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Abril Vermelho: Luta pela terra no Brasil continua 25 anos após Massacre de Eldorado dos Carajás

Em entrevista, Ayala Ferreira, membro da direção nacional do movimento e do Coletivo Nacional de Direitos Humanos do MST, relembrou a brutalidade do massacre no Pará
Redação AbrilAbril
AbrilAbril
Lisboa

Tradução:

Tal como em 2020, as atividades agendadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para o Abril Vermelho são condicionadas pelo contexto da pandemia de Covid-19

O movimento, que tomou a decisão de promover as medidas sanitárias em defesa da vida, recorre a formas “criativas de atuação”, sem abdicar de duas questões fundamentais: a homenagem aos 21 trabalhadores rurais assassinados, em 1996, por agentes da Polícia Militar em Eldorado do Carajás, no estado do Pará; reivindicar a reforma agrária popular.

Ayala Ferreira / MST

Num país em que os trabalhadores rurais, na sua luta pela terra, tiveram de fazer frente a grande violência e à impunidade associada, o Massacre de Eldorado do Carajás possui forte carga simbólica.

Como forma de homenagem aos trabalhadores assassinados e àquilo que representam, 17 de Abril passou a ser o Dia Internacional da Luta Camponesa – uma data escolhida pelas organizações que compõem a Via Campesina.

Memória Diálogos do Sul
João Baptista Pimentel Neto | Eldorado dos Carajás: 20 anos de impunidade

Numa entrevista ao portal do MST, Ayala Ferreira, membro da direção nacional do movimento e do Coletivo Nacional de Direitos Humanos do MST, relembrou a brutalidade do massacre no Pará, falou da impunidade, das ações previstas para o “Abril Vermelho” e da situação no campo brasileiro, por falta de políticas do governo federal à agricultura camponesa e familiar.

Em entrevista, Ayala Ferreira, membro da direção nacional do movimento e do Coletivo Nacional de Direitos Humanos do MST, relembrou a brutalidade do massacre no Pará

Pesquisa de imagens Arquivo e Memória MST
Eldorado do Carajás, Pará, 1996

Extrema violência e impunidade

Sobre o massacre perpetrado há 25 anos na “curva do S”, em Eldorado do Carajás, no Pará, a dirigente destacou a “violência extrema”. Além das 21 pessoas mortas – “dez das quais executadas já rendidas” –, 69 foram mutiladas (algumas com as foices e os facões que usavam no trabalho), referiu a dirigente, acrescentando que o governo e o Estado como um todo assumiram uma atitude “de não-mediação, de não-negociação”.

“O massacre revelou que o Estado está do lado do latifúndio, que não tem interesse em implementar a Reforma Agrária mesmo estando prevista na Constituição Brasileira. É o Estado que alimenta o aprofundamento e a ampliação dos conflitos no campo, denunciou.

Ayala Ferreira enfatizou ainda a impunidade que envolve a violência contra os trabalhadores do campo no Brasil. Dos 1468 casos registados, apenas 117 foram a julgamento.

“Muitos desses julgamentos levaram à absolvição de mandantes e executores desse tipo de massacre, como o que ocorreu em Eldorado”, disse.

Enterro dos trabalhadores sem-terra vítimas do massacre na Curva do S, no Pará, em 1996 / J.R. Ripper / Pesquisa de imagens Arquivo e Memória MST

Com o “Abril Vermelho”, o MST procura organizar jornadas de luta e mobilizações massivas. No entanto, nestes “tempos difíceis”, o movimento assumiu a primazia das medidas sanitárias e a garantia da vida, por entender que, ao fazê-lo, tem “a possibilidade de garantir a superação de tantos outros problemas que são impostos” no atual contexto.

Em simultâneo, ao assumir que “é impossível deixar de rememorar o dia 17 de Abril por tudo o que representa”, as atividades terão um pendor mais criativo, nos territórios, assentamentos e acampamentos espalhados pelo país, e nas redes, nos espaços virtuais, para fortalecer a defesa do “projeto de desenvolvimento do campo, com a democratização da terra e a implementação de outras práticas para além do agronegócio, disse.

