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ISIS-K: Como a CIA utiliza grupo extremista para manter negócios ilícitos no Afeganistão

A lista de governos, funcionários e ex-funcionários de organizações na região que acusaram os EUA de apoiarem o grupo extremista é vasta
Redação Moon of Alabama
Alabama

Tradução:

Há história mais longa por trás dos recentes eventos de terror no Afeganistão. Aqui vai uma tentativa de rastrear alguns eventos.

Ao longo de vários anos, matérias da Afghan Analyst Network (rede AAN) sobre o Estado Islâmico na Província do Khorasan (ISKP ou ISIS-K) mostram que o grupo cresceu a partir de grupos militantes do Paquistão. Matéria de 2016 descreve longamente o modo como foram fomentados pelo estado afegão:

Os combatentes do Estado Islâmico (ing. IS) que iniciaram a franquia Khorasan do IS eram militantes paquistaneses que há muito tempo foram instalados nos distritos sudeste de Nangarhar, nas montanhas e encostas de Spin Ghar, na fronteira de agências tribais no lado paquistanês da Linha Durand.

Antes de escolher unir-se ao Estado Islâmico na Província do Khorasan (ISIS-K), esses militantes operavam sob diferentes bandeiras, principalmente sobre o guarda-chuva dos sempre em expansão Tehrik-e-Taleban Pakistan (TTP). O grupo do núcleo mais duro desses militantes já chegava em Nangarhar desde 2010 principalmente do Orakzai, Waziristão Norte e agências tribais Khyber.

O Paquistão alega que o TTP seria apoiado pelos serviços secretos na Índia (RAW). É possível que também tenha ajudado a financiar o ISKP.

Na esperança de usá-los contra o Paquistão, o governo afegão começou a promover alguns desses combatentes, segundo influentes anciãs tribais envolvidos em ajudar a construção de relações a partir de distritos que abrigaram os militantes ‘convidados’.

Contudo, esforços empreendidos pelo serviço afegão de inteligência, o Diretorado Nacional de Segurança, para promover militantes paquistaneses no Nangarhar, não ficaram confinados em Lashkar-e-Islam nem aos militantes do Khyber. Anciãos tribais e moradores comuns de Achin, Nazian e Kot testemunham que combatentes das agências de Orakzai e Mohmand, pertencentes a diferentes facções dos TTP foram autorizados a se movimentar livremente pela província, bem como a receber tratamento em hospitais do governo. Ao se movimentar para fora do próprio ‘centro’ nos distritos do sul de Nangarhar, iriam desarmados. Em conversações off-the-record com a Rede Afegã de Analistas (ing. AAN), funcionários do governo – além de anciãos tribais e políticos em Jalalabad – confirmaram esse tipo de relacionamento entre segmentos de militantes paquistaneses e o Diretorado Nacional de Segurança. Descreveram esse estado de coisas como reação ‘elas por elas’ em pequena escala contra o apoio institucionalizado, mais amplo e de maior alcance, do Paquistão ao Talibã na luta deles contra o governo afegão.

O Diretorado Nacional de Segurança do estado afegão foi agência ‘de procuradores’ da CIA. Em meados dos anos 1990s, o chefe da inteligência da Aliança do Norte, Amrullah Saleh, foi treinado pela CIA nos EUA. Depois que os EUA derrubaram o governo dos Talibã, Saleh tornou-se diretor do Diretorado Nacional de Segurança. E esse Diretorado também tinha relações amplas com o serviço secreto da Índia.

Enquanto os EUA fingiam combater o Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ing. ISIS) relatos consistentes, vindos de vários lados, informavam que o pessoal suposto ‘do núcleo duro’ do ISIS era extraído de Iraque e Síria, em helicópteros norte-americanos sem identificação; e que esses combatentes eram transferidos para Nangarhar, onde reforçavam as fileiras do ISIS-Khorasan.

