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Como a Lava Jato e os tentáculos da Odebrecht resultaram no suicídio de Alan García?

Ex-presidente estava impedido de sair do país, teve asilo no Uruguai negado e era investigado por conluio, lavagem de dinheiro e tráfico de influência relacionado à construtora
Mariana Álvarez Orellana
Estratégia.la
Lima

Tradução:

O poder Judiciário peruano ordenou, na última quarta-feira (17), a prisão preventiva do duas vezes ex-presidente peruano Alan García (1985-1990 e 2006-2011) por seu relacionamento com a construtora brasileira Odebrecht, uma das principais protagonistas do Caso Lava Jato. O ex-mandatário decidiu atirar contra sua própria cabeça antes da de ser detido.

À meia-noite daquele dia, o promotor José Domingo Pérez havia notificado a polícia sobre um mandado preliminar de investigação, invasão, busca domiciliar e mandado de captura emitido pelo Juiz Juan Carlos Sánchez Balbuena contra o ex-presidente Alan García Pérez e outros oito investigados por suborno da empresa Odebrecht.

Os membros da Polícia de Investigações de Alta Complexidade (Diviac) e um representante do Ministério Público chegaram às seis da manhã na casa de Alan García em Miraflores, Lima, e informaram o ex-presidente de que eles estavam procedendo a execução de um mandado de captura preliminar contra ele. García recebeu a notícia na escada que se conecta ao segundo andar da residência. Disse que iria ligar para seu advogado e se trancou em seu quarto, de onde um tiro foi disparado contra si.

Ex-presidente estava impedido de sair do país, teve asilo no Uruguai negado e era investigado por conluio, lavagem de dinheiro e tráfico de influência relacionado à construtora

Wikimedia Commons
A empresa entregou novas evidências de subornos a altos funcionários no Peru

O também líder do Partido Aprista era investigado pelo escritório do promotor da equipe especial da Lava Jato José Domingo Perez pelo Decreto de Emergência 032-2009 e contribuições da empresa brasileira para sua campanha presidencial de 2006.

No dia anterior, em uma longa entrevista à RPP News, o ex-Presidente disse: “confio na história. Eu sou cristão, acredito na vida após a morte. Acredito ter um pequeno lugar na história do Peru”. “Seria uma situação ruim se a pátria se convencesse de que tenho algo a pagar, porque é a pátria… Assim como eu a servi e tenho feito as coisas para ela, eu não estou aqui para resmungar e odiar”, disse.

Após a morte, surgiram várias questões sobre a continuidade do processo contra ele e contra outros envolvidos no suposto pagamento de subornos a García por parte da brasileira Odebrecht. Para o advogado criminalista Carlos Caro, a morte do ex-presidente significará o arquivamento de todos os processos contra ele.

“De acordo com a lei, ele morreu sendo inocente, A presunção de inocência só se quebra com uma sentença condenatória firme, que não existia neste caso. Ele morreu, literalmente, sendo inocente”, disse Caro ao site Gestión.pe.

Este arquivamento não implica, no entanto, que o processo contra os outros investigados vá parar. Ex-funcionários do governo aprista como Enrique Cornejo, Luis Nava e Miguel Atala, com ordem de detenção preventiva, podem ser processados normalmente. O processo penal implica a não afetação do patrimônio do ex-mandatário. No entanto, o Ministério Público pode iniciar um processo de confisco de bens se o investigação determinar que existem bens de origem ilícita deixados por Alan García.

O político estava proibido de sair do país desde novembro, devido à investigação por conluio, lavagem de dinheiro e tráfico de influência ligado à concessão à Odebrecht da construção da Linha 1 do Metrô de Lima. Graças a um acordo entre investigadores e a García, assinado em 14 de fevereiro, a empresa entregou novas evidências de subornos a altos funcionários no Peru.

