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Ana Prestes: Sem apoio regional para resolver conflito no Peru, matança de civis vai continuar

Pesquisas revelam Congresso e governo deslegitimados por ampla parcela da população, diz Ana Prestes.
Cezar Xavier
Portal Vermelho
Brasília (DF)

Tradução:

O Peru prolongou o estado de emergência em diversas regiões do país, incluindo a capital, Lima, após protestos contra a presidente Dina Boluarte se espalharem com repressão violenta e mortal das forças de segurança. Pelo menos 49 pessoas já morreram durante os atos desde a prisão do ex-presidente Pedro Castillo. Apesar da crise política ter eclodido em 7 de dezembro, com a prisão e deposição do ex-presidente Pedro Castillo, a violência e endurecimento do governo parece prolongar indefinidamente o conflito.

O decreto vale por 30 dias e permite, entre outras medidas graves, que o Exército se junte à polícia no monitoramento dos protestos. Além disso, a ordem suspende direitos individuais, como a liberdade de ir e vir e o princípio de inviolabilidade dos domicílios. Em Puno, epicentro dos protestos, também foi prorrogado o toque de recolher por dez dias, das 20h às 4h, no horário local.

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A analista internacional e cientista política, Ana Prestes, considera esta “uma situação muito dramática, sem solução à vista”. Ele explica ao Portal Vermelho que o Congresso no Peru tem muito poder e não vai abrir mão de seus mandatos para disputar novas eleições. 

“Só vejo possibilidade de superação deste impasse com apoio internacional. Espero que haja um apoio regional para reabrir o diálogo, senão vai ser só matança daqui pra frente”, alerta a socióloga.

Ela observa que o ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, tentou abrir um diálogo, porque tem muita ascendência sobre os Aymaras e Quéchuas, que também se organizaram para se juntar aos protestos. No entanto, Evo foi proibido de entrar no país e a Procuradoria Geral do Peru está tentando incriminá-lo. 

Pesquisas revelam Congresso e governo deslegitimados por ampla parcela da população, diz Ana Prestes.

A República
Manifestantes exigem a renúncia de Boluarte, a libertação de Castillo, a dissolução do Parlamento e a antecipação das eleições para este ano




Desaprovação ao governo

Pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos, divulgados pelo jornal La República, aponta que 71% da população afirma reprovar a forma como Dina conduz o governo. Apenas 19% dos cidadãos disseram o contrário. Castillo, por sua vez, tem 30% de apoio a sua tentativa de encerrar o Congresso e chamar novas eleições, tratada como golpe pelos parlamentares. 

Os que defendem a soltura do ex-presidente são 60%. A situação dos congressistas é ainda pior, com 9 em cada 10 peruanos criticando a atuação parlamentar. A pesquisa também apontou que 58% dos peruanos dizem acreditar que houve excessos por parte dos policiais diante dos protestos.

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Na sexta (13), o Ministério Público confirmou a abertura de 11 investigações acerca das mortes causadas pelas forças policiais. A apuração envolve Dina, o primeiro-ministro, Alberto Otárola, e outras autoridades, suspeitos dos crimes de genocídio, homicídio qualificado e lesões graves.

Ana concorda que as pesquisas revelam uma deslegitimação do Congresso e do Governo do Peru. “Até a imprensa conservadora e fujimorista denunciou muito as mortes da semana passada. Isso sensibiliza muito a classe média. Com isso, a pesquisa vai além dessa esfera popular da insatisfação com o governo”, disse ela, referindo-se ao fato dos protestos ocorrerem principalmente em regiões mais pobres do país.

Embora a pesquisa revele que 60% da população é contrária a prisão de Castillo, não há qualquer gesto no sentido de sua libertação. “Pelo contrário, a Suprema Corte deliberou no fim de dezembro, pela prisão preventiva dele por um tempo ainda maior, de 18 meses. Isso depois da defesa apelar para que ele fosse julgado em liberdade”, afirmou. 

Ou seja, em vez de abrir um diálogo para reduzir o tensionamento que só cresce, “o governo assume uma linha de endurecimento, de restringir a mobilidade das pessoas para fazer com que as marchas e bloqueios não sejam possíveis”.