Hadi Nasrallah @HadiNasrallah – 1:18 UTC · Aug 28, 2021

Em 2017 e 2020, a rede SANA, da Síria, noticiou que helicópteros dos EUA haviam transportado algo entre 40 e 75 militantes do ISIS de Hasakah, norte da Síria, para “área desconhecida”. A mesma notícia circulou durante anos no Iraque, distribuída pelas Forças de Mobilização Popular (também chamadas Unidades de Mobilização Popular) acompanhada de relatos de que helicópteros dos EUA lançavam paraquedas com materiais de ajuda para o ISIS.

Como Alex Rubinstein resume:

A lista de governos, funcionários e ex-funcionários de organizações na região que acusaram os EUA de apoiarem o ISIS-K é vasta, e inclui o governo russo, o governo iraniano, a mídia do governo sírio, o Hezbollah, um grupo militar patrocinado pelo governo iraquiano e até o ex-presidente Hamid Karzai do Afeganistão, que chamava o grupo de “ferramenta” dos EUA.

Como no Iraque e na Síria, o encorajamento de militantes ultra-islamistas pela CIA levou a um revide, dado que os militantes atacavam cada vez mais intensamente o estado afegão. Até que os militares dos UE consideram necessário intervir contra eles. Mas a luta em campo foi quase toda feita pelos Talibã, os quais, para esse objetivo, receberam apoio direto da Força Aérea dos EUA.

As operações dos Talibã foram bem-sucedidas e conseguiram impedir que o ISIS-K tomasse mais território no leste do Afeganistão. Então, em vez de tomar mais terra, o ISIS-K passou a recorrer a suicídios-bomba de alto impacto ‘midiático’ contra alvos vulneráveis em Cabul. Em maio de 2021, por exemplo, a explosão de um carro-bomba estacionado diante de uma escola para meninas hazaras em Cabul fez mais de 90 mortos, a maioria dos quais, crianças.

Sobre o tema:
Talibã foi patrocinado pela CIA na Guerra Fria e hoje tomou poder no Afeganistão

A CIA e o Diretorado de Segurança Nacional (ing. NDS) tinham à mão militantes adicionais para combater contra o Talibã. Haviam crescido e construído Forças Especiais organizadas em vários batalhões (NDS-01 até 04) e a Força de Proteção de Khost (KPF). Esses esquadrões da morte controlados pela CIA contavam com rede própria de helicópteros de apoio:

Como em 2018, a CIA está engajada num programa de matar ou prender líderes militantes, codinome ANSOF, antes Ômega. A capacidade da CIA é suplementada com pessoal selecionado no Comando de Operações Especiais do Exército dos EUA.

Em meados de 2019, a ONG Human Rights Watch (HRW) declarou que “forças afegãs de ataque apoiadas pela CIA” cometeram “abusos graves, alguns dos quais podem ser definidos como crimes de guerra”, desde o final de 2017.

No relatório de 2019 de HRW lê-se:

Essas forças de ataque mataram ilegalmente civis em raids noturnos, fizeram desaparecer detentos e atacaram instalações hospitalares e médicas que supostamente atenderiam combatentes insurgentes. O número de baixas civis desses raids e operações aéreas aumentaram dramaticamente nos dois últimos anos.

Depois que os Talibã tomaram Cabul tornou-se claro que a CIA teria de fechar seu programa de ‘contraterrorismo’, e que perderia o controle de grande parte de seus negócios (com drogas) no Afeganistão.

Com Cabul já caindo, pelo menos uma unidade da CIA no Afeganistão, cerca de 600 soldados, recebeu ordens para ajudar a proteger o aeroporto de Cabul.

NDS 01 Unit @NDS_Afeganistão – 11:50 UTC · Aug 17, 2021

Nós iremos

Serviremos também a nossos compatriotas.

#انشاء_الله #Kabul #ANDSF

A lista de governos, funcionários e ex-funcionários de organizações na região que acusaram os EUA de apoiarem o grupo extremista é vasta

Reprodução/Twitter
O Estado Islâmico na Província do Khorasan cresceu a partir de grupos militantes do Paquistão.

As forças afegãs da CIA passaram a controlar as entradas e torres de guarda:

Os norte-americanos convocaram várias centenas de comandos do ex-Diretorado Nacional de Segurança do governo afegão para que limitassem o acesso por algumas entradas do aeroporto, de modo a impedir que a multidão tomasse o aeroporto.

