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ToggleA três meses da sétima eleição presidencial desde a primeira vitória de Hugo Chávez (1999-2013), em 1998, venezuelanas e venezuelanos participaram, em 21 de abril, de uma consulta popular que se realizou em nível comunitário em todo o país.
Nesta votação a população dicidiu sobre o financiamento de projetos que serão executados e geridos pelas organizações comunitárias, em um processo de participação popular – pouco divulgado em nível internacional – que desde a instituição do projeto bolivariano no governo, é parte da vida democrática deste país.
Esta consulta popular nacional envolveu 49.000 Conselhos Comunais, unidades organizativas definidas por Lei em 2006, como “instâncias de participação, articulação e integração entre as diversas organizações comunitárias, grupos sociais e cidadãos e cidadãs, que permitem ao povo organizado exercer diretamente a gestão das políticas públicas e projetos destinados a responder às necessidades e aspirações das comunidades na construção de uma sociedade de equidade e justiça social”.
Os Conselhos Comunais funcionam, por sua vez, nas mais de 4 mil comunas de todo o território venezuelano.
No quadro da consulta às comunidades organizadas poderiam apresentar até sete projetos de grande impacto social dirigidos às necessidades imediatas de seus habitantes, em temas referentes à saúde, educação, alimentação, segurança, ambiente, serviços públicos e economia.
Segundo informou o Conselho Nacional Eleitoral venezuelano, mais de 1 milhão e 300 mil porta-vozes participaram da apresentação e eleição de 27.000 projetos que foram organizados em Assembleias de Cidadãos e Cidadãs. O processo foi monitorado por 158 observadores internacionais de mais de 50 países que percorreram os mais de 15.000 centros eleitorais dos 23 estados do país e do Distrito Capital. Ao terminar a eleição, os recursos e a execução dos projetos eleitos serão geridos pelas comunidades.
Eleições presidenciais sob pressão externa
Ao mesmo tempo que esta eleição popular, ocorrem na Venezuela vários fatos políticos que mostram o ambiente em que o país se prepara para as eleições presidenciais.
Enquanto no dia 22 de abril o Departamento de Estado dos EUA emitia um informe em que avaliava negativamente a situação dos Direitos Humanos na Venezuela durante 2023, em 18 de abril à meia noite foram reimpostas as medidas unilaterais coercitivas ditadas pela Oficina de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac) do Departamento do Tesouro dos EUA contra a Venezuela, a partir da decisão de não renovar a licença 44. Isto significa que as petroleiras estrangeiras deverão interromper suas operações no país antes de 31 de maio.
A não renovação da licença 44 coincide com as pressões que o governo dos EUA tenta exercer sobre a República Bolivariana por não levantar a inabilitação para o exercício de cargos públicos, ditada em 2021 e por um prazo de 15 anos, para a líder da ala mais radical da oposição venezuelana, María Corina Machado.
A medida foi aplicada a partir da prova da participação da dirigente em uma trama de corrupção que derivou no despojamento de empresas estatais no exterior, durante a autoproclamação como presidente de Juan Guaidó, por propiciar o bloqueio estrangeiro da economia venezuelana e particularmente por não cumprir disposições constitucionais ao credenciar-se como representante alternativa do Panamá na OEA em 2014. Também por pedir uma intervenção militar estrangeira em seu país, atentando com isto “contra a ética pública, a moral administrativa, o estado de direito, a paz e a soberania da República Bolivariana da Venezuela”.
No processo de inscrição de candidaturas, que ocorreu entre 21 e 26 de março, Machado designou Corina Yoris para substituí-la, mas enquanto tentava obter o consenso na Plataforma de Unidade que aglutina a oposição com novas manobras dilatórias, o chavismo busca bloquear a nova candidata da oposição para sua postulação definitiva, LA NACION denunciou que o governo venezuelano impedia sua inscrição. O processo culminou com a inscrição de 13 candidatos e 33 organizações políticas. A Plataforma da Unidade decidiu finalmente que seria representada pelo diplomata Edmundo González Urrutia, depois de propor Manuel Rosales, que finalmente optou por apoiar a candidatura de Urrutia.
Apesar disso, os EUA acusam o país de “descumprir parcialmente” o acordo de Barbados, assinado em outubro de 2023 com a oposição e com a mediação da Noruega, razão pela qual decidiu restabelecer as sanções ilegais. As pressões internacionais sobre o governo venezuelano não começam nem terminam aí. Sobre a República Bolivariana pesam cerca de 930 sanções ilegais, destinadas a pressionar o destino político do país. Na ordem das pressões violentas, em 15 de janeiro foi anunciado o desmantelamento de uma operação magnicida denominada bracelete branco.
O governo venezuelano informou que entre maio de 2023 e janeiro de 2024 foram desarticuladas 5 tentativas golpistas no país. Algo que o presidente Nicolás Maduro qualificou como uma ferida de morte nos acordos de Barbados. Assim também o foi a licença de produção de petróleo outorgada pelo Governo da República Cooperativa da Guiana a empresas petroleiras no Bloco Stabroek, com que se pretende dispor dos recursos energéticos em áreas marítimas sem delimitá-las, como expressou a chancelaria venezuelana em um comunicado.