Os mais recentes, divulgados pela mídia digital IDL-Repórteres e o diário El Comercio, provam que a Odebrecht entregou pelo menos quatro milhões de dólares para o braço direito de García durante seu governo, o ex-secretário da presidência e ex-ministro Luis Nava, hoje hospitalizado em uma clínica local.

Os quatro ex-presidentes que governaram o Peru desde 2001 estão sob investigação do Ministério Público por suas ligações com a Odebrecht e por ter recebido subornos ou contribuições não declaradas em suas campanhas eleitorais. Dois deles já foram presos por este motivo: Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski, enquanto Alejandro Toledo continua foragido.

Também cumpre prisão preventiva de 36 meses, desde outubro passado, a duas vezes ex-candidata presidencial Keiko Fujimori, investigada por lavagem de dinheiro proveniente da contabilidade paralela da Odebrecht. Seu pai, o ditador Alberto Fujimori, está cumprindo uma sentença de 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade, roubo e corrupção.

As investigações da trama da Odebrecht no Peru exige desvendar operações de triangulação financeira que usam bancos tradicionais e empresas radicadas em paraísos fiscais para esconder a trilha do dinheiro e os destinatários finais.

A Odebrecht tinha no Brasil um setor Estruturado (leia departamento de subornos), que registrava com precisão, em um sistema chamado Drousys-MyWebDay, cada montante transferido para contas bancárias ou empresas. As anotações incluíram o codinome ou apelido dos destinatários relacionados a cada obra pública ou a cada campanha eleitoral.

De socialdemocrata a feroz anticomunista 

Em 1985, Alan García levou, pela primeira vez ao poder, a APRA, o mais organizado partido peruano de então e que era antiimperialista, com ligações iniciais com a Internacional Comunista, e que se converteu, com o passar dos anos, em um dos grupos mais anticomunistas. Seu primeiro governo foi progressista, com subsídios para as classes menos beneficiadas e com uma tentativa de não pagar a dívida externa e de nacionalizar os bancos.

Ao mesmo tempo, foi duro na guerra popular do Sendero Luminoso e é acusado de ordenar a matança de mais de 300 militantes, muitos deles já detidos, enquanto em Lima era organizado o primeiro congresso da Internacional Socialista na América. Ele é lembrado também por ser responsável por uma das maiores hiperinflações do país.

No final de seu governo, apoiou a candidatura de Alberto Fujimori, que uma vez na presidência e depois como ditador, colocou em marcha um programa neoliberal de choque monetarista, privatizador e de dura repressão popular sob o manto da guerra antiterrorista. 

Alan García voltou ao poder em 2006 chamando à unidade das direitas, aplicando as receitas do Fundo Monetário Internacional e em aliança com os grandes empresários. Sua companheira de fórmula em 2016 foi a Social-Cristã Lourdes Flores, sua adversária durante o primeiro governo, mas que mal conseguira 5% dos votos. Seus partidários no Congresso se aliaram com os fujimoristas.

O tiro final de 17 abril de 2019 ocorreu em um Peru abalado por uma grande revolta contra todos os casos de corrupção. Entre seus apoiadores há aqueles que querem considerá-lo um mártir da perseguição judicial pelos atos de corrupção. Por anos, ele soube evitar a prisão e a tortura a que foram submetidos vários de seus colaboradores apristas por razões políticas. Mas desta vez, ele sentiu que sua detenção era o fim: não tinha como contar com evidências ou eximir-se tampouco com apoio popular para continuar com a luta.

Lavagem de dinheiro, conluio e tráfico de influências

Em março de 2017, o Procurador ad hoc para o Caso Lava Jato anunciou a apresentação de uma queixa contra o ex-presidente Alan García, o ex-ministro dos Transportes e das Comunicações Enrique Cornejo e do antigo diretor executivo da Autoridade Autônoma de Trem Elétrico (AATE) Oswaldo Plascencia pelo caso da concessão do metrô de Lima.

