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Argentina começa 2022 sob fogo cruzado; avanço das esquerdas na América Latina deve marcar 2022

Oposição argentina não aprovou o Orçamento nacional em ação desestabilizadora; Chile, Nicarágua, Brasil e — oxalá — Colômbia sinalizam mudanças no continente
Helena Iono
Diálogos do Sul
Buenos Aires

Tradução:

Apesar do boicote da grande mídia, o vídeo que mais transcendeu, politicamente, no fechamento do ano 2021 na Argentina foi o da escandalosa gravação realizada pela AFI (Agência Federal de Inteligência), em junho de 2017, na sala do Banco Província de Buenos Aires, onde funcionava a ex-governadora M. Eugenia Vidal (PRO-Cambiemos) durante a gestão Macri.

Uma verdadeira mesa judicial a que se refere de forma veemente a ex-presidenta Cristina Kirchner. O vídeo revela a reunião do ex-ministro de Trabalho da província, Marcelo Villegas que manifesta sua vontade de “contar com uma Gestapo, uma força para atuar com o fim de acabar com todos os sindicatos”, numa mesa na qual participaram outros funcionários do governo de Vidal, o ex-prefeito de La Plata, empresários da construção civil e agentes da AFI.

Movimentações como esta, dentro de um esquema mafioso obscuro, de utilização do aparato do Estado, com a conivência de procuradores macristas (Conte Grand), e a oposição de alguns juízes que se negaram a cumprir ordens diretas de Macri, o executor do “lawfare” global, tiveram consequências reais com perseguições a dirigentes sindicais, líderes sociais durante o governo de PRO-Cambiemos (2016-2019) nos moldes da ditadura dos anos 70.

O objetivo central revelado neste vídeo foi perseguir o dirigente sindical da construção civil Juan Pablo “Pata” Medina (UOCRA), bem como, os sindicalistas Hugo e Pablo Moyano (CGT -caminhoneiros), Roberto Baradel (Suteba – professores), além de funcionários políticos como o ex-governador Daniel Scioli (atual embaixador no Brasil) e prefeitxs da Província de Buenos Aires. Tudo isso, sem contar, o controle de cidadãos, militantes e manifestantes opositores ao macrismo em geral.

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Como explana o jornalista Raul Kollmann “Todos estes fatos exibem a mesma matriz: o governo Macri, com sucursal no governo da Vidal, dedicava-se a espiar, montar causas e operações contra qualquer opositor e também contra os seus próprios”.

“Dado que não podiam mostrar realizações econômicas, suas estratégias centrais eram duas: Por um lado, denunciar e alimentar os meios amigos com fabricantes de indignações. Por outro lado, vigiar os seus aliados, marcá-los de perto e, seguramente, “fichá-los” se fosse necessário”.

A CGT e a CTA, através de seus dirigentes, Pablo Moyano e Hugo Yasky, decidem apelar na Justiça com apoio de outros organismos sindicais. Não obstante a chegada dos feriados de fim de ano, várias reações se desenrolam: uma promotora de La Plata, inicia um processo contra o ex-Ministro Villegas (PRO), e deputados (FdT) se mobilizam para levar um projeto ao Congresso de repúdio à “Gestapo Macrista”; conformam uma bicameral de investigação, e sindicalistas dão Conferências de Imprensa. Com certeza, inicia-se 2022 com possíveis mobilizações da base operária-sindical argentina, inclusive para fazer valer o seu protagonismo mantendo vivo o alerta por um “Nunca Mais”, contra as ameaças de retorno da ditadura dos anos 70.

O destape de dita “Mesa Judicial”, e o silêncio posterior de todos as forças políticas do PRO-Cambiemos, e da grande mídia (Clarin/La Nación), revela o mecanismo político-judicial que permitiu ao governo Macri impor ao país a dívida externa abismal com o FMI, o desemprego, o rebaixamento salarial, a desativação produtiva e estatal. Tudo isso não se podia impor entre 2016-19, sem a repressão, como de fato ocorreu, aos sindicatos e movimentos populares, ao peronismo e dirigentes políticos kirchneristas da década anterior.

