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ToggleUma de cada duas crianças guatemaltecas padecem de desnutrição crônica, deficiência na dieta que, persistente, como é o caso, leva a que parem de se desenvolver e tenham o crescimento atrofiado, revelou o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) divulgado recentemente.
Conforme a FAO, entre os menores de cinco anos, idade extremamente vulnerável e que merece atenção especial — pelo risco de uma alimentação inadequada afetar o seu processo formativo —, 42,8% apresentam atraso no seu desenvolvimento e 0,8% sofrem de desnutrição aguda, com risco de morte.
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“Infelizmente, trata-se de uma agenda regressiva, planejada, imposta pelo presidente Alejandro Giammattei, pois são mortes diárias causadas por desnutrição, diarreia, pela não ingestão de vitaminas básicas em um país exportador de alimentos”, denunciou o coordenador do Comitê de Unidade Camponesa (CUC) da Guatemala, Daniel Pascual Hernández.
Diante da gravidade da situação, defendeu, “a reforma agrária é uma necessidade, pois não são apenas os 80% da terra que está concentrada nas mãos dos grandes latifundiários, mas os solos mais férteis”.
“Para completar a estratégia de dominação, não há indústrias, tudo é matéria-prima para o estrangeiro, enquanto uma política de produção de alimentos de quantidade e de qualidade é que deveria ser o primordial”, completou.
Líder da bancada do partido Winaq, a deputada Sonia Gutierrez Raguay ressaltou que se a desnutrição já vinha causando grandes estragos, com Giammattei ela se vê lastimosamente agravada pela crise sanitária que gerou a pandemia e pelas tormentas tropicais Eta e Iota que afetaram a região.
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“Tivemos a destruição de casas e de rodovias, a perda de muitas produções de alimentos e hoje estamos sentindo a escassez nas comunidades, com a população pagando a conta. Em um dos departamentos onde há muita população indígena e extrema pobreza, o de Alta Vera Paz, a desnutrição de crianças menores de cinco anos era de 55% e agora está em 70%”, explicou.
Movimento político fundado pela dirigente indígena e Prêmio Nobel da Paz (1992) Rigoberta Menchú, o Winaq tem cobrado do governo a dotação de recursos para estas comunidades, “mas até o momento, o que podemos comprovar, como parlamentares que acompanham de perto a execução orçamentária, é que o dinheiro não chegou até as pessoas”.
“O mais grave é que o governo tem feito cortes no Orçamento. No Ministério da Agricultura e Alimentação, por exemplo, que conta com programas de apoio ao consumo, houve uma redução violenta. Praticamente se deixa sem nada a assistência no momento que mais se necessita. Há uma indolência absoluta. Para este governo, o único que conta são os seus próprios interesses, como foi visto na corrupção das vacinas, que não chegaram. É por isso o povo segue exigindo a renúncia deste presidente”, destacou.
Na contramão, a vice-ministra de Comércio Exterior, Edith Flores de Molina, comemorou as cifras obtidas principalmente à custa dos baixos salários, da inexistência de direitos e da semiescravidão das grandes plantações — que logicamente acaba tomando de assalto as cidades.
Segundo o governo, de janeiro a novembro de 2020, o montante total das exportações do Comércio Geral alcançou US$ 10,24 bilhões, superando em US$ 69,7 milhões o montante registrado até novembro de 2019 (US$ 10,17 bilhões).
As exportações em geral cresceram 4,28% em volume, em relação ao mesmo período do ano anterior.
Tornando ainda mais audível a falta de sintonia do governo com as necessidades de seu povo, Edith informou que 13 dos 20 principais produtos de exportação viram aumentados tanto o valor como o volume.
O aumento do volume exportado dos produtos preparados à base de cereais se incrementou em 67%, com um valor de US$ 205,95 milhões; o cardamomo (50%), US$ 512,88 milhões; e a banana (cerca de 2%), US$ 771,73 milhões.
Prensa Libre
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O fato é que se o quadro já era tenso com os governos anteriores, o primeiro ano da pandemia — que também foi o primeiro de Giammattei — agravou a situação, ampliando em 100.000 (cem mil!) a quantidade de guatemaltecos que não puderam satisfazer nem mesmo as suas necessidades básicas. No mesmo ritmo que os portos sangravam os alimentos rumo ao exterior, a Guatemala sofria com a alta dos alimentos.
