Centenas de tropas do exército e da marinha, a bordo de caminhões, helicópteros e blindados, ocuparam a Araucanía — ou Wallmapu, território ancestral dos mapuches —, no sul do Chile, cumprindo a ordem do presidente Sebastián Piñera, que na terça-feira decidiu a militarização para “enfrentar melhor o terrorismo, o narcotráfico e o crime organizado”, como descreveu o conflito colocado pelos indígenas ao Estado pela recuperação de suas terras e obtenção de autonomia.
As cenas de comboios militares avançando por caminhos e estradas que foram vistos por televisão e multiplicadas nas redes sociais, recordaram a tristemente célebre “pacificação da Araucanía” sucedida entre 1860 e 1883, quando o exército lançou uma cruenta guerra de conquista e despojo de terras formalmente reconhecidas até então como pertencentes ao povo mapuche, para incorporá-las ao nascente Estado chileno, y entregá-las depois a colonos brancos, muitos europeus, que estabeleceram latifúndios.
Piñera, que dispôs o Estado de Exceção Constitucional de Emergência durante 15 dias prorrogáveis nas províncias de Malleco, Cautín, Biobío e Arauco, enviou seu ministros do Interior, Rodrigo Delgado, para encabeçar a operação. Da cidade de Lebu, capital do Arauco, distante 550 quilômetros ao sudoeste de Santiago, Delgado explicou que as forças armadas “colaborarão com todo os meios disponíveis” com as polícias, brindando-lhes “logística, apoio estratégico, vigilância, meios, pessoal altamente qualificado, meios aéreos, terrestres e marítimos”.
“Não substituem as polícias nem podem fazer ações diretas ou autônomas. Podem acompanhar o procedimento, brindar os meios necessários, inclusive inteligência, mas não podem participar diretamente no operativo, mas brindam e colaboram para que as polícias executem seu trabalho”, explicou.
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Militarizar o Wallmapu converteu-se em uma persistente demanda de setores ultraconservadores, direitistas, latifundiários, e empresas florestais conforme nos últimos 20 anos, particularmente nos mais recentes, diversas organizações mapuche posicionaram politicamente suas demandas e incrementaram notoriamente sua capacidade operativa no território, desafiando em todo momento e lugar a ordem pública e às polícias que, apesar de contar com milhares de efetivos, blindados, câmeras infravermelhas, térmicas e/ou noturnas, helicópteros, drones, interceptações telefônicas, etc., foram perdendo o controle em boa parte dos 52 mil quilômetros quadrados dessas quatro províncias.
O caos e a falta de estado de direito fizeram com que grupos criminosos que roubam madeira e de narcotraficantes aproveitassem para instalar-se por lá.
Território Mapuche
"Habilitar a participação dos militares, em colaboração com a força pública, demonstra a debilidade do Estado e a inoperância do governo”
Propósito eleitoral
Mauricio Morales, doutor em ciência política e acadêmica da Universidades de Talca, diz que a imposição do estado de emergência é o mais claro sinal do fracasso governamental e do Estado para garantir liberdade e paz às pessoas na zona.
“Habilitar a participação dos militares, em colaboração com a força pública, demonstra a debilidade do Estado e a inoperância do governo”, afirma. Menciona que ocorre a quarenta dias das eleições presidenciais e legislativas de 21 de novembro, que o governo enfrenta com 15 por cento de aprovação “e com dois candidatos que no melhor dos casos vão para o segundo lugar, existindo a possibilidade de que nenhum avance ao segundo turno”.
Morales observa um afã eleitoral na militarização, enquanto servir como “uma espécie de pagamento” para o eleitorado de direita, agora dividido entre o candidato governamental Sebastián Sichel, quarto nas pesquisas de opinião, e o ultradireitista José Antonio Kast, que está em segundo.
Recorda que a direita vem de sucessivas surras eleitorais: em 2021 perdeu 58 prefeituras com relação a 2016, ganhou uma de 16 governações, não alcançou o terço na Convenção e tampouco pode apresentar requerimentos ante a Corte Suprema porque só tem 37 dos 39 convencionais.
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“É nessa decomposição eleitoral e arriscando outra derrota que deve ser entendida a medida”, afirma, porque a situação na Araucanía não tem variado nos últimos meses; “a pergunta é por que o governo tardou tanto em tomar a decisão, por que o faz em plena campanha eleitoral, em meio de uma acusação constitucional contra o presidente e em crise política; e a resposta é que busca influir entre os eleitores de direita para evitar um fracasso eleitoral de maior envergadura em novembro”.
Aldo Anffosi, especial para La Jornada desde Santiago do Chile
La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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