O vídeo desta Mesa Judicial de La Plata, como outras que estão por ser reveladas nos arquivos, constituem a teia do lawfare. Mas, o alerta que surge é que essa máquina está intacta. O ano 2022, é um grande desafio para Alberto e Cristina Fernandez para avançar na Reforma Judicial e mover as peças na Corte Suprema de Justiça. O movimento sindical unificado já deu sinais de que os trabalhadores se preparam para ocupar as ruas e protagonizar grandes lutas.

Prevê-se a retomada do campo de batalha em 2022 por parte do movimento social e sindical frente às ameaças golpistas. De fato, a não aprovação recente do Orçamento nacional para 2022 por parte da oposição na Câmara de Deputados é uma péssima sinalização desestabilizadora que o PRO-JxC envia ao governo da Frente de Todos (FdT), somando-se a dois anos de sua política negacionista durante a Pandemia e à gravidade da dívida impagável com o FMI deixada pelo macrismo. Dívida esta que Macri assumiu sem sequer consultar o Congresso durante o seu governo.

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Porém, o presidente Alberto Fernandez, no recente discurso de posse de Máximo Kirchner, líder do bloco da FdT na Câmara de Deputados, como presidente do Partido Justicialista da Província de Buenos Aires, não se deu por derrotado, e rebateu a oposição com disposição de combate: “Os que diziam que nós não fechamos com o Fundo (FMI) dizem agora que não me aprovam o orçamento e, além disso, me apressam com a dívida deixada por eles. ”  … “Em 2010, eles deixaram a Cristina sem orçamento; agora, a mim em 2021. Mas, olhem: a Cristina continuou governando em 2010 e eu vou continuar governando em 2022. E nós dois continuamos governando porque antes de tudo, nós representamos os interesses dos mais despossuídos. E não me importa quê orçamento me aprovaram ou deixaram de aprovar, porque eu vou cumprir do mesmo jeito.”

Alberto apontou contra a Corte Suprema de justiça: “Eu não sei o que ocorre porque lá deveria ser um lugar onde as pessoas resolvem seus conflitos. Se os juízes não solucionam os conflitos, os mesmos se aprofundam”. Finalizou: “Não nos venceram. Iniciamos uma nova era. O 2023 vai ser nosso! Vamos vencer! ” (2023, nova eleição presidencial)

Oposição argentina não aprovou o Orçamento nacional em ação desestabilizadora; Chile, Nicarágua, Brasil e — oxalá — Colômbia sinalizam mudanças no continente

Reprodução/ Twitter
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2022 será um ano de definições no embate do duplo poder na América Latina e no mundo

Inauguramos o ano 2022, com um balance altamente favorável à recuperação da União latino-americana dos povos e dos governos progressistas. Entramos na era do renascimento da Pátria Grande ideada por Hugo Chávez.

A resistência da pequena e grande Cuba socialista com destacável vitória social-sanitária contra a Covid-19; a reafirmação da Venezuela bolivariana nas últimas eleições legislativas; a vitória de Luis Arce e o retorno do ex-presidente índio, Evo Morales, na Bolívia; a eleição do professor Pedro Castillo, podendo recuperar o sendeiro do nacionalismo de Velasco Alvarado; a reeleição de Ortega na Nicarágua da histórica Frente Sandinista; a eleição da valente presidenta Xiomara Castro em Honduras, recuperando o projeto popular do ex-presidente Manuel Zelaya; e a significativa eleição de Gabriel Boric, derrotando a direita pinochetista com a força do aguerrido povo chileno; e a muito provável vitória de Lula da Silva no Brasil; tudo, compõe um cenário de relação de forças altamente favorável para a reintegração da América Latina, a recuperação integral de instrumentos decisivos como Unasul, Celac, Banco do Sul, BRICS, sem dizer de uma Internacional político-social, soberana e unificadora das experiências de toda o continente, algo projetado por Hugo Chávez, para bem além da fronteira latino-americana.