O “Abril Vermelho” está marcado para o período entre 17 e 21 de Abril, incluindo, entre outras iniciativas, o 15.º Acampamento Nacional da Juventude Sem Terra Oziel Alves Pereira“fazer a memória, reafirmar a vida e denunciar a total paralisação da Reforma Agrária no contexto do governo Bolsonaro“ (dia 17, às 10h); ações ligadas à campanha de plantio de árvores e produção de alimentos saudáveis (dia 21).

Agronegócio e agravamento da desigualdade no campo desde 2016

Sobre o agronegócio – “modelo hegemónico no campo brasileiro” –, Ayala Ferreira afirmou que “não serve para resolver os problemas concretos do povo brasileiro”.

“Se a gente quiser pensar num projeto de desenvolvimento nacional em que os trabalhadores e as trabalhadoras estejam incluídos, é necessário estabelecer-se um conjunto de reformas no nosso país”, disse, sublinhando que isso passa “pela democratização do acesso à terra, hoje extremamente concentrada” no Brasil.

“Acredito no nosso esforço de denunciar esse modelo do agronegócio e reafirmar a Reforma Agrária, a agricultura familiar como um modelo de desenvolvimento, que pode, sim, contribuir com a sociedade como um todo”, frisou.

Questionada sobre os desafios mais urgentes que a atual conjuntura coloca à luta pela terra no Brasil, a dirigente do MST afirmou que, desde 2016, o país “passou por profundas e drásticas transformações ocasionadas por essa reformulação da classe dominante que impôs o impeachment a Dilma Rousseff e retomou com muita força uma agenda neoliberal, agora na figura do atual presidente Jair Bolsonaro.

Bolsonaro apontou que “os camponeses, do MST, o movimento sindical, as comunidades tradicionais como indígenas e quilombolas são inimigos que representam o atraso“.

Neste sentido, disse, “um dos nossos desafios é manter-nos vivos e inteiros diante de um governo que assumidamente cumpre os interesses do agronegócio, do latifúndio, e tem feito um conjunto de ações para desconstruir tudo aquilo que nós fomos conquistando”.

“Justiça divina, mas não na terra”

No que respeita ao processo de condenação dos responsáveis pelo assassinato dos 21 trabalhadores em Eldorado do Carajás, a dirigente dos sem-terra disse que 155 polícias estiveram envolvidos e que há quase 20 mil páginas associadas aos julgamentos, que “sofreram aquilo a que chamamos uma construção deliberada da impunidade, ao longo de vários momentos.

Trabalhadores sem-terra em luta pela Reforma Agrária no Brasil CréditosSebastião Salgado / mst.org.br

Como exemplo da “articulação política com o Poder Judiciário”, referiu que esta tirou do processo o [governador do Pará] Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Sérgio Cabral, além de ter absolvido 143 polícias envolvidos. “Houve também a absolvição por parte dos media [d]os dois comandantes da operação, o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Oliveira, acusou.

Num segundo julgamento, estes seriam condenados à pena máxima, “inclusive por terem coordenado a ação”, mas manteve-se a decisão de absolver os polícias militares e de não incluir no processo o então governador Gabriel e o secretário de Segurança Pública. Tanto o coronel como o major puderam recorrer da decisão em liberdade.

E ficaram anos assim, até que, em 2004, a decisão do Tribunal Superior foi de manter a condenação dos dois e absolver os polícias. Ambos tiveram de ir para a cadeia, mas ficaram ali pouco tempo; recorreram novamente e conseguiram ficar em casa, cumprindo prisão domiciliária.

“Atualmente o processo está aberto nessas condições. No ano passado, em função da Covid-19 o coronel Mário Colares Pantoja morreu, e em anos anteriores, tanto o secretário de Segurança Pública quanto o ex-governador Almir Gabriel também vieram a falecer, revelou Ayala Ferreira.

E acrescentou: “Os nossos camponeses dizem houve justiça divina, mas não houve justiça na terra, porque não houve justiça entre os homens, pois aqueles que mandaram e aqueles que executaram o crime tiveram o direito de viver mais tempo fora da cadeia do que nela.”

Redação AbrilAbril


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