta grosseira manobra com a mobilização ativa da população. Uma vez mais, é preciso fazer sentir a força que tem a vontade de uma cidadania que não aceita armadilhas. Definitivamente, o juiz que dispôs o afastamento de Richard Concepción desta causa, não é mais poderoso que o Promotor que tomou as medidas punitivas contra os promotores destituídos no passado 31 de dezembro. Se este último foi derrotado, não cabe outro futuro a qualquer um que busque burlar-se da opinião pública.
Se requer neste caso – como no anterior – uma soma de vontades. É preciso agir em torno ao tema em todos os níveis: sindicatos, partidos, instituições culturais, colégios profissionais, entidades sociais, setores progressistas da Igreja, organizações agrárias, femininas, coletivos, redes, personalidades públicas; todos devem se pronunciar, mobilizar-se, agora. E fazê-lo rapidamente, para que esse engendro seja novamente derrotado.
E, claro, também a opinião das “alturas” é decisiva. Os congressistas, os ministros e o Chefe do Estado estão chamados a dar sua opinião de modo claro e transparente. Vizcarra foi categórico no tema de Vela e Pérez, e agora também deve ser. Em circunstâncias como esta, a abstenção ou o silencio atuam em benefício do inimigo. Não se pode esquecer isso.
Por isso é importante também reparar no segundo elemento do caso: a campanha contra o Presidente Martin Vizcarra que cobrou certa força em alguma “grande imprensa” – no diário Expreso, por exemplo-, e nas redes. Não obstantes, é preciso diferenciar dois níveis.
Por um lado, o da campanha evidente contra o Mandatário, e que se expressa em epítetos, calúnias, boatos ou ofensas de todo nível que são lançadas com uma pedra na mão: “traidor”, “vendido”, “Miserável”, “Vizcarrata”; e outras lindezas que conhecidos internautas lançam cotidianamente nas redes; ou que “analistas políticos”, e mesmo congressistas deslizam com engomado dissimulo. Alan Garcia, lidera isso, e “dá a linha”, mas ali se somam Mauricio Mulder, Héctor Becerril, Martha Chávez, Rosa Bartra, Víctor Andrés García Belaunde, Fernando Rospigliosi, Aldo M. e alguns mais.
Nesses casos se recorre a “primícias”, “documentos secretos”, “provas que vão sair” e até “declarações ainda não publicadas” que “confirmariam” os nexos entre o Chefe do Estado, Odebrecht e outras máfias. Esta ofensiva está impulsionada e implementada por Fujimorismo e APRA. É preciso rechaçar firmemente.
Por outro, está a distância legítima que muitos tomam – e nós também – com relação às orientações da política oficial em diferentes níveis. A população, em sua maioria, recusa o “Modelo” Neoliberal que Vizcarra sustenta. Também se mostra interessada em descartar a atual “Constituição do Estado” – a Carta de 93-, obra da ditadura, mal construída, e imposta contra a vontade dos peruanos. A maioria cidadã se mostra partidária de restaurar o papel do Estado promotor e regulador da economia, para neutralizar a voracidade das grandes empresas; sustenta mecanismos democráticos na adoção de políticas de Estado e uma clara vontade em matéria de meios de comunicação. Está farta da “Imprensa Chicha”, da “Televisão lixo” e dos meios a seu alcance. Tudo isso já foi expressado de maneira aberta e pública.
Não aceita, tampouco, nem as concessões que são feitas a empresas mafiosas – como Graña e Montero- nem o “pacote” anti-trabalhista que a CONFIEP busca impor à força, e em detrimento dos direitos dos trabalhadores. E menos ainda, a repressão brutal – e injustificada – contra os jovens no passado dia 15 de janeiro, ao final da mobilização sindical convocada pela CGTP.
Mesmo com seus matizes e suas variáveis em torno a temas específicos, a cidadania é partidária de uma política exterior independente e soberana, do respeito à livre determinação dos povos e à não ingerência nos assuntos internos dos Estados. Subscreve a ideia da solidariedade ativa com os povos e países que sofrem os efeitos da agressão exterior; e rechaça que a Chancelaria peruana seja digitada por Washington. Se tivesse que optar entre a Doutrina Porras e a “Doutrina” Popolizio, a primeira se imporia rapidamente. E apenas Gonzales Posada – e a venezuelana Paulina Fachín- optariam pela segunda.
Está proposto o tema, então, em termos concretos. O movimento popular não haverá de perder a bússola. Está muito acima das mentalidades medíocres e aplanadas que carecem de sustentação porque estão baseadas na mentira e na ociosidade.
A causa dos povos é legítima, porque se firma nos fatos, vale-se da verdade e reflete a vontade de milhões de abnegados combatentes. É por isso uma causa imbatível.
*Colaborador de Diálogos do Sul, desde Lima, Peru
Tradução: Beatriz Cannabrava