Não há dúvidas de que as forças neoliberais tentarão seduzir, política-midiaticamente, aos que estão e virão, para seguir terceiras-vias, já que golpes duros tendem ao rechaço social. É verdade também que o modelo neoliberal capitalista vive um fim de era, econômica e socialmente, e com prazos limitados para saídas social-democráticas de contenção; os saltos revolucionários tornam-se inexoráveis se as lideranças surgirem no tempo justo. É real que a China e Rússia não só são fortes alternativas econômico-militares, mas essencialmente sociais e científicas, e estão, como nunca, unidas num projeto socialista viável.

Estamos diante de uma Rússia com Putin capaz de por um freio nas ameaças de Biden na Ucrânia, e oferecer o gasoduto do Nord-Stream 2 que divide a burguesia europeia frente aos EUA, pondo em risco a hegemonia da Nato; trata-se de uma China que ao mesmo tempo que expande a Rota da Seda, via Irã, fortalece o papel do Estado diante da crise do conglomerado Evergrande. E eis que com a chegada de 2022 iniciam-se projetos de expansão da Rota da Seda chinesa também pela América Latina, através da Argentina e da Nicarágua. O presidente Alberto Fernandez estará viajando à China em fevereiro para tratar do tema. Enquanto isso, a Nicarágua se prepara para reativar o novo canal interoceânico (Atlântico-Pacífico). Veja vídeo do FC Leite Filho no Café na Política. 

Lula é acolhido na Argentina como líder histórico imprescindível e apto a reconstruir a Pátria Grande

A verdade intangível é que os destinos dos novos governos progressistas estão assentados seja em experiências históricas, como em mais recentes; e que povos como o chileno, argentino e boliviano possuem ambas! A consciência social poderá chegar a driblar a mídia hegemônica, as fakenews das redes sociais identificadas com o ódio. Todos haverão de perguntar-se porque a Venezuela se desenvolve, resiste, e entenderão quão forte e funcional é a união cívico-militar pela soberania.

As possibilidades de avances dos governos progressistas estará determinado pela interação e apoio dos sindicatos e movimentos populares, sem que os mesmos não percam sua autonomia. O seguidismo é tão inútil quanto o sectarismo.

O aprendizado não é linear, mas inevitável e necessário. As lideranças históricas como as mais jovens (como no Chile deram um olho para que todos vissem melhor) deverão unir suas forças e confiar que a comunicação pública, popular e independente de massas é o caminho para comover, educar, organizar e apoderar o povo em qualquer circunstância. É essencial acompanhar e viver o dinamismo dos processos, debater ideias para empurrar a história. Não há magias, nem predestinações. 

A vitória de Lula em 2022, será das peças do tabuleiro a mais importante que concentra a experiência histórica do povo brasileiro e latino-americano para dar o xeque-mate no reinado neoliberal no continente. 

Experiência acumulada não só dos tempos presidenciais do PT, mas também do combate ao lawfare desde as caravanas à prisão injusta, sem provas, executada pelo Moro em Curitiba. Lula, surgiu como criação e representação de uma necessidade histórica do movimento operário brasileiro; daí nasce o PT. Da mesma forma, Lula poderá ser outro, de uma nova época, concentrará as últimas experiências históricas vividas pelo povo, politicamente trágicas, com Bolsonaro no meio da pandemia; e representará um povo mais sofrido e talvez, amadurecido. Gilberto Carvalho (PT), Ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência do Brasil, faz uma interessante previsão analítica. Assista.

Independentemente dos seus aliados, Lula tem estatura para desta vez governar comunicando-se diariamente com o povo (a exemplo de Lopez Obrador), e mobilizando-o sempre como tem feito agora (rádios e TVs comunitárias), e mais ainda, se governo, com TVs Pública e estatais em mãos. O exemplo Argentino mostra também como um Congresso majoritariamente progressista será essencial para governar. Mas, a garantia imprescindível é a comunicação direta com o povo mobilizado. Os sindicatos e o povo argentino se preparam para atuar em grandes cenários. Enfim, 2022, abre o horizonte para muitos projetos e esperanças.

Helena Iono, especial para Diálogos do Sul desde Buenos Aires


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Helena Iono Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

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