Os comandos do ex-NDS devem estar entre os últimos a deixar o país na evacuação, servindo como força de retaguarda antes de serem também evacuados, segundo funcionários dos EUA e ex-autoridades afegãs.

Alguns da unidade dos rápidos no gatilho envolveram-se num incidente com armas de fogo amigo com soldados alemães. As tropas afegãs da CIA no aeroporto lá estão para serem evacuadas. Outras unidades, incluindo as Forças KPF, ao que se diz, estão indo para o vale Panjshir, onde uma nova ‘Aliança do Norte’, comandada por Amrullah Saleh e Ahmad Massoud deve ser construída. Os Talibã tentam no momento caçá-los e detê-los.

Na 5ª-feira, um suicida-bomba atacou uma das entradas do aeroporto em Cabul onde muitas pessoas tentavam ser evacuadas do Afeganistão. O Estado Islâmico reivindicou a autoria do ataque:

O suicídio-bomba da 5ª-feira em Cabul e o pânico que se seguiu matou mais de 150 civis (cerca de 30 dos quais, britânicos-afegãos), 28 combatentes Talibã  e soldados norte-americanos. 

Antes do ataque, um porta-voz dos Talibã  havia declarado a RT que haviam alertado os EUA de que era iminente um ataque do ISIS-K.

É difícil compreender por que os EUA, depois de terem sido avisados, não tomaram quaisquer precauções contra o ataque que viria, e veio.

A maior parte das mortes resultantes no ataque não foram causadas pelo suicida, mas por guardas sobre o muro e nas torres de guarda que cercam o aeroporto. “A maioria das vítimas” tinha ferimentos de arma de fogo na parte superior do corpo, e as balas vieram de cima. Essas informações foram confirmadas por várias fontes:

Sangar | سنګر پیکار @paykhar – 1:02 PM · Aug 28, 2021

“A maior parte das vítimas da Explosão no Aeroporto de Cabul #KabulAirportBlast não foram mortas na explosão, mas por tiros disparados contra elas pelos norte-americanos.”

Faisal, do canal Cabul Lovers, entrevistou trabalhadores socorristas no Hospital de Emergência em #Cabul, e eis o que disseram: [no vídeo].  

A mídia dos EUA tenta ignorar todas essas informações. Só se se pesquisa muito a fundo um longo artigo do New York Times  é possível encontrar as seguintes linhas:

Pela primeira vez, funcionários do Pentágono reconhecem publicamente a possibilidade de que alguns dos mortos fora do aeroporto na 5ª-feira tenham sido baleados por soldados norte-americanos depois da explosão provocada pelo suicida-bomba. 

Investigadores procuram verificar se o fogo partiu dos americanos no portão, ou do Estado Islâmico.

Não foram nem americanos no portão, nem Estado Islâmico; o mais provável é que o massacre tenha sido obra dos esquadrões da morte formados por afegãos da CIA, nas torres de guarda.

No Washington Post, a análise do ataque  também é enganadora:

Vários atiradores então abriram fogo contra civis e forças militares. Um membro do Estado Islâmico reivindicou a autoria do ataque.

Dois dias depois do ataque  a CIA  a CNN publicou entrevista feita por Clarissa Ward com suposto comandante do ISIS-K, que teria sido gravada duas semanas antes num hotel em Cabul. Não se entende por que a CNN  encobriu a face do entrevistado.

Com RT manchetou, com viés zombeteiro:

‘CIA tuíta CIA entrevistando CIA’: telespectadores reagem contra ‘profecia enlouquecida’ em suposta entrevista, na CNN, com comandante do ISIS-K

Além disso, um dia depois do ataque no aeroporto, a CIA matou um suposto ‘planejador’ do ISIS-K em Jalalabad, que nada tinha a ver com o ataque no aeroporto.

Dion Nissenbaum @DionNissenbaum – 10:43 UTC · Aug 29, 2021

Vídeo exclusivo de @WSJ mostra cenas de depois do ataque por drone norte-americano contra o Estado Islâmico, que usou um míssil “Flying Ginsu”. O Pentágono diz que não há baixas entre civis. Testemunhas oculares disseram que havia uma mulher entre os quatro feridos.