Em meio às investigações devido à operação Bracelete Branco foi detida a ativista Rocío San Miguel, líder da ONG Controle Cidadão, que, de acordo com as investigações, se preparava para desempenhar um papel na divulgação dos acontecimentos, entrevistando em tempo real os golpistas envolvidos na operação bracelete branco, para legitimar a ação ante o olhar internacional.
A estratégia foi implementada em 2002 na Venezuela, quando os meios de comunicação entraram em acordo para distorcer os acontecimentos que desencadearam o golpe de Estado e fazer crer à população que Hugo Chávez renunciara à presidência. Ante a detenção de San Miguel, o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos emitiu uma mensagem via X, onde classificou o fato como um “desaparecimento forçado”.
O governo decidiu suspender as funções deste órgão em Caracas. O fato foi aproveitado internacionalmente por um conjunto de ex-chanceleres e ex-funcionários de centro de diferentes países da região, encabeçados por Michelle Bachelet, que em uma carta condenaram a decisão venezuelana chamando-a de autoritária. Nenhum deles utilizou seu renome internacional para condenar com afinco as violações aos direitos humanos nos cárceres de El Salvador, ou o genocídio palestino na Faixa de Gaza.
Em continuidade com as pressões econômicas, em 19 de fevereiro o poder judiciário argentino ordenou, a partir de uma solicitação dos EUA, a entrega a esta nação da aeronave Boeing 747-300, da empresa estatal venezuelana Emtrasur, que foi sucateada pelo governo estadunidense. O avião se encontrava retido na Argentina desde junho de 2022 com o argumento de suspeitas por “terrorismo” no quadro da suposta violação dos controles de exportação de entidades “sancionadas” apesar de que não se tenha encontrado nada de procedência ilegal durante as inspeções.
Diante disso, o governo venezuelano apresentou uma queixa contra o governo argentino ante a Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), que foi aceita recentemente pelo organismo. Ao coro de vozes preocupadas com a democracia na Venezuela, -se há algumas semanas outros países, como o Uruguai e, surpreendentemente, a Colômbia e o Brasil, que se pronunciaram contra a inabilitação de Machado recebendo em troca contundentes respostas do governo venezuelano que solicitou a não ingerência em seus assuntos internos. Esquecem aqueles que se posicionam a favor de Machado o papel protagonista que desempenhou nas violentas aventuras golpistas que tentaram derrubar o governo de Maduro em reiteradas oportunidades, depois do falecimento de Hugo Chávez, tentando finalmente a instituição de um governo paralelo investido na figura de Juan Guaidó.
Avais locais e internacionais ao processo eleitoral
No entanto, nesta oportunidade e apesar de possuir um caudal de seguidores, Machado parece ficar isolada nas disputas de poder que se dirimem no interior da Mesa de Unidade Democrática que representa uma parcela importante do arco opositor e que decidiu avalizar o processo com sua participação, diferentemente de eleições anteriores.
Da mesma forma, o CNE recebeu em 24 de abril a equipe técnica eleitoral da Organização das Nações Unidas (ONU), que fará parte do grupo de especialistas estrangeiros integrados ao plano de observação internacional. Esta missão se soma a um conjunto de instituições como o Centro Carter, o Conselho de Especialistas Eleitorais da América Latina, o Observatório Parlamentar e Eleitoral para a Integração Regional (Opeir), a União Europeia e o Conselho de Especialistas Eleitorais da América Latina (Ceela), que já se encontram no país para acompanhar o processo eleitoral.
Enquanto isso, o procurador da Corte Penal Internacional (CPI), Karim Khan, visitou pela quarta vez o país nestes dias, para assinar acordos de cooperação e complementaridade em matéria de justiça e para verificar também em um percurso pelo interior do país o impacto do bloqueio econômico fruto das sanções ilegais aplicadas à economia venezuelana, segundo informou a Telesur. Neste encontro foi anunciada a volta do Escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas ao país.
Em 24 de abril acabou em Caracas a XXIII Cúpula de chefes de Estado e de Governo da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP) com a apresentação da declaração final, a Agenda ALBA 2030 e um comunicado especial sobre a situação da Palestina. As e os chefes de estados membros se posicionaram também a favor da soberania e contra as ingerências externas. (XXIII Cumbre – ALBA-TCP).
Esquece-se o mundo, preocupado com a democracia, de que este bloco de integração, pensado como uma alternativa à ALCA, ferramenta com que os EUA propunham comércio em condições leoninas aos países latino-americanos, inaugurou uma nova concepção no comércio e na diplomacia dos povos, instaurando acordos como o assinado entre Cuba e Venezuela para o intercâmbio de combustível por médicos.
A democracia, claro, é um princípio bastante flexível para aqueles que a utilizam como medida para intervir em assuntos internos de países determinados a consolidar o rumo de um projeto popular.
A contagem de pressões externas realça ainda mais o valor dos processos participativos com que o governo bolivariano responde a cada agressão externa. Afinal de contas, a democracia é só uma enteléquia, se não responde às necessidades essenciais do povo, questão que parece ser um problema para mais de um dos países da região.
Estrategia.la
Revisão: Carolina Ferreira