O Procurador Hamilton Castro ordenou o início da investigação por suposto tráfico de influência pelos subornos da Odebrecht para a atribuição das seções 1 e 2 da Linha 1 do Metrô Lima. O jornal El Comercio revelou que ele se reuniu oficialmente cinco vezes Marcelo Odebrecht, o ex-CEO da construtora Brasileira.

Em agosto, García defendeu as doações recebidas pela ONG presidida por sua ex-esposa Pilar Nores entre os 2006 e 2010 pela Odebrecht. Em novembro 2017, Marcelo Odebrecht revelou a promotores peruanos que o interrogaram em Curitiba que o iniciais “AG”, escritas na sua lista telefônica, referem-se a Alan García, que negou ter sido contratado como conferencista pela Odebrecht e disse que sua renda foi investigada no Ministério Público e no Congresso.

Em março de 2018, Jorge Barata (da Odebrecht) revelou que o ex-ministro do Interior do segundo governo Aprista Luis Alva Castro recebeu US$200 mil de suas mãos para a campanha presidencial de García em 2006. Três meses depois, o promotor José Domingo Pérez abriu uma investigação preliminar contra três ex-presidentes no marco do Caso Odebrecht: Alejandro Toledo, Pedro Pablo Kuczynski e Alan García por causa de seus aportes para organizações políticas.

Em junho de 2018, o advogado Erasmo Reyna, defensor legal de García apresentou uma queixa criminal por prevaricação diante do Ministério Público contra o promotor José Domingo Perez (julgada improcedente pela Segunda Promotoria Criminal) porque “quando ele começou a investigação contra Alan García, fez uso do que foi obtido no Brasil, que é uma documentação obtida sob a proteção de uma cooperação internacional”, justificou.

Em novembro, Alan García se apresentou diante dos promotores para ser interrogado pelo promotor Pérez como parte da investigação sobre a concessão da Linha 1 do Metrô Lima (seções 1 e 2) para a Odebrecht, e depois de deixar o gabinete do procurador, ele disse que a diligência havia sido suspensa. No mesmo dia, o promotor pediu a Pérez que solicitasse a o impedimento do país para o líder Aprista, que, antes da iminência de sua prisão, solicitou asilo diplomático no Uruguai, que o rejeitou em 3 de dezembro.

Em 10 de dezembro, a Câmara Criminal de Apelações Anticorrupção do Judiciário ampliou o impedimento de saída do país de 12 para 18 meses contra Miguel Atala, que teria recebido dinheiro da Odebrecht em contas de Andorra. O ex-funcionário da Petro-Peru do segundo governo Aprista teria recebido depósitos da Klienfeld Service LTD e da Coher Coher Investimento no valor de até US$ 1.321.766 durante os anos 2007 e 2008.

Em 18 de fevereiro deste ano, o promotor ad hoc do Caso Lava Jato, Jorge Ramirez, disse, depois de questionar Queiroz Marco Grillo, gerador de fundos de Caixa 2 da Odebrecht, ser “óbvio” que o contrato feito por Alan García para o pagamento de US$ 100 mil para uma conferência dada em maio de 2012 em São Paulo foi “simulado”. Pouco depois, o advogado brasileiro José Américo Vieira Spinola confessou ao promotor Perez que seu escritório de advocacia pagou US$ 100 mil ao ex-presidente García por uma palestra por ordem da Odebrecht.

Em 17 de abril, o advogado do o ex-presidente Alan García informou que ele atirou contra sua cabeça antes de ser detido pela polícia em sua casa em meio às acusações de recebido um pagamento ilegal da construtora Odebrecht.

Triste, solitário, final, disse o escritor argentino Osvaldo Soriano.

*Antropólogo, professor e pesquisador peruano analista associado com o Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (HPLC, www.estrategia.la)

Tradução: Vanessa Martina Silva 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Mariana Álvarez Orellana

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