Vídeo exclusivo mostra cenas de depois do ataque por drone norte-americano no Afeganistão

A notícia sobre um míssil ‘Flying Ginsu’, que não carrega explosivos, não é consistente com o pesado dano por bomba de fragmentos, que se vê no vídeo linkado.

Leia também:
Pashtuns X Panjshiris: Por que talibã ainda não conseguiu formar governo no Afeganistão?

Agora, ao xis da questão.

Se o ISIS-K é, como demonstrado acima, produto da CIA/Diretorado Nacional de Segurança; e se os guardas no aeroporto que mataram ‘a maioria das vítimas’ no ataque são de forças especiais afegãs comandadas pela CIA… por que tudo isso aconteceu?

Pode-se encontrar a resposta em outro artigo do New York Times, que levava a seguinte manchete:

Em pleno caos afegão, uma missão da CIA que persistirá por anos

Com a guerra do Afeganistão já derrubada, a CIA esperava poder afastar gradualmente o próprio foco primário para longe do contraterrorismo – missão que transformou a agência ao longo das últimas duas décadas em organização paramilitar focada em caçar cabeças e matanças —, e rumo as atividades tradicionais de espionagem contra potências como China e Rússia.

Mas um par de explosões mortais na 5ª-feira foi evento mais recente numa série que rapidamente se desdobra desde o colapso do governo afegão e a tomada do país pelos Talibã, que suspendeu o plano inicial. Como buraco negro que tem específica força gravitacional, o Afeganistão pode arrastar a CIA de volta para uma complexa missão de contraterrorismo ainda por muitos anos.

Coitada da CIA! Arrastada de volta para cara missão de ‘contraterrorismo no Afeganistão e noutros locais onde o tal terrorismo já deveria estar extinto até… Ora essa! Deveria estar extinto até que um dos terroristas de grupo terrorista criado pela CIA mandou um suicida-bomba para o aeroporto de Cabul!! E até que que forças afegãs comandadas pela CIA atacassem a tiros e matassem grande multidão de refugiados.

Pode-se dizer que aí está a vingança do estado permanente (também chamado “estado profundo”*), contra a ordem do presidente Biden, de retirada do Afeganistão.

É o mesmo estado permanente que nos deu quatro anos de ‘Russiagate’ forjado (ing. fake), quando presidente diferente também estava inclinado a trazer para casa os soldados norte-americanos e, assim, limitar os campos de operação da CIA.

Para deixar absolutamente claro esse ponto, os colunistas da CIA no New York Times, no último parágrafo, lançaram essa ameaça, não muito sutil:

Qualquer ataque terrorista que tenha origem no Afeganistão exporá Mr. Biden a crítica feroz pelos seus oponentes políticos, de que o terrorismo seja resultado de sua decisão de retirar do país as tropas dos EUA, – mais um fator que pode trazer forte pressão da Casa Branca sobre as agências de espionagem, para que mantenham foco ativo sobre o Afeganistão.

Casa Branca pressionando agências de espionagem? Não. É a CIA pressionando a Casa Branca, para que não interfira em seus [da CIA] business no Afeganistão.*******

* Orig. Deep State (lit. “Estado Profundo”). Já há algum tempo temos optado por traduzir a expressão por “Estado Permanente”, que nos parece expressão menos fake (forjada, com intenção de enganar). Depois de muito discutir, chegamos a um consenso: “Afinal de contas, o tal Deep State (i) não é ruim por ser profundo: ele é ruim por ser eterno, permanente, imutável, inalcançável pelas instituições e forças da democracia; além disso, (ii) nem ‘profundo’ o tal Deep State é: ele tem logotipos, marcas e nomes de fantasia, todos à superfície; o estado permanente é bem visível à tona! Mesmo assim se autodeclara “profundo”?! Por quê? Não, não. Ele que se autodeclare o que queira. Nós o declaramos “Estado Permanente” (e anotamos nossos motivos, aqui, em nota dos tradutores). NTs.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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