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Organização popular e foco nas relações Sul-Sul: as tarefas para a América Latina do futuro

Só assim será possível superar cenário turbulento de crise econômica, consolidação da extrema-direita golpista e manutenção do modelo neoliberal
Pedro Carrano
Brasil de Fato

Tradução:

Neste final de 2022, a contradição se acentua entre os recentes governos progressistas que assumiram na América Latina e as tentativas de desgaste, golpismo e pressão por parte dos poderes legislativos, judiciário, mídia empresarial, extrema-direita e frações conservadoras e neoliberais da burguesia em cada país.

O quanto cada um dos episódios de ações golpistas está articulado e tem ligação com o governo dos EUA, tempo e investigação suficiente podem dizer. Em dez dias, no entanto, acompanhamos a vice-presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, sofrer mais um capítulo de perseguição judicial. Condenada a seis anos de prisão, no dia 6 de dezembro. Além disso Cristina ficaria inelegível e sem possibilidade de disputar as próximas eleições do país, quando seria o principal nome do peronismo com vínculo e influência popular.

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No Brasil, bolsonaristas organizaram verdadeiros atos de terrorismo, no mesmo dia quando o presidente eleito Lula foi diplomado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – o que indica que, sem punição aos crimes do neofascismo e forte convocatória popular, esses segmentos seguirão mobilizando-se, sem pauta e pela instabilidade institucional.

Só assim será possível superar cenário turbulento de crise econômica, consolidação da extrema-direita golpista e manutenção do modelo neoliberal

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Uma América unida, com um programa avesso ao neoliberalismo e focada na relação Sul-Sul é tudo que o imperialismo dos EUA parece não querer




Mobilização popular no Peru

Numa verdadeira crônica de um golpe anunciado, após um ano de pressão por parte do congresso do país e duas tentativas anteriores de impeachment, o presidente peruano, Pedro Castillo, foi destituído do governo e encontra-se preso, o que desencadeou uma forte mobilização nas ruas, sobretudo nos estados com forte mobilização camponesa e popular – Cusco, Puno, Arequipa e Apurímac, localidades onde os aeroportos estão fechados pelos protestos, além de La Libertad e Cajamarca.

O Peru profundo, dos textos de César Vallejo, vai às ruas e em protesto. Em que pesem decisões equivocadas de Castillo em seu percurso, o sentimento é de que a elite peruana não permitirá a aplicação de pautas populares e antineoliberais, derrubando qualquer candidatura vinculada à classe trabalhadora.

A pauta da agenda de protestos é a liberdade de Castillo, dissolução do atual congresso e adiantamento das eleições gerais do país, previstas para 2024. Ao lado dessas medidas, ressurge a pauta da assembleia Constituinte. Até o momento, nove pessoas foram mortas nos protestos e 71 estão detidas, no marco de uma repressão e de um estado de emergência de 30 dias. Por outro lado, o Ministério Público peruano pede prisão preventiva de Castillo e do seu primeiro ministro, Aníbal Torres, prolongada por 18 meses.

É um fato curioso, mas não espanta, que a mídia liberal tenha se apressado em enfocar o dia do suposto “golpe” de Castillo, colocando-o como um antidemocrata, mas que agora não dê o mesmo espaço e atenção para a reação popular em sua defesa.

Mais uma vez, para a mídia empresarial, a democracia é uma casca vazia e formal, afastada dos anseios e demandas populares, numa evidente afirmação neoliberal.

Na Bolívia, o governo de Luis Arce, do MAS, sofre pressão das oligarquias da região de Santa Cruz, historicamente conformada pelas mobilizações contra o governo popular de Evo Morales e agora contra o atual governo de Arce. Depois da tentativa de golpe encabeçado na região, em 2008, com flagrante participação da embaixada dos EUA, e do golpe de 2019, agora o pretexto para a reação cruzenhista é a postergação do Censo deste ano. O atual governador do estado é Luis Fernando Camacho, ex-líder da Unión Juvenil Cruzenhista  e do Comitê Cívico Pro Santa Cruz, integrante ativo do golpe de 2019 e que se aproveita do tema para pautar a balcanização e o separatismo na região.


Assembleia Constituinte

A bandeira da Constituinte surgiu nas lutas de rua, no período recente, em países como Chile, Guatemala e no Peru antes mesmo da eleição de Castillo. É uma bandeira imediata e ao mesmo tempo política, que aponta a necessidade de mais poder para os trabalhadores, diante de um Estado voltado à aplicação do neoliberalismo e de costas para as necessidades populares.

A atual constituição peruana foi aprovada durante o regime de Fujimori pai, em 1993. Fujimori assumiu o poder em 1990 e ficou dez anos no comando do Peru depois de uma espécie de autogolpe e, com apoio da cúpula militar, quando fechou o Congresso do país. O ex-ditador foi condenado a 25 anos de prisão por crimes de lesa humanidade.


Futuro turbulento

Estamos diante de um futuro turbulento no continente. Um novo patamar que dificulta a estabilidade e ação dos governos progressistas, diferente do próspero e fecundo período entre meados de 1998, com a eleição de Chávez, até 2015, com eleição de Macri e a derrota de Cristina Kirchner na Argentina.

Em um cenário de crise econômica que ainda perdura, consolidação da extrema-direita golpista e manutenção do modelo neoliberal, é tarefa das esquerdas retomarem seu projeto estratégico, sustentado pela formação, propaganda e aprofundamento da organização popular.

Uma América unida e com um programa avesso ao neoliberalismo, focado na relação Sul-Sul e ainda sinalizando para o bloco China e Rússia, é tudo o que o imperialismo dos EUA parece não querer. As reações nesta temporada vieram cedo. Na verdade, estão presentes desde o primeiro dia de cada governo. E até antes da posse…

Pedro Carrano | Jornalista, escritor e militante da organização da Consulta Popular.
Edição: Lia Bianchini.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul 

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