O relatório traduz esta tragédia humanitária, apontando que 2,9 milhões de habitantes estão desnutridos, 16,8% da população, enquanto 12,1 milhões têm alguns ou sérios problemas para conseguir comida, 1,2 milhões a mais do que em 2019 (na terminologia do informe, 8,7 milhões padecem de “insegurança alimentar moderada” e 3,4 milhões de “insegurança alimentar severa”).
“Este cenário de fome, desnutrição infantil, insegurança alimentar, sobrepeso e obesidade é o caldo de cultivo perfeito para que enfermidades como a Covid-19 impactem negativamente na saúde da população de nossos países, aumentando o risco de hospitalização e de morte”, esclareceu o Oficial de Nutrição da FAO para a América Latina e o Caribe, Israel Rios.
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A pandemia golpeou com força a América Central, mas em especial a Guatemala, onde se encontram quatro de dez pessoas que sofrem de desnutrição, 44%; seguido de Honduras e Nicarágua, com 19,6%, e de El Salvador, com 7,57%.
Para Julio Coj, coordenador da Comissão de Organização da União Sindical de Trabalhadores da Guatemala (Unsitragua) e integrante da Assembleia Social e Popular (ASP), articulação de movimentos do país centro-americano, os números da FAO servem para lançar luz sobre a irracionalidade da lógica de submissão ao grande capital.
“Muitas crianças morrem por falta de alimento ou medicamento. Não há nenhuma preocupação em proteger a saúde e a vida dos seres humanos. Sendo assim, temos um nível de pobreza de mais de 60%, números que superam os 79% na área rural. Estes são números de antes da Covid, percentuais que seguramente agora vão além”, frisou o sindicalista.
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“Termos metade das crianças com desnutrição crônica se deve aos salários de fome, que não garantem sequer a alimentação adequada, aos níveis de desemprego e subemprego muito altos. Temos 76% dos trabalhadores jogados na informalidade e apenas 17% na formalidade, o que tem gerado muita migração para o México, para os Estados Unidos e outros países da Europa. O outro problema de fundo é o excesso de concentração das melhores terras cultiváveis em mãos das grandes agroindústrias como de banana, cana-de-açúcar, palma de azeite e de látex, com o cultivo de abacaxi. Não há, portanto, uma política que gere salários dignos nem de reforma agrária que garanta aos camponeses e aos povos indígenas desenvolvimento, um projeto que possa pensar e construir segurança alimentar”, condenou Júlio Coj.
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Os resultados do informe da FAO, lamentavelmente, já eram esperados pelos estragos econômicos causados pela pandemia, que vem multiplicando os casos de desnutrição aguda e crônica, declarou María Gabriela Lima, gerente da World Vision Guatemala e representante das Organizações Não-Governamentais (ONGs) perante a Instância de Consulta e Participação Social (Incopas).
“Vemos a população diante de bons programas, lindos, de acesso à alimentação ou de apoio à produção agrícola, mas que simplesmente não são implementados”, explicou.
Na sua avaliação, não há uma ação integral, efetiva, de combate à desnutrição. Soma-se a isso a falta de dados e a dispersão, que faz com que a luta contra a fome se reduza, quando muito, à entrega de uma cesta básica minúscula, sem qualquer atenção em relação à saúde ou à educação.
“A assistência deveria estar acompanhada de outras ações, porque a cesta básica se esgota e uma criança não recebe o apoio integral e nem a sua família”, condenou Lima, denunciando que o governo de Giammattei trata as organizações sociais como inimigas.
“Enquanto nós não nos indignarmos de vermos crianças morrendo de fome, a situação não vai mudar”, declarou o coordenador da Frente Parlamentar contra a Fome, deputado Jairo Flores, para quem “o informe da FAO não é casual”. “A gravidade tem relação com a falta de políticas de Estado, de orçamento e de uma boa execução dos recursos”, concluiu.
Leonardo Severo Wexell, colaborador da Diálogos do Sul
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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