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Os manifestantes exigem a renúncia da presidente, a libertação de Castillo, a dissolução do Parlamento e a antecipação das eleições para este ano. Outra demanda é a convocação de uma Assembleia Constituinte. Há enorme insatisfação com a Carta Constitucional promulgada em 1993 pelo ditador Alberto Fujimori.

O temor do governo é que as cenas de violência registradas nas regiões andinas nas últimas semanas se repitam na capital do país. Neste domingo (15), foram bloqueados quase cem trechos de rodovias em 10 das 25 regiões, principalmente em áreas próximas às fronteiras com Bolívia e Chile. Os prejuízos em Cusco, com a perda do turismo para Machu Picchu, são de cerca de R$ 9,5 milhões por dia.


Esquerda fragilizada

O Peru vive uma fragmentação social muito forte, segundo Ana, inclusive geograficamente. “Há uma grande concentração de elites e oligarquias em Lima e região metropolitana, e uma população empobrecida espalhada pelo resto do país”, diz ela, se referindo aos protestos que se intensificam principalmente em regiões como Puno, Cusco, Apurímac, Moquegua, Madre de Dios, Ayachucho e Arequipa.

“Quando um líder popular como Castillo é preso, estão mexendo com uma população que se viu representada nas urnas, depois de muito tempo”, ressaltou. Castillo é um professor da área rural, sindicalista, e representa uma base e uma população sistematicamente excluída no Peru. Por isso as manifestações ocorrem principalmente no sul do Peru, nas regiões de origem de Castillo, onde ocorrem os protestos mais violentos.

Além disso, diz ela, o Peru tem uma esquerda muito fragmentada, desorganizada e que não se fala. Tem o Novo Peru, o Peru Livre, os movimentos e sindicatos que são fortes, mas não se entendem. “A desordem nessa contestação popular acabou dando margem a uma repressão e violência brutal”, avalia.


Precedentes

A analista diz que a crise no Peru vem de longa data. Neste último período, ela percebe as contestações e recursos da elite fujimorista ao processo eleitoral, assim que se confirmou a vitória de Castillo. Seu governo foi empossado em julho de 2021 sob o signo da contestação institucional. O Congresso tentou afastá-lo duas vezes, só neste primeiro semestre. Há várias trocas de gabinete e uma enorme dificuldade de conseguir governabilidade, até mesmo em seu próprio partido.

Em 7 de dezembro, Castillo faz o pronunciamento em que apelou ao artigo da Constituição que permite ao presidente encerrar o Congresso e chamar novas eleições gerais, desde que atendendo a algumas condicionantes. “As manifestações revelam que ele tem apoio de massa, mas nenhum apoio institucional, militar, parlamentar. Sem isso, ele foi rapidamente preso, encarcerado e está em prisão preventiva, enquanto é julgado”, analisa.

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Sua vice, Dina Boluarte, é empossada imediatamente pelo parlamento unicameral de 130 deputados. A partir do 7 de dezembro, começam as manifestações. Antes do fim do ano, já haviam morrido mais de 30 pessoas, enquanto na semana passada morreram 19 em poucas horas. 

No final de dezembro, já houve uma assembleia de movimentos que havia deliberado por uma greve sem tempo determinado a partir de 4 de janeiro. Com isso, janeiro de 2023 já começa tenso no país.

Por outro lado, o ministro do Interior Victor Rojas resolveu mobilizar forças policiais para uma contramarcha, numa atitude inconstitucional por envolver policiais em manifestações políticas. O Peru Libre exigiu a renúncia de Rojas por violar a ordem constitucional ao incitar a polícia contra a oposição a Boluarte. 

Ana conta que, no Ano Novo, os peruanos têm o costume de queimar bonecos. Com isso, a passagem de ano foi de protestos com bonecos de Dina Boluarte e seu primeiro ministro Alberto Otárola sendo queimados pelo povo.

Dina Boluarte evita se pronunciar ou aparecer publicamente. “Ela chegou a ir a Cuzco e praticamente foi enxotada de lá, pela abordagem muito ruim. Por ser uma região turística, ela apelou ao lado econômico, ao dizer que quem perde com os protestos são eles”, disse Ana.

Cezar Xavier | Portal Vermelho


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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